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“Não quero o meu nome numa rua de Tomar”
António Paiva foi presidente da Câmara de Tomar entre 1998 e 2007

“Não quero o meu nome numa rua de Tomar”

António Paiva foi presidente da Câmara de Tomar durante quase dez anos, no virar do milénio. Confessa que gosta de exercer o poder e de coordenar equipas mas não tem saudades dos tempos de autarca. A política para ele acabou e agora dedica-se ao ténis e à empresa de construção civil da família. Nesta entrevista, o engenheiro civil e empresário fala de alguns momentos difíceis que viveu, assume que perdeu muito dinheiro com a política e faz o elogio de Miguel Relvas, um amigo para sempre.

Encontramo-nos com António Paiva, 60 anos, no emblemático jardim do Mouchão, numa manhã luminosa de quinta-feira, 8 de Julho. A conversa flui ao longo de mais de uma hora em ritmo de passeio lento junto ao rio Nabão. O antigo presidente da Câmara de Tomar mantém uma invejável silhueta aos 60 anos, muito graças ao ténis, que pratica e ensina. Alguns cabelos brancos começam a despontar, mas a fisionomia está praticamente igual à de 2007, quando deixou as funções autárquicas a meio do seu terceiro mandato para assumir um lugar de gestor do Programa Operacional do Centro, entidade que distribui os fundos comunitários para o Médio Tejo.

Casado há muitos anos com a companheira Fátima e pai de uma filha e de um filho que residem e trabalham em Lisboa, vive com a expectativa de se estrear como avô em Agosto próximo. Considera-se um homem de bem com a vida, agradecido pelas oportunidades que teve ao longo do percurso.

O sotaque continua a denunciar as suas raízes nortenhas da Trofa. A voz só se ensombra quando abordamos o caso do trágico acidente de viação em que esteve envolvido em 2002, de que resultou a morte de uma criança. Naturalmente, não se sente confortável a falar do assunto, mas não se furta às questões.

António Paiva foi presidente de câmara entre 1998 e 2007 e nunca lhe passou pela cabeça voltar. É engenheiro civil e é natural que o discurso se torne mais enfático quando aborda questões ligadas à sua área profissional. Considera Tomar uma cidade ideal para se viver e por isso ali se fixou desde 1986, quando foi trabalhar como professor assistente para o Politécnico de Tomar, então a dar os primeiros passos.

Saiu da presidência da Câmara de Tomar em 2007 para assumir um lugar de gestor do Programa Operacional do Centro. A saída da autarquia constituiu um alívio para si?

Não posso dizer isso. Quando optamos por determinado lugar sabemos porque o estamos a fazer. E eu sabia o que ia fazer para a Câmara de Tomar, sabia quais eram os constrangimentos dos tomarenses. Sabia que quando me queria deslocar para fora as estradas eram horríveis. Dentro de Tomar faltavam espaços verdes, faltava requalificar uma série de loteamentos, feitos uns em cima dos outros desde os anos 60, era preciso requalificar o centro histórico. Foi para isso que fui parar à Câmara de Tomar. Uma vez cumpridos estes principais constrangimentos, considerei que já era um esforço exagerado. Dez anos chegaram como presidente. Costumo dizer que cumpri o meu serviço cívico.

Nunca pensou regressar à Câmara de Tomar?

Nunca tal me passou pela cabeça. A mesma água nunca passa debaixo da ponte duas vezes. Uma pessoa faz a sua carreira ao longo da vida em função das oportunidades que tem de conseguir marcar a sua passagem por cá. Nós estamos por cá muito pouco tempo, somos apenas uma peçazinha da engrenagem...

Ou seja, na política o seu trabalho está feito?

Está feito! As cidades fazem-se da intervenção dos cidadãos e eu fiz a minha parte. Cumpri com aquilo que as pessoas que abraçaram o nosso projecto consideraram essencial. Estou agradecido a todas elas, porque sem uma boa equipa não se consegue fazer um bom trabalho.

Hoje poderia ser visto como uma espécie de D. Sebastião do PSD para tentar reconquistar a câmara aos socialistas. Nunca lhe colocaram essa hipótese?

Não. Penso que as pessoas sabem que não estou interessado nisso. Não há dons sebastiões. A prova é que D. Sebastião nunca mais apareceu. O que há é a renovação, como aconteceu na altura. Entretanto há-de vir uma nova dinastia.

