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Lentidão da justiça e falta de união entre vítimas favorece arguidos da legionella
Maria Costa Martins é a única assistente que não aceitou dinheiro oferecido pelos arguidos

Lentidão da justiça e falta de união entre vítimas favorece arguidos da legionella

Juíza de instrução do Tribunal de Loures acredita que há factos suficientes no processo para o levar a julgamento mas decidiu propor uma derradeira hipótese de vítimas, arguidos e Ministério Público chegarem a acordo.

Haja o que houver no processo legionella, a injustiça já ganhou. O desabafo é de Maria Costa Martins, vítima do Forte da Casa e a única assistente no processo que recusou todas as tentativas de acordo que lhe foram lançadas pelas empresas ADP Fertilizantes e Suez II, antiga General Electric. Na tarde de segunda-feira, 12 de Julho, ficou a conhecer a decisão do debate instrutório do processo que corre no Tribunal de Loures, momento em que a juíza decidiu, para já, não levar o caso a julgamento.

“Estou cansada de andar nisto tudo. A injustiça ganhou. Andamos nisto há seis anos e meio e basta ver a desunião de todas as vítimas. Fazem as reuniões da associação e vão meia dúzia de pessoas, geralmente são sempre as mesmas. Pergunto: onde estão as 300 pessoas que foram afectadas?”, questiona a O MIRANTE.

A vítima admite que muita gente desistiu de lutar pelos seus direitos. Prova disso é o facto de, das 73 pessoas em que foi determinado o nexo de causalidade pelo Ministério Público, apenas 58 vítimas se terem constituído como assistentes. E dessas só Maria Costa Martins recusou aceitar o dinheiro oferecido pela ADP. “Tenho um vizinho de 50 anos que também foi afectado e integra o nexo de causalidade que nunca mais falou do assunto. Desistiu por acreditar que isto não vai dar em nada. E como ele há mais gente”, lamenta.

Maria Martins vive da reforma de 350 euros. “Não aceitei o acordo porque acho injusta a proposta que me fizeram. Queriam dar-me 8.050 euros, depois 15 mil euros e finalmente 20 mil euros mas não passaram daí. Sempre achei que é pouco pelo que sofri e ainda sofro com tudo isto. Vai fazer sete anos que estou em casa sem poder trabalhar”, lamenta a O MIRANTE.

Maria Martins era funcionária de limpeza num condomínio privado e ganhava perto de mil euros por mês. “Estou a ficar muito cansada de tudo isto”, diz, espelhando o sentimento de mágoa que muitas vítimas sentem. A bactéria causou-lhe problemas respiratórios e é obrigada a dormir com um ventilador. Além disso surgiram problemas de coração e outros problemas de saúde.

Apanhou a doença em Novembro de 2014 sem saber como. Quando saiu de casa para trabalhar desmaiou à porta. Mesmo assim foi trabalhar. Quando voltou a desmaiar decidiu ir ao Hospital de Santa Maria. Como não sabiam do que se tratava foi enviada para casa. “Nessa tarde já não dizia coisa com coisa e foi quando me levaram ao Hospital de Vila Franca de Xira e fiquei lá”, recorda.

O marido e a filha foram chamados para se despedirem dela. “Estava mesmo muito mal, disseram ao meu marido que ia morrer”, recorda. Ficou com o pulmão esquerdo afectado até hoje.

À margem

A montanha pariu um rato

A montanha judicial do processo legionella pariu um rato, como muitas vítimas temiam. Há indícios para mandar o caso para julgamento mas decidiu-se suspender o processo para tentar uma derradeira tentativa de acordo com valores estabelecidos pelo tribunal. É fácil perceber por que motivo muitas vítimas atiraram a toalha ao chão. Deixaram de acreditar nas instituições. Foram abandonadas à sua sorte e ninguém lhes tira aquele perigoso pensamento de que o crime, às vezes, compensa mesmo. Seja qual for a decisão do processo, uma coisa já ninguém pode apagar da história: as fragilidades incríveis do sistema. Dos serviços da Direcção Geral da Saúde, incapazes de detectar e recolher amostras dos doentes nas primeiras horas do surto, passando pelos legisladores que nunca escreveram uma linha sobre a legionella na lei e que, por osmose, empurram os tribunais para situações embaraçosas. E as vítimas lá vão vivendo, e sofrendo, sete anos depois, sem ninguém que lhes dê a mão ou esteja do seu lado.

Tribunal pede indemnizações

O Tribunal de Instrução Criminal de Loures, pela voz da juíza Ana Rita Loja, deu a conhecer a decisão instrutória do processo legionella na tarde de 12 de Julho, dizendo acreditar ser possível formular um juízo indiciário suficientemente forte para levar os arguidos a julgamento pela prática de um crime de infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços.

No entanto acabou por propor a todas as partes - Ministério Público (MP), arguidos e à única assistente, Maria Costa Martins - um acordo indemnizatório que evite que o caso siga para julgamento. Se for aceite por todas as partes, o processo termina com as indemnizações. Caso uma das partes não aceite as condições o processo segue para julgamento. Fica agora provisoriamente suspenso até que se esgotem os 10 dias previstos para cada uma das partes se pronunciar. Com as férias judiciais à porta é provável que a decisão final só seja conhecida depois do Verão.

Arguidos têm de pagar custos hospitalares

A proposta prevê o pagamento de indemnizações pelos arguidos a nove vítimas com quem ainda não tinha sido possível chegar a acordo, com valores entre os 12.500 e os 22.500 euros. Trata-se de oito vítimas que nunca chegaram a negociar com os arguidos nem se constituíram assistentes no processo. A nona vítima é Maria Costa Martins, a única assistente que não aceitou as propostas feitas extrajudicialmente pelas empresas.

As restantes 64 vítimas não estão incluídas por já terem aceite o dinheiro oferecido pelos arguidos na fase de debate instrutório. “Se assinaram esse acordo é porque as vítimas se sentiram reparadas pelos danos que sofreram”, vincou a juíza.

Os arguidos têm também de pagar os custos hospitalares resultantes da assistência às vítimas num valor global que ronda os 538 mil euros. Caso os arguidos aceitem o acordo, terão de pagar às vítimas num prazo de três meses e aos hospitais num prazo de 12 meses.

Lentidão da justiça e falta de união entre vítimas favorece arguidos da legionella

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