uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
Silvino Sequeira desligou-se da política e prepara as suas memórias
Silvino Sequeira foi presidente da Câmara de Rio Maior entre 1989 e 2009

Silvino Sequeira desligou-se da política e prepara as suas memórias

O socialista Silvino Sequeira governou a Câmara de Rio Maior durante duas décadas, com umas saídas pelo meio para ser deputado, governador civil e gestor do Programa Operacional do Alentejo. Transformou a face da cidade e moldou-lhe o futuro apostando na fileira do desporto. Em 2009 perdeu a autarquia para a social-democrata Isaura Morais e foi-se afastando da actividade política. Militante mais antigo do PS em Rio Maior, assume algum desapontamento com o seu partido por não ter concretizado projectos como a regionalização e o aeroporto na Ota. É considerado o pai da cidade do desporto.

Encontramo-nos junto ao parque desportivo de Rio Maior, um legado de Silvino Sequeira enquanto autarca que se tornou um pilar estratégico no desenvolvimento e promoção da cidade e do concelho, a par com a Escola Superior de Desporto, outra das batalhas que venceu. A entrevista está no início quando alguém se aproxima para o cumprimentar. É Abel Herculano, antigo jogador e capitão do extinto União de Rio Maior, agora director desportivo do União de Santarém, cuja equipa de futebol sénior está ali a treinar. Silvino Sequeira não o reconhece e o ex-futebolista apresenta-se e manifesta-lhe o seu agrado por o rever.

Sem falsas modéstias, Silvino Sequeira assume que gosta de ser reconhecido e cumprimentado na rua e não esconde também o orgulho por ver o seu nome atribuído ao parque desportivo da cidade ou ao auditório da Escola Superior de Desporto.

Silvino Sequeira marcou uma era em Rio Maior como presidente da câmara, entre 1989 e 2009, num concelho que tendencialmente vota à direita. Continua com o discurso ágil, a que a conhecida gaguez por vezes dá ainda mais ênfase. Vai fazer 73 anos no dia 24 de Julho, a mesma data de aniversário do ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho e do treinador de futebol Jorge Jesus, diz com humor.

Deixou de ser presidente da câmara em 2009 e, antes de se retirar da vida activa, ainda foi consultor de empresas. Em nome do seu fervor clubístico, integrou também a comissão de gestão do Sporting Clube de Portugal que fez a transição entre as direcções de Bruno de Carvalho e Frederico Varandas, no Verão quente de 2018. “Até terrorista me chamaram, veja lá!”, diz para ilustrar os tempos tumultuosos que se viviam no clube de Alvalade.

Nota-se algum desencanto com a política partidária embora a sua postura diplomática o leve a omitir nomes e a não se alongar quando se fala de autárquicas. É presidente do Núcleo Sportinguista de Rio Maior e actualmente anda a organizar documentos e a sistematizar informação para escrever as suas memórias. Está afastado da política e diz na brincadeira que, agora, a sua profissão é ser avô. Silvino Sequeira é casado, pai de três filhos e avô de cinco netos.

Podia ter parado quando teve um grave problema cardíaco em 2007, mas o bichinho da política autárquica foi mais forte e em 2009 voltou a recandidatar-se a presidente da câmara.

Candidatei-me plenamente consciente que o PS não tinha condições de, normalmente, pela fidelidade partidária, ganhar eleições autárquicas em Rio Maior. Basta dizer que eu e os que foram comigo ganhámos as primeiras eleições, em 1989, depois de o PS ter tido dos piores resultados de sempre em legislativas. Portanto foi mais um reconhecimento de carácter pessoal do que do partido.

Foi o homem que ganhou e não o partido...

O partido ajudou, porque eu sem o partido não era ninguém...

E em 2009 foi o homem que perdeu ou foi o partido?

Foi o homem que perdeu, não quero passar culpas ao partido. E perdeu porque a democracia é assim mesmo. Qual é o problema? Umas vezes ganha-se, outras perde-se.

Há cerca de 20 anos entrevistámo-lo e o senhor caracterizou-se como um homem “baixinho, gordo e de bigode”. O bigode já foi abaixo e a gordura também. O que mudou mais na vida de Silvino Sequeira?

