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Violência doméstica aumentou e são as crianças que mais sofrem 
Fernanda Alves é a presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens do Entroncamento

Violência doméstica aumentou e são as crianças que mais sofrem 

A violência doméstica é uma das muitas razões para a intervenção de uma Comissão de Protecção de Crianças e Jovens junto das famílias.

O foco é proteger os filhos, vítimas principais de um flagelo que não escolhe classes sociais. Uma conversa com a presidente da CPCJ do Entroncamento, Fernanda Alves.

Considerar que uma criança está em risco não se resume aos maus tratos físicos e psicológicos. Não lhe ser dada a serenidade necessária para crescer, privá-la de educação, de uma alimentação saudável ou de uma casa com condições para viver é também atingir os mais novos nos seus direitos. No entanto, a violência doméstica é o factor que mais vezes leva à sinalização de crianças, explica a presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) do Entroncamento, Fernanda Alves.

Privar as crianças dos seus direitos é um problema que não tem estrato social. Os motivos que levam a sinalizar uma criança ou jovem são diversos e não estão directamente ligados às questões económicas ou de instrução. “A ideia de que só a classe social mais baixa recebe a intervenção da CPCJ é errada. As sinalizações abrangem todos os níveis da sociedade e, infelizmente, um dos motivos mais comuns é a violência doméstica que também se verifica bastante nas classes mais altas”, assume Fernanda Alves.

Evitar que comportamentos se perpetuem e que crianças interiorizem a violência doméstica como algo normal é um dos objectivos da CPCJ que viu o seu trabalho dificultado com a pandemia. O confinamento forçado veio agravar as situações de violência doméstica, não só na área de actuação da CPCJ do Entroncamento, como de forma geral.

“O facto de as pessoas estarem mais tempo juntas, as questões da perda de emprego, da diminuição de rendimentos, foram tudo situações que fizeram aumentar a violência doméstica”, diz Fernanda Alves.

O absentismo escolar é outro dos motivos que leva a bastantes sinalizações no concelho e que, segundo a presidente, também é transversal a todas as classes sociais. “Por vezes não é a falta de dinheiro que leva um pai a impedir o filho de ir à escola. É a questão cultural, o que vem de trás. E aqui temos muitas culturas e etnias diferentes, com maneiras de pensar diferentes”.

O mais difícil, na maioria dos casos, é mostrar às famílias o que está errado. Os pais geralmente consideram as suas atitudes como normais. Foi assim que também foram criados e aprenderam. Para muitas pessoas ir à escola não é importante; para outras educar passa pelo recurso à violência. E não percebem que isso está errado.

Quando estas famílias são sinalizadas o principal trabalho da CPCJ é educar os pais. Ensinar-lhes as boas práticas para que aquela criança possa permanecer na sua família e crescer fora de perigo. “Desmistificar que a CPCJ não é um bicho papão é um dos primeiros passos. Para chegarmos a bom porto precisamos sempre que a família aceite trabalhar connosco, pois não podemos agir sem o consentimento dos pais”, explicou a presidente.

Objectivo das CPCJ não é retirar crianças

O objectivo de uma CPCJ não é retirar crianças. Nem o pode fazer. Em casos de perigo iminente ou quando as famílias não aceitam trabalhar em conjunto com a comissão a situação passa para o Ministério Público.

O trabalho começa quando é recebida uma sinalização, que pode chegar por vários meios, seja através do comum cidadão ou de qualquer outra entidade. O processo é aberto e levado à comissão restrita, composta por elementos representantes da Saúde, Educação, Instituições Particulares de Solidariedade Social e Segurança Social. É esta comissão que analisa o caso e distribui pelos gestores que melhor se enquadram no caso.

Os representantes de cada área da comissão restrita acompanham a criança e a família, havendo consentimento dos pais. “Não queremos fazer mal a ninguém, o intuito é sempre proteger a criança, apoiar aquela família e ajudá-la a ficar unida”.

Após analisarem se os pais têm ou não condições de cumprir com o estipulado, o trabalho pode passar por disponibilizar à família terapia familiar, consultas de especialidade, apoio social, entre outros.

O mais importante, considera Fernanda Alves, é perceber o problema e quais as suas causas. “Regra geral temos conseguido sempre que as famílias encontrem condições de manter as suas crianças”, assume com orgulho a presidente da CPCJ do Entroncamento, que tem cerca de 100 casos em mãos.

Quando isso não acontece e a criança continua em perigo a situação passa mesmo pela retirada, processo da responsabilidade do Ministério Público. “Mas isto só acontece em casos de extrema gravidade”, garante.

“Os pais amam os filhos à maneira deles”

Assumir que uma família não tem condições para ficar com a criança levando à institucionalização da mesma é uma situação complicada também para os gestores que acompanham o caso. Quem lida diariamente com estas famílias afirma existirem situações em que há amor de pais para filhos. “Eles amam os filhos, à maneira deles. Mas colocam-nos em situações de perigo. A retirada de crianças não agrada a ninguém mas por vezes é o melhor para todos”, assume a presidente que salienta a importância de, durante os processos, expor a criança apenas ao essencial.

Em todas as situações a CPCJ tenta manter uma relação de proximidade com as famílias e com a comunidade em geral, considerando que só assim é possível fazer um bom trabalho. “De forma geral as famílias aceitam o nosso trabalho e temos uma boa relação com a comunidade. Eles dão por nós”, refere Fernanda Alves que confessa que o melhor caminho, por vezes, é chegar aos pais através das crianças.

“Espero que cada vez menos a polícia tenha de ser envolvida”

Fernanda Alves tem 58 anos e é natural do Pego, concelho de Abrantes Professora de Educação Especial de formação, foi como representante da Assembleia Municipal do Entroncamento que chegou até à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ), em 2014, pois é secretária da mesa da assembleia municipal. Em 2020 foi eleita presidente da organização para um mandato de três anos.

Confessa ser necessário ter algum sangue frio para tratar certas situações. Não lhe agrada saber que uma criança foi retirada à família, muito menos quando isso acontece de forma mais brusca. “Espero que cada vez menos a polícia tenha de ser envolvida nestas situações, ou que haja formação nesse sentido”, assume. Para Fernanda Alves, no mundo perfeito não existiriam organizações como a CPCJ, “pois seria sinal que todas as crianças eram respeitadas”.

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