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Daniel Branco: “Associação Nacional de Municípios está em coma”
Daniel Branco dividiu a sua vida política entre Vila Franca de Xira e Oeiras, dois concelhos pelos quais se apaixonou

Daniel Branco: “Associação Nacional de Municípios está em coma”

Daniel Branco, 76 anos, é um nome histórico da gestão autárquica do concelho de Vila Franca de Xira.

Foi líder do município durante quase vinte anos e partilha em entrevista a O MIRANTE que lida bem com a perda de poder porque “chegamos a uma idade que somos bons é para senadores”. Diz que a Associação Nacional de Municípios está em coma e que as eleições nas CCDR foram um “simulacro parvo” para a regionalização, de que é fervoroso adepto. Não tem medo de morrer e de se assumir como um comunista que não tem nada contra a iniciativa privada.

Foi presidente da Câmara de Vila Franca de Xira durante quase duas décadas mas nunca foi aficionado.

A minha primeira memória quando fui viver ainda criança para Vila Franca de Xira foi ver as esperas nas ruas. Um ambiente incrível. Presidi a muitas corridas de toiros e gostava de as ver apesar de nunca ter sido aficionado. Muitas vezes perguntavam-me porque é que um comunista gostava de ir às corridas de toiros (risos). Mas reconheço que se fazem barbaridades aos animais e dessa parte não gosto. Detesto.

Acredita nos políticos?

Sim. Embora não diga que não haja muita gente que use a política para promoção pessoal e arranjar favores e tachos. Mas há muita gente que está na política porque gosta de participar, fazer coisas pela comunidade e ter uma opinião sobre o território. Acredito que a maioria das pessoas é honesta e está a desempenhar uma função que para elas é importante.

Ser comunista está-lhe no sangue?

A primeira vez que votei foi nas eleições de 1969. Havia associação de estudantes e, embora houvesse também gente de direita, havia muita gente de esquerda e tive sempre muitas ligações com pessoas de esquerda. Foi já quando trabalhava na Mague, em Alverca, que me desafiaram para aderir ao PCP. Nunca fui eleito em nome próprio, foi sempre em movimentos unitários. Pela Aliança Povo Unido, Frente Eleitoral Povo Unido e depois a CDU. Habituei-me a ter um grande sentido de trabalho unitário, falar com os outros, ouvir, pensar no que dizem e mobilizá-los para opiniões próximas da minha. Orgulho-me de ser raríssimo ver um comunista condenado por corrupção. A honestidade tem de ser inerente ao trabalho autárquico. É mentira que os comunistas não gostem dos privados. Os privados têm um papel activo e importante mas não podem sujeitar o interesse público aos seus interesses privados. É importante que todos cumpram a legislação e as normas em vigor.

Está em fim de mandato na Assembleia Municipal de Oeiras. Como lida com a velhice e a perda de poder?

Nunca nos desligamos verdadeiramente da vida política. Quero dedicar-me a outros prazeres e outras coisas que quero fazer na vida. Não lido mal com a perda de poder. No caso de VFX, governámos muito com a participação da população. Era um trabalho muito exigente que consumia muito tempo. Não sou saudosista e não tenho saudades de ser presidente. Têm-me caído bem os anos. Gostei de estar em VFX e lidar com as pessoas foi das melhores experiências que tive na vida. Com a idade ganham-se muitas coisas. E uma delas é uma forma diferente e mais aprofundada de pensar. Os cargos de liderança de um município exigem cada vez mais pessoas com dinâmica e eu já não teria condições para fazer o que fiz no passado. A sociedade mudou muito e às vezes as novas ferramentas são complicações adicionais. Nunca tive medo da morte. Encaro-a como uma coisa natural e não vou muito a funerais. Importante é ficar com boa ideia das pessoas e das coisas boas que fizeram.

Quando foi eleito em VFX como encontrou a câmara?

Fiquei banzado com a falta de organização. Estávamos em 1977 e era tudo arcaico ao máximo. Tinha acabado de vir da Suíça, onde estive a fazer uma formação, e quando vi a câmara foi um choque. Havia poucos quadros técnicos e o primeiro mandato foi sobretudo a reorganizar a casa. Também tínhamos muitos retornados a chegar e muitos deles quadros competentes que acabámos por contratar. Foi uma reorganização total. Além disso lidámos com a falta de legislação. De Janeiro a Novembro de 77 andámos a navegar à vista adaptando e acabando com o que restava da legislação marcelista e salazarista.