Foi fundamentalmente a diminuição da pressão. Comecei a dormir mais horas, comecei a estar mais perto da família, dos amigos e a minha esperança de vida aumentou muito. Tenho o privilégio de ter a família que tenho. Passe a imagem, a minha profissão agora é ser avô.

Como passa os dias?

Presidi aos destinos do meu concelho numa época de grandes transformações e muitas pessoas que falam comigo dizem que eu devia deixar isso registado. É um trabalho que já tinha pedido a pessoas importantes de Rio Maior, como o dr. Afonso Calado da Maia e o senhor Fernando Casimiro, no sentido que deixassem esse legado...

Está a escrever as suas memórias, é isso?

Estou a tentar, agora estou a juntar papéis. Sou de História e raramente deitava papéis fora. Tenho lá muita coisa que estou a tentar dividir - o que é da vida pública, o que é da vida pessoal e reconhecimentos. Não tinha noção da dimensão do reconhecimento de diversas instituições à minha actividade; e houve um que sobremaneira me honrou: foi o da atribuição, pela anterior câmara, da mais alta condecoração que pode ser concedida a nível concelhio. Tenho também a agradecer à câmara que resolveu dar o meu nome ao parque desportivo de Rio Maior.

Distinções dadas por executivos de maioria PSD/CDS, o que denota que as rivalidades políticas estão ultrapassadas.

Sim, naturalmente. Acho que o meu passado e a minha actividade política demonstram-no claramente. Já agora, se me permite, entendo que devia haver uma alteração à legislação em relação às eleições autárquicas. A força que os partidos políticos têm devia ser substancialmente diminuída. Defendi junto do meu partido, mas na altura poucos me acompanharam, que a eleição do presidente de câmara não devia ser em lista, mas sim eleição da pessoa. O indivíduo ganhava as eleições para a câmara e depois constituía a sua própria equipa. E a oposição fazia-se na assembleia municipal, com um papel mais activo.

O seu livro de memórias vai ser um acerto de contas com o passado?

Não. Jamais farei ajustes de contas com quem quer que seja. Gostaria, sim, de deixar um legado para que um dia, quando alguém se interessar pelo desenvolvimento da terra, perceba como é que se conseguiu fazer tanto em tão pouco tempo.

Tem saudades da azáfama da vida pública?

Tenho saudades das pessoas que conheci, mas a vida pública é muito desgastante... Há sempre um corpo de reacção, há sempre um desgaste quotidiano. Se for tudo da mesma cor é mais fácil.

Mas dentro dos próprios partidos também há litigância...

Eu, felizmente, não tive muita. Basta ver as actas das reuniões de câmara. Nunca houve vereadores do meu partido a votarem contra as nossas propostas.

E como é que está hoje o PS em Rio Maior?

Estou fora disso. Sou um militante de base, sou o militante mais antigo. Aproveito para dizer que, se tive a vida que tive, foi porque o PS um dia me abriu as portas e me acolheu. Não cuspo no prato onde comi. Se entender que as propostas do PS não são minimamente aceitáveis, não voto PS, mas também não voto noutro partido. Quanto às autárquicas, só votarei em pessoas que, pelo seu carácter, pela sua conduta, eu sinta que me podem representar bem e aos meus conterrâneos.

O seu filho, João Sequeira, está há muitos anos ligado à política também no Partido Socialista. Foi uma espécie de treinador de bancada? Dava-lhe dicas?

Não fui treinador de bancada. Cada um fez a sua vida como entendeu. Eu, como pai, estaria sempre ao lado meu filho, em quaisquer circunstâncias. Não foi necessário e eu respeito muito as suas opções. Ele segue a sua vida e eu, como pai, tenho é que ficar contente que ele esteja bem. Estou sempre ao dispor dele.

A política passou à história?

Sim, só voto.

Por falar em história, quando deixou a presidência da câmara não voltou à sua vida de professor de História, tal como aliás acontece com a maior parte dos autarcas que cessam funções. Seria descer de cavalo para burro?