Cortou as ligações com a política e com o PSD?

Continuo com amigos no PSD mas estou afastado da política autárquica.

Ficou surpreendido por o PSD perder a Câmara de Tomar para o PS em 2013?

Não fiquei propriamente surpreendido mas também não posso dizer que esperava. O que posso dizer é aquilo que disse sempre: quando começa a haver divisões dentro dos partidos é porque não há um projecto conjunto. Acho que o PSD neste momento está a procurar construir um novo projecto.

E acha que tem condições para ganhar a Câmara de Tomar?

Não consigo responder a isso, mas sinto que está a construir um projecto de futuro. E mesmo que seja na oposição vai no sentido certo.

Foi sempre eleito como independente nas listas do PSD. Continua sem filiação partidária?

Claro. E vou continuar sempre. Tive algumas vezes propostas para me filiar em cima da mesa mas nunca as assinei.

Dá-lhe gozo o exercício do poder?

Gosto de o fazer, acho que tenho jeito para coordenar pessoas. Acho que sei tirar o melhor das minhas equipas, não vou estar aqui com falsas modéstias...

Porque é que não se envolve mais na política local?

Prefiro não me envolver, senão estava sempre a questionar coisas que acredito que as pessoas que não estão habituadas a coisas melhores até admitam que são interessantes.

Prefere meter a viola no saco?

Eu já fazia isso muito antes de ter ido para a câmara municipal. Não imagina o quanto me fazia diferença ter crianças pequenas e não ter espaços verdes onde elas pudessem passear, brincar. Tínhamos apenas o mouchão e a mata, que muitas vezes até estava fechada. Agora, prefiro pensar que há jovens que também querem melhorar a qualidade de vida na cidade e devem intervir. Este é o papel dos jovens. Eu estou com 60 anos.

A idade não lhe retira a possibilidade e o direito de ter opinião e de intervir.

Claro que não. Às vezes, quando estou no limite, tomo posição, mas não vou tomar posições, por exemplo, por causa da Várzea Grande. Fizeram uma requalificação ao nível daquilo que é a actual autarquia. É muito betão. Merecia ser um espaço mais verde, mais amigo do ambiente. Apesar de ser um passo, não é aquele passo em frente que se podia ter dado. Não houve uma visão de renaturalização que me parece importante e actual.

Falta visão aos actuais autarcas?

Falta um bocadinho e os projectos estratégicos até estão lá. O PS tem essa dificuldade: prefere viver sempre com o status quo, aquela lógica do corporativismo… Por isso é que nunca me identifiquei com o socialismo, porque há sempre essa lógica de que está tudo bem, de se aguentar no poder, e depois não se rasga…

Faltam projectos inovadores, fracturantes?

Claramente. É fundamental, é para isso que somos chamados. Quem vai para a câmara é com esse objectivo, de rasgar horizontes. Claro que há sempre pessoas que discordam, que acham que não vale a pena, que é preferível manter o status quo, por isso é que o PS vai ganhando. Hoje está tudo escondido atrás da Covid-19. No dia em que a Europa começar a exigir mais lá virá outra vez o PSD para resolver o problema.

Paiva e Relvas: “amigos para sempre”

É natural do norte, na infância viveu em Moçambique e na África do Sul e em 1986 estabeleceu-se em Tomar. Já se considera um tomarense?

Considero-me um tomarense adoptivo, sem dúvida. Ribatejano não sei se me sinto, porque sempre achei que Tomar tem pouco a ver com o Ribatejo, tem mais a ver com a floresta central. Nós estamos no início do centro de Portugal e o que os nossos mandatos pretenderam foi recentrar Tomar. Houve um momento em que Tomar foi claramente ultrapassada com a construção da A1. Entretanto, a construção da A13 e do IC9 trouxe a Tomar uma grande vantagem, mas o Ribatejo tem perdido muito com a falta de conclusão da A13 entre Tomar e Almeirim.

Não tem sido por falta de reivindicação de autarcas e deputados…

Está bem, mas isso também se poderia dizer no tempo em que estive na Câmara de Tomar. Acho que tudo depende de como colectivamente se discute aquilo que é essencial.

Tem faltado essa mobilização colectiva?