Na altura conseguia contratar com base na experiência e não no canudo…

Verdade, hoje caiu-se no abuso. Contrata-se mais pela licenciatura do que pela experiência da pessoa e isso é errado. Se a estrutura tiver pessoas competentes e cheguem pessoas jovens para avançar, óptimo. Se não têm gente competente e chegam mais jovens é estar a aumentar inexperiência em cima de inexperiência. Hoje o indicador é um técnico superior para 3 ou 4 pessoas a trabalhar. É excessivo.

Concorda que tenha de ser o movimento associativo e as câmaras a substituirem-se às responsabilidades do Estado?

Não. Quando uma câmara tem muito dinheiro tem tendência a fazer o que as pessoas pedem e exigem, mesmo que não seja sua competência. E com isso cria-se um problema de funcionamento democrático muito mau: quem tem dinheiro e poder faz muitas coisas que os outros não fazem e com isso criamos um país desigual. Oeiras é o concelho do país com maior nível de escolarização. O curioso é que depois, na participação activa das pessoas na comunidade, VFX é muito mais rica. Tem um forte associativismo, bairrismo, maior sentimento de pertença. As tertúlias, por exemplo, provam essa envolvência social e identitária. A agregação de identidade em VFX é muito diferente do resto da Área Metropolitana de Lisboa (AML).

Se fosse hoje permitia tanta construção na Póvoa de Santa Iria?

A Póvoa tem um problema na segunda fase da Quinta da Piedade. Se fosse hoje faria diferente. Quando lá passo e olho para o que está feito sim, penso que é verdade, poderia ter tido menos prédios. Ainda que não ache que tenha uma densidade muito excessiva. Sobretudo porque não há nenhuma urbanização no país que tenha cedido ao domínio público tanto como a Quinta da Piedade. Veja-se a própria quinta e o palácio, os terrenos para a escola, a igreja e o silo automóvel. Os bombeiros e o cemitério. As cedências foram enormes. Quando permitimos que a densidade fosse aumentada retirávamos terreno noutro lado para o domínio público.

Os bairros ilegais também foram um flagelo do seu tempo que duram até aos dias de hoje…

E começaram antes de mim. Dificilmente a câmara conseguia ter feito alguma coisa naquele tempo. Começámos a fazer planos de reconversão de clandestinos e muita coisa fizemos. Quando, em 1998, saí da câmara não havia nenhum clandestino sem projecto organizado. O que era difícil era pegar tudo em conjunto, fazer os loteamentos.

“A Associação Nacional de Municípios está em coma”

Era inevitável a CDU perder o poder em Vila Franca de Xira?

Não. Tudo apontava para a nossa vitória. Todas as sondagens à boca das urnas nos davam como vencedores. Acabámos por perder por 700 votos de diferença. Foi muito curto. A Rosinha não ganhou por ser mulher ou alternativa, foi graças aos 3.500 votos do PSD que votaram nela. O PSD não queria a Zita Seabra em Vila Franca de Xira e recusaram votar nela. Até a CDU ajudou a eleger a Rosinha, quando dissemos que a Zita Seabra era um logro e um engano…(risos). As ligações que ela teve com os governos da sua cor política ajudaram-na a desbloquear problemas que nós não conseguíamos.

É amigo de Alberto Mesquita, que foi seu vereador quando era presidente. Como vê a sua presidência?

Da gestão do Alberto Mesquita não consegui acompanhar nada. Mas vejo que o concelho está diferente e do que conheço dele é uma pessoa honesta e que se esforça por fazer o melhor.

Não é um risco a CDU ter escolhido uma candidata jovem e pouco experiente para estas eleições em VFX?

Não sei dizer, nem a conheço. Mas há que reconhecer que há uma idade em que as pessoas se tornam boas é para serem senadoras. Eu já integro esse grupo. Para funcionar e trabalhar a juventude é importante. Se depois é importante para dirigir…não faço ideia.

As autarquias são o parente pobre da política?

O poder local tem um papel de proximidade extraordinário mas isso não tem sido potenciado. E temos um problema sério no país, que é ter municípios a duas velocidades: uns financeiramente sólidos e outros aflitos e bastante fracos, sobretudo no interior. Os governantes têm de levar os autarcas a sério e resolver-lhes os problemas. A Associação Nacional de Municípios Portugueses está em coma e não tem o peso que devia ter. Independentemente de quem a ela preside devia ser um órgão de equilíbrio e contestação. De exigência. Hoje em dia não se fazem ouvir. Se houver unidade as coisas resolvem-se.

