Dora Ferreira não se rende à esclerose múltipla
A coordenadora da delegação de Santarém da Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla foi diagnosticada com a doença há mais de dez anos. Aprendeu a viver com uma patologia que não tem cura e que lhe revirou a vida, mas recusa deitar a toalha ao chão ou vestir a pele de coitadinha. “Faço as mesmas coisas mas de outra maneira”, diz Dora Ferreira. Optimista por natureza, vive um dia de cada vez e recusa-se a sofrer por antecipação.
O primeiro sintoma marcante foi uma nevrite óptica, que lhe causou alterações na visão. Os vários exames que fez de seguida não foram conclusivos e o duro veredicto só chegou dois anos depois, em 2009: Dora Ferreira tinha esclerose múltipla, uma doença neurodegenerativa sem cura que muita gente mal informada associa à terceira idade ou a problemas nos ossos. Dora, que completou 50 anos no dia 1 de Junho, ainda não tinha 40 anos quando foi diagnosticada e estava dentro do espectro etário mais comum de manifestação da doença, que é entre os 20 e os 40 anos.
Quando lhe diagnosticaram esclerose múltipla não foi apanhada completamente de surpresa porque já tinha colhido muita informação sobre a doença. Mulher comunicativa, de pensamento positivo e espírito aberto, diz que não sentiu revolta nem ódio quando soube o que o destino lhe reservara porque esses sentimentos consomem muita energia. E ela necessita de todas as forças para lidar com a doença.
A esclerose teve impactos importantes na vida desta mulher natural da freguesia de Valada (Cartaxo) e residente em Muge (Salvaterra de Magos): empregada numa empresa de climatização, reformou-se aos 40 anos com uma incapacidade não motora de 80%; o casamento acabou; as saídas e convívios com amigos passaram a ser mais limitados e condicionados; deixou de dançar, o que adorava fazer; não aguenta conduzir durante muito tempo seguido, porque fica com os pés dormentes, o que a obriga a parar para esticar as pernas; tarefas domésticas vulgares, como estender roupa, deixam-na exausta e a necessitar de descanso.
“Quando há excessos o corpo reage e lembra-nos. Respeitar o nosso corpo é meio caminho andado para lidar melhor com a doença”, diz a O MIRANTE. O ritmo de vida quotidiano foi adaptado à nova condição. “Faço as mesmas coisas mas de outra maneira”, explica, acrescentando que muitos portadores de esclerose múltipla omitem até poder a sua doença no trabalho, com medo de serem descartados pela entidade patronal. “As pessoas podem trabalhar mas tudo depende do ritmo a que têm de o fazer. Trabalhar muitas horas seguidas está fora de questão”, garante.
Os filhos, um rapaz adolescente e uma filha adulta, que já lhe deu um neto, foram o seu foco nas horas mais negras. “Tinha que estar bem comigo para estar bem com eles”, conta. Quanto ao que o futuro lhe reserva, recusa-se a sofrer por antecipação e a ser vista como uma “coitadinha”, encarando a vida sob o lema “um dia de cada vez”: “Não adianta fazer futurologia. Não vou estar a pensar na possibilidade de ficar numa cadeira de rodas quando não sei se isso vai acontecer”.
Delegação de Santarém da SPEM reactivada
A esclerose múltipla na vida de Dora também teve um reverso da medalha e nem tudo foi mau. Conheceu novas pessoas, envolveu-se no movimento associativo, sendo actualmente a coordenadora da delegação de Santarém da Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM), reactivada há cerca de três anos. Já realizaram algumas actividades de informação e sensibilização da comunidade, mas entretanto a pandemia obrigou a uma pausa forçada.
Com o desconfinamento esperam também receber as chaves do espaço, cedido pela Câmara de Santarém, destinado a sede da delegação, no bairro de São Domingos. A delegação, que tem cerca de 50 associados entre portadores da doença e cuidadores, visa apoiar as pessoas que sofrem de esclerose múltipla e as famílias. “Tentamos sinalizar as pessoas portadoras para saber se precisam e se querem ajuda. Quando estou mal peço ajuda”, diz, lembrando que o estigma da doença leva alguns pacientes a omitirem a sua condição, até porque a esclerose é invisível à primeira vista.
Nos tempos de confinamento Dora Ferreira adaptou-se à realidade das actividades virtuais à distância e, tal como outros portadores da doença, experimentou a tele-fisioterapia e as consultas de psicologia via zoom. As plataformas online serviram também para partilha de experiências e preocupações e para darem apoio moral uns aos outros. “O portador sabe dar um apoio mais eficaz do que quem não tem a doença”, afirma.
Uma doença neurológica crónica mais comum no jovem adulto
A esclerose múltipla atinge o sistema nervoso central. As fibras nervosas das células do sistema nervoso estão revestidas por uma bainha chamada mielina que é essencial para que os estímulos sejam correctamente propagados. Nesta doença a mielina é destruída impedindo uma adequada comunicação entre o cérebro e o corpo.
Trata-se de uma doença neurológica crónica, mais comum no jovem adulto, e que surge habitualmente na terceira década de vida, com o dobro da frequência no género feminino. A maioria dos casos é diagnosticada entre os 20 e os 50 anos, mas pode afectar pessoas com idades entre os dois e os 75 anos. Embora não seja fatal, é muito incapacitante, influenciando significativamente todos os aspectos da vida dos pacientes. À escala mundial os dados apontam para cerca de 2.500.000 pessoas com esclerose múltipla e em Portugal mais de cinco mil.
A maioria das pessoas com esclerose múltipla tem períodos de saúde relativamente boa, alternando com períodos de surtos ou recaídas. As recaídas podem ser moderadas ou debilitantes. As pessoas podem ter problemas de visão e sensações anormais e os movimentos podem ser fracos e desajeitados. A esclerose múltipla piora lentamente ao longo do tempo.
Os sintomas iniciais mais comuns são dormência, dor, ardor e comichão nos braços, pernas, tronco ou face e, algumas vezes, uma menor sensibilidade ao toque; perda de força ou destreza numa perna ou mão; problemas com a visão, que se pode tornar turva ou pouco clara.