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Nas eleições autárquicas votamos nas pessoas e não nos partidos
António Mendes acredita que Camões esteve mesmo em Constância e conheceu uma das suas musas

Nas eleições autárquicas votamos nas pessoas e não nos partidos

António Mendes em entrevista numa tarde em que passeou por Constância com uma jornalista de O MIRANTE. Confira as respostas às nossas perguntas e no texto ao lado a história mais detalhada deste encontro com o ex-autarca de Constância que tem prometido um busto na vila.

Imagino que está mais habituado a falar do passado do que do presente. Como é o seu dia-a-dia?

Não estava nada à espera deste convite para passear à beira-rio. Levanto-me às seis da manhã, como uma peça de fruta e vou fazer a minha caminhada de 6 km. Hoje tive de ir tratar de uns assuntos relacionados com umas modificações que andamos a fazer lá em casa. Às 10h30 já estava no ginásio aqui em Constância. Coisa que faço três vezes por semana, às segundas, quartas e sextas-feiras. Estou no ginásio cerca de hora e meia e depois regresso a casa para almoçar. Depois de almoço arranjo sempre alguma coisa para fazer.

É uma pessoa que não consegue estar parada?

Todos os dias vou buscar o meu neto à escola. Não é um trabalho mas é um prazer. Leio e encontro-me com os amigos. Vejo um pouco de televisão. Nunca me deito depois das 11 da noite. Mas durmo muito pouco. Se dormir cinco horas já é uma festa.

Esses amigos que vai mantendo são do tempo da sua vida política?

Continuo a manter o contacto com algumas pessoas sim, com um, principalmente, que foi vereador durante alguns mandatos, que é o Rui Ferreira.

Já que chegámos aqui, e temos vista para a fábrica, o que significa para si aquele fumo branco que sai das chaminés da Caima?

Significa várias coisas. Esta fábrica representa obviamente poluição. Mas também representa postos de trabalho, é uma mais valia para o concelho e para a região. Todos os esgotos de Constância, com excepção de Montalvo, são tratados naquela ETAR. No passado era bem pior, mas há alguns dias em que o cheiro não é o mais agradável. Todos temos consciência disso nomeadamente quem vive mais próximo da fábrica.

Considera que é algo que afasta as pessoas de viverem na outra margem, onde se sente mais o impacto das chaminés?

O que afasta as pessoas daquela margem é uma grande incompreensão de todos os governos pela não construção de uma nova ponte. O estrangulamento que a falta desta ponte provoca leva a que as pessoas não se fixem cá. Este é o grande problema daquela margem. Quando foi feito o estudo de impacte ambiental para instalação da Resitejo, cuja localização foi encontrada por mim e pelo Sérgio Carrinho, a decisão determinava que era necessária uma nova ponte e dizia claramente que a ponte era construída no concelho de Constância. Entretanto as coisas nunca avançaram e isto já foi no início de 2000.

Ou seja, há 21 anos que existe o estudo para uma ponte que nunca avançou.

Exactamente. Tudo isto a propósito do que afasta as pessoas de Santa Margarida. O que afasta as pessoas é a dificuldade de lá chegarem.

Quando era mais novo costumava tomar banho no rio?

Poucas vezes. A água é muito fria e a mim quem me dá o mar dá-me tudo. Mar com água melhor que esta. Mas não deixo de reconhecer a importância que a água tem nesta vila. É uma mais valia. Devia-se apostar muito mais no incremento e legalização da praia fluvial porque a praia existe aqui mas é ilegal.

Seria uma forma de revitalizar um pouco a vila que está morta?

É verdade, diz muito bem. A vila está mesmo quase morta. Esse é um facto que sinto e vejo com tristeza. É necessário que as apostas que se fizeram no passado e que tão bons resultados deram sejam aprofundadas.

Como por exemplo?

Como a zona industrial de Montalvo. É inconcebível que se avance para a revisão de um PDM e não se contemple a ampliação da zona industrial que está esgotada. Não só é necessário definir isso do ponto de vista de ordenamento do território, como é necessário adquirir-se terrenos, caso contrário não se desenvolvem políticas de fixação de empresas como é necessário.

Para ajudar a combater a desertificação?

Constância viveu e vive bastante ainda do turismo. Através da actividade náutica, do rio e de visitas que se fazem. No passado foi uma aposta forte do município virar-se para o rio. Mais para o Zêzere, que é menos poluído que o Tejo. Falei da actividade náutica, mas temos outras potencialidades como a questão da Casa-Memória de Camões, o espólio de Alexandre O’Neill e Vasco de Lima Couto. Há imensas razões para as pessoas virem até cá. Agora faltam incentivos. Só há uma coisa que cai do céu, que é a chuva.

O trabalho de Manuela de Azevedo vai ficar por acabar?

O trabalho dela não pode ser inglório, mas gostaríamos de ver mais expressão e força. Isso não é possível se não houver da parte do Governo uma sensibilidade e apoio. E depois é claramente necessário um projecto cultural para a Casa-Memória de Camões onde se coloque alguém para dinamizar aquilo.