A regionalização é a solução?

Em absoluto. Já devia estar feita e estava prevista na nossa Constituição. Não se ter avançado com ela é uma inconstitucionalidade que até hoje não foi resolvida. Não é apenas os políticos em desacordo que fazem com que não avance. É sobretudo muita gente dos serviços do aparelho de Estado que estão hoje centralizados em Lisboa e não querem sair de lá. Há interesses instalados que não querem a regionalização. Veja-se o caso da sede do Infarmed. Até hoje não se conseguiu deslocalizar o Infarmed para o Porto. Os direitos das pessoas que lá trabalham são importantes, é preciso tratar correctamente as pessoas, agora isso não pode impedir a mudança.

O que achou do fim dos governos civis?

Acabar com os governos civis foi bom porque eram pesos mortos que não serviam para nada. Mas com 10 milhões de habitantes isto não pode ser melhor governado? Claro que pode. Quanto mais se centraliza mais se retira o poder vital de proximidade às pessoas. Concentrando criamos maior ineficácia. A regionalização tem mesmo de avançar. Fizeram um simulacro parvo que foi as eleições dos presidentes das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR). Eles foram eleitos mas as populações não sabem quem são, não os conhecem. São eleições fictícias, não dão peso social.

Não é vergonha Vila Franca de Xira assumir-se como concelho agrícola

Daniel Branco defende que não é “vergonha nenhuma” Vila Franca de Xira assumir-se como o principal concelho agrícola da Área Metropolitana de Lisboa. “Temos em VFX mais de cem quilómetros quadrados de área agrícola muito boa. O problema é como desenvolver essa potencialidade. O concelho tem de encontrar uma forma de ser capaz de equilibrar actividades e manter indústria. Tem de haver um desenvolvimento económico com indústria e agricultura”, defende, garantindo não sentir que o concelho esteja em declínio.

O ex-presidente de câmara diz que a proximidade com Lisboa é uma oportunidade e uma vantagem que tem de ser aproveitada. E recorda que só não conseguiu assegurar o parque de ciência de tecnologia Taguspark em Vila Franca de Xira - actualmente em Oeiras - por falta de terrenos disponíveis. “VFX tem de saber apostar nestas empresas tecnológicas e tem uma importante capacidade de autonomia. Destruiu-se muita riqueza industrial e empresarial que lá havia nas últimas décadas. É assustador ver o Vila Franca Centro abandonado, por exemplo, mas tudo é reversível”, conclui.

Viajar só onde possa aprender

Daniel Branco tem 76 anos e está reformado. Nasceu em Alcácer do Sal mas foi viver aos dois anos com os pais para Vila Franca de Xira, ocupando uma casa perto do cemitério. Técnico de engenharia, viveu em Azambuja, Olivais, Moscavide e quando foi trabalhar para a Mague de Alverca mudou-se para Vila Franca de Xira. Foi eleito como vereador da Câmara de Vila Franca de Xira em 1976, ainda era presidente José António Veríssimo. Em 1979 foi eleito pela primeira vez com maioria absoluta. De 1992 a 1997 foi eleito primeiro presidente da AML. Em Dezembro de 1997 perdeu para o PS de Maria da Luz Rosinha. Em Maio de 1998 renunciou ao mandato depois da reunião pública de aprovação das contas anuais. Divorciou-se e mudou-se para Oeiras, terra onde ainda vive. Em 2005, novamente pela CDU, concorreu à Assembleia Municipal de Oeiras, onde esteve até 2013. Nesse ano foi candidato a presidente de câmara mas não venceu. Ficou como vereador até 2017, ano em que foi eleito para a assembleia municipal novamente, onde está actualmente a terminar o mandato.

Em 2016 recebeu o galardão de mérito autárquico da União de Freguesias de Alhandra, São João dos Montes e Calhandriz. Em 2019 recebeu a medalha de honra do município. Foi sócio do Benfica e do Sporting e hoje diz gostar de futebol mas não ter clube. Adora viajar e gosta da Suíça. Gosta de conhecer países que estão mais avançados que Portugal para poder aprender alguma coisa. Lê bastante, sobretudo obras sobre revoluções, biotecnologias e robótica. Confessa não ser uma pessoa fácil de tirar do sério por ser tolerante.

Daniel Branco: “Associação Nacional de Municípios está em coma”

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