Fundamentalmente definir prioridades. Quando exercemos o poder há que ter prioridades. As nossas prioridades na altura foram as acessibilidades, requalificar a cidade e garantir o mínimo de infra-estruturas nas freguesias. Foi nisto que nos concentrámos, nos quatro mandatos em que o PSD esteve no governo da Câmara de Tomar. E em relação à A13 devia-se ter feito o mesmo. Ainda hoje se passa no centro da Chamusca nas mesmas condições em que se passava quando estive a fazer o mestrado no Técnico, em 1986.

Falta nesta região gente com carisma que consiga fazer ouvir a sua voz em Lisboa?

Sim, sim. Mas não é para fazer ouvir a sua voz em Lisboa, porque nós temos lá deputados a representarem o distrito de Santarém. Só que eles têm que ter um mínimo de poder dentro dos seus partidos. A representatividade do distrito é absolutamente fundamental. E, nesse campo, não podemos deixar desvalorizar o trabalho que o Miguel Relvas teve em prol deste distrito. Muitas vezes foi desvalorizado o papel que ele tinha, valorizando-se coisas menores…

Como a questão do curso superior?

O Miguel Relvas nunca precisou do curso. O Miguel Relvas sabe muito mais de ciência política do que milhares de licenciados. Pegaram por coisas pequenas só porque o Governo de Passos Coelho, na altura, não estava a responder aos corporativismos a que hoje o Governo responde. Por coisas muitíssimo piores mantêm-se actuais governantes no poder. Miguel Relvas fez um bom papel e Tomar beneficiou com isso. Sei muito bem o que ele trabalhou comigo, quando eu era presidente da câmara e ele presidente da assembleia municipal.

Ainda mantém contacto com ele?

Esporadicamente, mas ficámos amigos e vamos ficar amigos para sempre.

Esperava que Miguel Relvas chegasse tão longe na política nacional?

Sempre achei que ele merecia. Quanto ao esperar ou não, isso depende muito da sorte. A prova de que fez um bom trabalho quando esteve no Governo é que pegaram com ele por coisas que nada tinham a ver com o exercício do poder.

“Tive que me obrigar a sair à rua porque a vontade era zero”

Há cerca de vinte anos viveu alguns momentos difíceis como o acidente grave em que esteve envolvido e também o caso do seu vereador que foi acusado de assédio sexual por quatro funcionárias da autarquia. Foi difícil gerir essas situações?

(emociona-se e o tom de voz baixa) O acidente foi muito difícil de gerir do ponto de vista pessoal. São momentos que não desejo ao meu maior inimigo. A criança atravessou-se… é um trauma para toda a vida e uma situação que ninguém quer viver. Esse foi o momento mais difícil da minha vida e não teve nada a ver com o facto de ser ou não ser autarca.

Nessa altura do acidente não pensou em largar as funções públicas que exercia e ir viver uma vida mais recatada?

Ainda hoje penso que na altura devia ter tido apoio psicológico. Foi muito difícil. Sei bem o que era descer o elevador, chegar cá abaixo e obrigar-me a sair à rua porque a vontade de sair era zero. São momentos de que não gosto de falar.

E quanto ao caso de assédio sexual que envolveu um seu vereador?

Lidei com a naturalidade que o caso exigia. Não foi um momento fácil mas também não posso dizer que foi um momento difícil.

Como é que gostava de ser recordado pelos habitantes de Tomar?

Vou ser politicamente incorrecto, mas isso não me preocupa.

E se derem o seu nome a uma rua daqui a uns anos?

(responde com firmeza) Não quero! Acho que cada um cumpre o seu dever. O meu lugar de presidente da câmara não foi mais importante para as pessoas do que foi o meu lugar no politécnico ou outros lugares onde exerci funções. Estamos nos cargos não para nos agradecerem mas para cumprirmos o nosso papel na sociedade.

Não faz sentido haver dois politécnicos no distrito e três hospitais no Médio Tejo

Tem alguma ligação ao movimento associativo de Tomar?

Pertenço ao Clube de Ténis de Tomar há muitos anos. Continuo a praticar ténis, tive apenas um hiato por razões de saúde. Agora que estou com mais tempo decidi mesmo assumir a presidência do clube, fui também tirar o curso de treinador e actualmente dou aulas de ténis, ao fim do dia, quatro vezes por semana. Faço-o pro bono e divirto-me.

Como é que passa os dias actualmente?