Não, não. Ser professor é uma actividade que deve ser reconhecida pelo que representa para a sociedade presente e para a sociedade futura. É uma profissão de grande nobreza.

Qual foi a maior desilusão que teve na vida política?

É muito simples: não ter avançado o aeroporto em Ota.

Continua a achar que era a melhor solução?

O aeroporto em Ota estava relacionado com outro investimento que seria extremamente importante para a região, a ligação ferroviária entre Santarém, Rio Maior e Caldas da Rainha. Era ter no sistema ferroviário o que temos no sistema rodoviário com a A15. Tenho pena que nem Rio Maior, nem Santarém nem Caldas da Rainha tenham pegado nisso, pelo menos em termos de opinião pública. Significava ter uma ligação ferroviária do mar a Espanha.

Sentiu-se defraudado por esse projecto ter sido metido na gaveta.

Senti-me triste, porque isso traria um desenvolvimento brutal.

“O que seria a vida económica e social de Rio Maior se não fosse a Escola Superior de Desporto?”

Este complexo desportivo é a menina dos seus olhos?

É preciso recuar no tempo. A seguir ao 25 de Abril a grande actividade económica centrava-se na exploração agro-pecuária, um tipo de actividade que estava a definhar, e havia que pensar em alternativas de futuro para Rio Maior. Calhou ter uma conversa informal com o professor Moniz Pereira, em Alvalade, em que ele lamentava não haver em Portugal ensino ligado ao desporto virado para a parte prática. Na altura estávamos a tentar a vinda da escola profissional para Rio Maior e pensámos: por que não candidatarmo-nos através do Politécnico de Santarém a trazer o ensino do desporto para Rio Maior.

Tudo começou assim?

Sim. Começámos a criar infraestruturas desportivas sempre com o objectivo de um dia chegar uma decisão a reconhecer que havia condições para ter ensino superior em Rio Maior.

A vinda da Escola Superior de Desporto é o ponto alto da sua vida autárquica?

Foi a minha maior alegria na política. O que seria a vida económica e social de Rio Maior se não fosse a Escola Superior de Desporto? São mais de mil alunos! E, se tem de haver um pai para isto, não fiquem zangados comigo mas deixem-me assumir esta paternidade. Não pensava que a escola tivesse um desenvolvimento tão rápido e isso deve-se ao dr. José Rodrigues, primeiro presidente da escola, tantas vezes ignorado mas que foi fundamental na afirmação da escola no mundo universitário.

Fez alguns inimigos na política?

Os inimigos que ganhei na política estão plasmados na comunicação social da altura. Os amigos que perdi eram amigos só da política. Como deixei de ter peso político deixei de ter alguns desses amigos. Mas, perdoe-me a ligeireza, estou-me marimbando para isso.

Essa perda de peso político, de influência, de notoriedade pública não o afectaram?

Não. Ainda hoje muita gente me reconhece e cumprimenta na rua. Faço a minha vida normal, ando sempre por aqui, vou ao café todos os dias...

Lida tranquilamente com o envelhecimento?

Muito bem, tal como lidei muito bem com o ter perdido as eleições. Estou de bem com a vida e o Sporting até foi campeão este ano (risos)...

A ligação, como dirigente, ao Núcleo Sportinguista de Rio Maior é uma forma de continuar a ter algum poder e intervenção na comunidade?

Tentei manter o princípio de não ocupar mais qualquer cargo de carácter público, mas há razões que a razão desconhece e uma delas é o coração. Como toda a gente sabe, sou sportinguista desde sempre e na altura confrontaram-me com a necessidade de manutenção em actividade do núcleo, que tem uma escola de futebol com muitos miúdos. Entendi que devia aceitar o convite e assim lá vou estando como presidente no Núcleo Sportinguista de Rio Maior.

Há uma história curiosa no seu percurso: a do astrólogo que lhe disse que ia ganhar as eleições para a Câmara de Rio Maior, em 1989, e acertou. Ainda é cliente de adivinhos?

Não, acho que ele já morreu. Mas, já agora, vou confidenciar que estou desejoso de chegar a sábado da semana que vem (24 de Julho) e fazer 73 anos, porque houve outro que disse que a minha vida podia acabar aos 72. Faltam dez dias... (risos).