Acredita que Camões esteve mesmo em Constância e que aqui conheceu uma das suas musas?

Acredito. A vida ensina-nos muitas coisas. A escola, a sociedade, também nos ensina muito. Pelo que lemos, pelo que nos vão dizendo e vamos lendo da vida do poeta, fomos interiorizando que isso aconteceu. Sinceramente, acredito que aqui tenha vivido e tenha passado bons tempos.

Como vai sobreviver Constância com o aumento da desertificação?

Sinceramente, estou muito céptico. Não vejo vida que nos conduza a novas vidas.

Constância é um concelho pequeno. Ainda assim existem locais sem saneamento básico.

É um concelho mesmo muito pequeno. Sei que está a falar da localidade da Pereira mas não sei responder-lhe à questão.

Se lhe perguntar o que pensa deste jovem presidente da câmara foge à pergunta?

Não fujo nada à pergunta. É uma pessoa com quem tenho um bom relacionamento. Como presidente já fez algumas coisas bem feitas. Outras nem tanto. É um político tímido em todos os aspectos. Com toda a inexperiência que revela não deixou de guardar as principais realizações para o ano de eleições. A célebre política de espalhar alcatrão não faltou.

A culpa é da idade?

Sinceramente, não sei a idade dele mas percebo a inexperiência que não devia ser razão para a falta de trabalho.

Foi presidente durante 23 anos. Ainda se sente o presidente?

Muitas pessoas, principalmente as mais idosas, ainda têm esse hábito. Eu não me vejo nada como presidente

Ainda fazia uma perninha se o convidassem?

A minha vida hoje é família e eu próprio. Estive muitos anos a pensar só nos outros, agora está na altura de pensar um bocadinho em mim. Quem vem para estas funções ou as desempenha assim, muito próximo do povo, ou o melhor é ir-se embora.

Quando a CDU perdeu as eleições já não era presidente, mas ficou desgostoso?

Não fiquei contente, como é evidente, mas para ser franco para mim não foi grande surpresa.

A sua antiga força política está a desaparecer?

Quando vencemos a câmara quem governava era o PSD. As pessoas, se trabalharem, se não se desleixarem do ponto de vista da ligação às pessoas, a componente partidária conta muito pouco. Neste tipo de eleições o que conta é a pessoa em quem se está a votar e não o partido.

O PCP não está a desaparecer por falta de militantes?

Penso que os dirigentes estão preocupados mas não há nada a fazer quando as pessoas não acreditam e ficam hesitantes.

Seria necessário modernizar o partido?

Se fizer a pergunta ao secretário-geral do partido ele dá-lhe 1001 razões para justificar que não é bem assim, mas na realidade vê-se como é.

Está arrependido do tempo que roubou à família no exercício do cargo?

Trabalhava muito. Esquecia-me muitas vezes que tinha mulher e dois filhos. Penso muita vez no facto de a minha mulher ter sido mãe e pai dos meus filhos.

Se fosse hoje faria de outra forma?

Não sei, mas uma coisa é certa, não posso entrar em contradição comigo mesmo. Seguramente que não faria de outra forma.

Gostava de ter menos 20 anos?

Gostava de ter 20, 30 ou 40 a menos. Não vivi tudo o que tinha para viver.

O que acha que ainda há por fazer?

Lá está, sobretudo a vida pessoal. Também outras coisas ligadas ao concelho. Não é que quem tomou conta da pasta não fosse capaz de as assumir, mas a verdade é que continuam por fazer.

Viajou muito para o estrangeiro?

Quando estive na câmara só ia a Lisboa e Coimbra e durante os oito dias de férias ia com a família ao Algarve. Depois de sair da câmara já viajei muito mais.

Qual o próximo destino?

Gosto muito da Tunísia. E Cuba tem o mar mais bonito que já vi.

Tem em casa recordações de Cavaco Silva ou Carlos Carvalhas?

(Risos) Tenho algumas coisas sim. Mais de Cavaco Silva. São recordações como fotografias ou livros.

É um homem dedicado aos livros?

Não muito. Gosto de ler, mas não o faço com muita regularidade. Neste momento estou a ler pela segunda vez um livro de Miguel Sousa Tavares, “Rio das Flores”.

Da última vez que falou com O MIRANTE falou da sua horta. Ainda come o que ela dá?

(Risos) Não, desisti da horta quase por completo. Uma horta implica ter muitos conhecimentos. O que consumia e o trabalho que me dava não compensava. E do ponto de vista físico, pior ainda.

Quando construiu a sua casa surgiram alguns boatos. Ficou magoado?

(Espantado) Olhe, se surgiu, muito sinceramente, não soube de nenhum. Admito que as más-línguas possam ter pensado que havia alguma ajuda, mas felizmente não. Foi feita com um grande erro da minha parte, é excessivamente grande, devia ter feito algo mais pequeno e por isso agora estou a ver se a vendo para comprar uma mais pequena.

Como é que foi saber que queriam construir um busto em sua homenagem?