Passo a trabalhar. Tenho uma empresa de construção civil em conjunto com o meu pai, que reactivei. Foi suspensa quando entrei para a Câmara de Tomar e assim ficou enquanto trabalhei nos fundos comunitários e na Aquino Construções. A dada altura, por razões de saúde, entendi que devia abrandar e reactivei esta empresa dos anos 80. Levo uma vida diária mais calma, a fazer projectos a um ritmo muito menor do que fazia no passado e dando as aulas de ténis ao fim do dia, que também dão muito trabalho.

Os contactos que se estabelecem na vida autárquica ajudaram a abrir algumas portas na sua vida profissional e pessoal?

O que mais ganhei com a experiência na autarquia foi, essencialmente, perceber as dificuldades por que passam muitas pessoas, que nós não imaginávamos. Comparando o mundo do politécnico com o mundo da autarquia, eu costumava dizer que os professores estavam numa redoma. É um mundo tão fácil, comparado com o resto... Ao passarmos por uma autarquia ficamos a conhecer o mundo real.

Quando foi para a política perdeu dinheiro?

Perdi dinheiro e de que maneira. Mas quando se vai para uma autarquia não se pode estar à espera de manter um nível de receitas que se tem quando se trabalha livremente no mercado. Nós sabíamos disso e também tínhamos condições para exercer o lugar sem grandes dificuldades. Mas é evidente que se ganha mais no privado do que no público.

Continua a trabalhar porque gosta ou porque precisa?

Hoje trabalho porque preciso. No sentido de que preciso de me sentir útil e estar ocupado. Acho que devemos ter sempre projectos na vida. Um dos grandes objectivos da minha vida está cumprido, que é de os meus filhos estarem formados e terem boas profissões. Vivem e trabalham em Lisboa.

Essa é a realidade com que se confrontam muitos jovens que só têm saídas profissionais nas grandes cidades. A tendência de esvaziamento do interior parece irreversível. É verdade. Na altura em que vim para Tomar, o projecto dos institutos politécnicos era nesse sentido, de fixação de populações. Acho que se alterou completamente…

Em que sentido?

Quando estive no Politécnico de Tomar, sempre achei que o IPT devia encontrar o seu próprio espaço e não tentar ser uma mini universidade. Gradualmente foi-se tentando transformar os politécnicos em mini universidades, com esta questão dos doutoramentos, etc… e deixou de se ter aquela componente de desenvolvimento local e regional. Só aqueles que estavam em zonas com mais espaço para se desenvolver é que conseguiram ter algum impacto nas suas regiões.

Faz sentido existirem dois politécnicos no mesmo distrito?

Eu nunca achei. Na altura sempre entendi que a Escola Superior de Tecnologia de Tomar devia ser uma instituição com autonomia, semelhante a um politécnico, sem ter a necessidade de haver esta lógica de instituto politécnico, com duplicação de infra-estruturas, que depois se vieram a replicar em Abrantes, projecto contra o qual também estive.

Porquê?

Porque acho demasiado local. Há determinadas coisas que se têm de fazer ao nível de agrupamentos de municípios. Não podemos ter um hospital em cada esquina, não podemos ter um politécnico em cada esquina, uma universidade em cada esquina…

Também foi contra a solução dos três hospitais no Médio Tejo?

Sempre fui a favor de um bom hospital. Na altura nunca larguei a questão do novo hospital em Tomar por uma razão muito simples: a partir do momento em que se construiu o hospital em Abrantes, na zona de menor população do Médio Tejo - e este foi o grande erro estratégico -, é evidente que eu, enquanto presidente da câmara, só tinha que lutar por um hospital em Tomar.

São esses bairrismos que levam depois a estas soluções… Claro!

Em Roma faz como os romanos... E só faltava acontecer o contrário daquilo que tinha lógica, que é viver numa cidade de 20 mil habitantes, estar ao lado de duas cidades com mais 20 mil habitantes, Torres Novas e Entroncamento, e ver construir um hospital do lado de Ponte de Sôr. E deixe que exagere para se perceber exactamente o que estava em causa, que foi construir o hospital do lado de Ponte de Sôr quando a população estava toda aqui do lado do Médio Tejo. Se tudo tivesse sido feito com lógica, hoje teríamos um bom hospital na zona entre Tomar e Entroncamento, perfeitamente central em relação à população do Médio Tejo e com todas as condições.

“Não quero o meu nome numa rua de Tomar”

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