“O país estaria muito melhor se houvesse regionalização”

Foi deputado, governador civil, gestor do Programa Operacional do Alentejo, mas acabou sempre por regressar à Câmara de Rio Maior. Dava-se mal com os ares de fora ou eram as saudades que apertavam?

(desvia a resposta e olha para o campo de futebol em frente) Quando entrei para a câmara municipal nem vale a pena falar do que havia e do que não havia. Isto é ter ilusão, é o sonho, é a chamada visão. Podem passar os anos, as experiências da vida, mas há coisas que não mudam... Fui para governador civil de Santarém porque, na altura, o António Guterres tinha ganho as eleições legislativas e a regionalização era o ponto forte.

Mais uma frustração causada pelo seu partido...

Sim, porque sou um regionalista convicto. Na altura, os meus colegas entenderam que a pessoa que tinha o perfil indicado face aos objectivos do Governo era eu. E resolvi aceitar o cargo pelo meu fervor regionalista. Curiosamente, até tive alguns problemas com o Governo por causa de algumas nomeações que eram feitas e de que não davam conhecimento ao governador civil. Felizmente, fiquei com cópias desse manifestar de desagrado.

Que vai sair nas suas memórias?

(risos) Sim, vai sair... Houve um membro do Governo, e não vale a pena estar a falar em nomes, que, perante a minha insistência enquanto governador civil, dizia-me: “Tu estás aí para representar o Governo, não és representante das populações junto de nós”. Havia esta colisão!

Sentia-se realmente mais representante das populações junto do Governo do que representante do Governo no distrito?

Sim. Enquanto não houver regiões tem que haver alguém que represente e senti-me bem nesse papel, mas era como ir contra uma parede.

Como viu a extinção dos governos civis?

Penso que foi um erro, para mais não havendo regionalização.

Como analisa o papel das comunidades intermunicipais?

Não estou muito actualizado acerca disso, mas serão sempre extremamente interessantes se tiverem efeitos práticos. Ou seja, resolver problemas. Se não tiverem efeitos práticos, só são úteis porque são um princípio de regionalização. O país estaria muito melhor se houvesse regionalização.

O que pensa dos autarcas da actualidade? São muito diferentes dos do seu tempo?

É outro tempo. Tive a sorte de pertencer a um tempo de uma concepção de autarca, que era o autarca que fazia. Éramos pragmáticos. Por exemplo, as terras não tinham caminhos, a gente abria o caminho, depois já era uma camadinha de tout venant, depois era o alcatroamento, a seguir as valetas... Tive a sorte de me ter dado sempre muito bem com os fundos comunitários.

Os autarcas hoje são menos reivindicativos?

Não os conheço...

Não os conhece?

Conheço mas não estou a par da actividade deles. Estou afastado da política. Congratulo-me quando se fazem obras na minha terra, agora entrar nessas questões não. Tive a sorte de ter sido bem tratado pelas pessoas que vieram a seguir a mim.

Trataram-no nas palminhas...

Não é nas palminhas, acho que é consideração por quem esteve 22 ou 23 anos à frente da câmara municipal e que, quer queiram quer não, transformou o concelho. Para além das relações pessoais, é fundamentalmente um acto de reconhecimento. Porque já conhecia muito bem a dra. Isaura antes de ela ser presidente de câmara. O Filipe não, já é outra geração...

Acha que há diferenças substanciais entre os dois presidentes de câmara que lhe sucederam?

Penso que sim. A dra. Isaura correspondeu a um certo perfil do exercício de autarca, pela simpatia, pela comunicabilidade, pela capacidade que tinha de se relacionar com as pessoas, independentemente do seu extracto social ou do sítio onde se encontrava. A ideia que tenho do actual presidente de câmara, talvez por ter sido presidente de junta antes, é de um sentido pragmático mais eficaz. Talvez porque a herança que recebeu da dra. Isaura lhe permita fazer isso.

Silvino Sequeira desligou-se da política e prepara as suas memórias

Mais Notícias

    A carregar...

    Capas

    Assine O MIRANTE e receba o Jornal em casa
    Clique para fazer o pedido