(Coloca um ar mais sério) Esse é um assunto delicado, mas não fujo. Foi um tema que já foi a assembleia municipal mais do que uma vez e que foi aprovado por todos. O actual presidente, no início do mandato, pediu-me para ir à câmara e falámos deste assunto. Está tudo como dantes. Não é algo que me incomode.

Se lhe perguntasse que pessoas devo conhecer em Constância quem me indicaria?

(Pensativo) Há uma pessoa que não é de cá, mas já é. O António Matias que está à frente da Casa-Memória. Do concelho, em Montalvo, o José Reis, que se tem dedicado a desenvolver a freguesia e o concelho. Na zona industrial também há homens que são grandes afirmações de inteligência e força de trabalho como o Rui Lopes. Em Constância há muitas pessoas, como Carlos Calhau, que é um homem conhecedor e que se dedicou ao comércio na vila. Em Santa Margarida, os donos do Central Park, a Cláudia e o Rui. O Chagas também é um homem interessante para se conhecer.

Como é que sonha a vida, o mundo, do alto dos seus 71 anos?

Vejo o mundo e a vida com optimismo e esperança.

Recorda-se de alguma situação caricata que tenha passado ao longo da sua vida política?

Um dia estava numa reunião em Lisboa, com o secretário de Estado das Obras Públicas, Maranha das Neves, por causa da construção da ponte em Constância quando comecei a perder sangue pelo nariz. A hemorragia não parava e foi de tal forma preocupante que tiveram de chamar a ambulância e o secretário de Estado acompanhou-me ao hospital onde fiquei em observação durante algumas horas. Nem todos podem dizer que foram levados ao hospital por um membro do Governo.

Tudo lhe salta à vista quando passeia pelo concelho?

Tudo. Não diria que é uma doença, também não é um dom. Foram muitos anos a treinar e quando vim para cá já vinha com uma escola de grande exigência profissional, embora digam que na CP não se trabalha.

Um ex-autarca com os olhos na sua terra

O encontro de O MIRANTE com António Mendes foi pretexto para um passeio pela vila de Constância. Foi uma “viagem” de cerca de uma hora e meia durante a qual percorremos a zona ribeirinha da vila e uma parte do centro histórico. O encontro deu-se junto à estátua de Camões e à hora acertada. A conversa começou logo pelos valores da pontualidade e pelos agradecimentos mútuos do convite para o passeio.

Assim que nos aproximamos do Zêzere, encontramos o antigo proprietário do restaurante Remédio D’Alma, Carlos Dâmaso, que num estado de saúde um pouco debilitado causou tristeza e comoção a António Mendes. Mas o primeiro olhar foi para as chaminés da fábrica do Caima que nunca param de deitar fumo branco. Para o ex-autarca o Caima é um preço elevado que se paga para haver emprego ao pé da porta e que não tem remissa. Ao lado a velha ponte que atravessa o Tejo. Ou a falta dela, como diz António Mendes.

Esta foi uma das suas maiores lutas enquanto presidente de Constância, luta que não ganhou e por isso continua de luto pela ponte, tal como está inscrito numa camisola que guarda de uma manifestação de há muitos anos. Houve projecto há 21 anos mas tudo foram promessas. É essa dificuldade em atravessar o rio que afasta muito mais as pessoas.

Os rios que atravessam o concelho são, apesar de tudo, um motivo de orgulho para Mendes que, embora não usufrua muito deles, porque a sua “praia” são águas mais quentes, confessa que revitalizar a vila e retardar a morte já anunciada passaria por valorizar o rio, principalmente o Zêzere. Legalizar a praia fluvial, construir infra-estruturas como balneários, melhorar a areia que é muito agressiva, tudo trabalho que poderia trazer mais pessoas à vila. Poderia ser até um impulso para dar a conhecer o Centro Náutico que está encerrado há muitos anos e que foi um investimento significativo.

O caminho faz-se andando e ao longo do caminho António Mendes foi sendo cumprimentado várias vezes por “senhor presidente” respondendo com simpatia e proximidade a todos que o saudavam. O ex-autarca diz que já não se sente como presidente e que o que mais o marca ainda é a recordação e o orgulho na construção do edifício da câmara municipal. Embora não goste de ser visto como merecedor de uma estátua, não ignora a proposta que o honra e diz ter orgulho no trabalho político que desenvolveu em Constância, nomeadamente ao nível da habitação, escolas, parques de lazer e zona industrial de Montalvo.

“Sem habitação, sem emprego, sem escolas e bom ambiente, a vila não consegue crescer”, diz António Mendes, que acha imperdoável a localidade da Pereira ainda não ter saneamento básico. Sem espírito polémico, por se sentir fora da política, António Mendes afirma que agora quer é usufruir de tudo o que a vila tem para lhe dar. E isso não é possível enquanto o lixo continuar nas ruas, enquanto as obras não forem correctamente fiscalizadas no final, enquanto não houver planeamento e dedicação. Por que se há coisa que lhe faz doer o coração é ver a sua vila maltratada.

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