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Todos os forcados têm medo mas adrenalina ajuda esquecer o perigo
Carlos Teles é um rosto conhecido de Vila Franca de Xira e um apaixonado pela festa brava

Todos os forcados têm medo mas adrenalina ajuda esquecer o perigo

O histórico forcado vilafranquense Carlos Teles, conhecido por “Caló”, é um dos cidadãos de mérito da cidade. De raízes ciganas, primo do actual secretário de Estado Carlos Miguel, viveu numa barraca quando era pequeno e encontrou nos forcados a sua segunda família, que o abraçou como um irmão. Se há algo que teme neste mundo é a morte, que esteve quase a encontrar por duas vezes na arena. Nesta conversa com O MIRANTE fala do papel da mulher na festa brava e de se viver a vida sem arrependimentos.

Carlos Alexandre Teles, também conhecido por “Caló”, é uma figura conhecida de Vila Franca de Xira, um histórico forcado dos amadores da cidade que confessa, pela primeira vez, que nunca se sentiu bem em nenhuma arena. Nervoso e supersticioso entrava nas arenas com medo. O que nunca o impediu de realizar pegas incríveis que muitos ainda hoje recordam e que o grupo imortaliza em algumas das dezenas de fotografias que estão espalhadas pelas paredes da tertúlia dos forcados.

“Nunca me senti bem em praça nenhuma. Sofri um bocado com isto. Quando a festa passava, aí ninguém me agarrava. Mas antes era muito complicado. Fui sempre uma pessoa nervosa”, confessa a O MIRANTE, antes de eleger a praça da sua terra como uma das favoritas a nível nacional. Tinha um ritual próprio antes de cada corrida: deitava-se cedo, não colocava o barrete em cima da mesa, rezava a Deus todos os dias. Carregava consigo vários santos a quem rezava antes de entrar na arena, ainda que só soubesse o nome de uma delas: Nossa Senhora de Fátima.

Talvez tenha sido essa fé inabalável a salvá-lo, aos 14 anos, da morte certa. Ainda hoje tem a cicatriz que se estende de um olho até à base do pescoço. “Um ferro cortou-me e entrou-me no pescoço, ficou a milímetros da carótida. Podia ter morrido”, recorda. No Campo Pequeno chegou a partir as duas pernas mas logo que se restabeleceu voltou a pegar. Os amigos dizem que é uma força da natureza. Carlos Teles nega e por isso a 30 de Setembro de 2001 fez a sua última pega na Palha Blanco.

“Todos os forcados têm medo. Só não o mostram. Eu tinha pavor mas a adrenalina fazia-me ultrapassar tudo isso. Excitava-me mandar no toiro. Ter prazer ao saber que ele só avançava para nós quando o mandássemos. Hoje em dia não é assim. Em muitos casos é o toiro a pegar o forcado e não o contrário”, lamenta.

Diz que o período mais difícil de enfrentar é a barreira dos 60 toiros. “A partir daí começamos a pensar diferente e noutras coisas”, nota, lembrando que um forcado digno de nome não pode apenas pegar 30 toiros em cinco anos. “Uma pessoa assim pouco sabe o que é ser forcado. Um forcado digno desse nome tem de aguentar e pegar pelo menos uns 70 ou 130 toiros”, defende.

Orgulho em ser cigano

Carlos Teles tem orgulho nas suas raízes e diz que o grupo de forcados o ajudou a integrar-se bem na cidade. Nasceu filho de um casal cigano e cresceu numa barraca no Bom Retiro. Depois do 25 de Abril foi viver para a zona da Barroca, que elege como a mais castiça de Vila Franca de Xira. O pai queria que fosse toureiro mas Caló nunca lhe apanhou o jeito e depois de uma lide mal conseguida a uma bezerra, em que o coração lhe fugia para as bancadas, Carlos Teles decidiu abraçar a forcadagem.

“Nunca tive vergonha nenhuma em assumir que sou cigano. Este mundo tem ciganos, pretos, amarelos, brancos e encarnados. Essa história de viver de subsídios já vem de trás, ainda antes do 25 de Abril, quando meteram os ciganos a viver em bairros parecidos com capoeiras. Nunca os integraram como Vila Franca de Xira me integrou. Foi essa integração que falhou há 40 anos”, refere.

O forcado diz-se optimista quanto ao futuro da festa de toiros ainda que os bilhetes para as corridas sejam caros. “Cada pessoa gosta do que quiser. Quem é contra a corrida de toiros pode fazer a sua vida e deixar-nos em paz. Não são obrigados a ir aos toiros e ver o mesmo que nós”, defende.

Carlos Teles defende a criação de um museu taurino em Vila Franca de Xira e destaca o projecto que, há dois meses, o grupo de forcados apresentou na câmara municipal para ampliar e realizar obras na sede do grupo para nele criar o museu dos forcados. Uma forma de preparar o centenário do grupo, que acontece dentro de dez anos.

“É um sonho para mim ver esse museu concretizado. Tanto forcado que por aqui passou já merece ter um espaço desses”, elege, ao mesmo tempo que agradece aos vários jovens que nos últimos anos têm integrado o grupo e renovado as fileiras. “Daqui a dois anos acredito que estaremos com um grupo muito pujante e de qualidade”, explica.

Na sua vida de forcado, destaca Carlos Teles, estiveram sempre presentes as mulheres e em particular a sua actual companheira. “Por trás de cada pega há sempre a musa feminina a acompanhar-nos. Faz parte da festa, a corte, o sorriso, o olhar. É o melhor que levamos da festa”, elege. Diz-se um homem sem arrependimentos, realizado e que fez tudo o que queria na vida.

Vila Franca tem tudo mas precisa de acreditar em si própria

A cidade de Vila Franca de Xira não pode ter vergonha de se assumir como terra taurina, é a sua tradição e as suas raízes, defende Carlos Teles. É uma cidade onde se pode viver com qualidade, calma, segura e tem bons restaurantes. “Temos tudo em Vila Franca, só precisamos de acreditar em nós próprios e saber aproveitar e dinamizar as coisas. A zona ribeirinha é espectacular e as pessoas são maravilhosas”, afirma.

Carlos Teles recebeu este mês o galardão de mérito identitário de Vila Franca de Xira, tendo sido nomeado cidadão de mérito na sessão solene do dia da cidade. Não tem filhos e vive com uma companheira. Tem 57 anos e trabalha numa quinta agrícola da região. Antes esteve 23 anos a trabalhar na antiga Cimianto, em Alhandra.

“Quando a fábrica fechou andei um bocadinho aos encontrões mas acabei por encontrar trabalho. Acredito que para quem se esforça e é boa pessoa as coisas boas acabam por acontecer”, afirma. Gostava de viver até aos 150 anos, se pudesse. O avô morreu com 115. Gosta de futebol e do Benfica e é simpatizante do Belenenses.

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