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Entidades do Estado prejudicam competitividade e desenvolvimento do território
Anabela Freitas assumiu a presidência da Câmara de Tomar em 2013 e recandidatase ao terceiro e último mandato

Entidades do Estado prejudicam competitividade e desenvolvimento do território

Anabela Freitas falou a O MIRANTE para fazer um balanço dos oito anos como presidente da Câmara de Tomar. Os assuntos que marcam a agenda política do concelho não foram esquecidos pela autarca que se recandidata ao seu terceiro e último mandato.

Anabela Freitas, 54 anos, vai concluir o segundo mandato como presidente da Câmara de Tomar pelo Partido Socialista (PS) e recandidata-se a um terceiro e último. A política fez sempre parte da sua vida por ter crescido num ambiente familiar de esquerda revolucionária. A morte precoce da sua mãe abalou-a e antecipou a entrada no mercado de trabalho para ajudar o pai a governar a casa e a educar a sua irmã sete anos mais nova.

Afirma que desde muito cedo se habituou a ser independente e considera-se uma pessoa pragmática e que não gosta de meias palavras. É presidente da Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo, cargo que também rouba tempo que podia passar com o filho Tomás, de 18 anos.

A grande bandeira dos oito anos à frente do município foi ter conseguido ligar a cidade ao universo templário. No entanto, a construção do Centro Escolar da Linhaceira e a requalificação da Várzea Grande são as obras que, diz, também marcam o mandato.

Nesta entrevista a O MIRANTE, a autarca fala sem papas na língua sobre vários temas que marcam a agenda política, nomeadamente a Tejo Ambiente, a poluição no rio Nabão, o mau trabalho das entidades do Estado, as barracas do Flecheiro e a falta de habitação no concelho.

A frase que marca a conversa revela muito do carácter de Anabela Freitas: “Tenho a certeza que ninguém é mais forte do que eu”.

Por que é que a empresa intermunicipal Tejo Ambiente está sempre debaixo de fogo?

Como é que posso dizer isto de forma mais ou menos simpática? Penso que o problema tem tudo a ver com política. Somos seis municípios accionistas e o facto de não estarmos sempre de acordo cria entropias no trabalho da empresa que a prejudica, nomeadamente no que diz respeito a investimentos que têm de ser adiados. Por outro lado, a criação da Tejo Ambiente não foi de acordo com os seis municípios e por isso é um alvo fácil de atacar. Os erros que existem estão a ser corrigidos e acho que este é o modelo do futuro.

Tomar estava melhor com os SMAS?

Não, porque nunca conseguiríamos obter financiamentos para investir em saneamento ou na reabilitação das redes de água, por exemplo. Quem gere o sector das águas, saneamento e resíduos sólidos urbanos tem de o fazer eficazmente e para isso têm de se aplicar novas tecnologias. No futuro quero que cada cidadão tenha um contador inteligente em casa.

Não acha que as empresas intermunicipais têm pouca proximidade com as pessoas?

Não tenho essa ideia, embora mais uma vez diga que a empresa tem muito a melhorar. Ainda na semana passada houve perdas de água numa freguesia do concelho, as pessoas ligaram várias vezes e nunca atenderam. Isto não pode acontecer, assim como não se pode deixar as estradas por pavimentar durante meses depois de se arranjarem as rupturas.

Onde deixou de investir para atribuir mais de 800 mil euros para o reequilíbrio financeiro da Tejo Ambiente?

O município conseguiu ao longo dos últimos anos atingir uma situação financeira muito boa. O facto de contribuir com mais de 800 mil euros para a Tejo Ambiente não nos impediu de fazer nenhum projecto que estava previsto.

Quais são os motivos para a poluição do rio Nabão?

A questão da poluição do Nabão só se consegue resolver com a Tejo Ambiente. O problema tem várias origens e uma delas, não digo que seja a que mais contribui, é a necessidade de reabilitação das ETAR (Estação de Tratamento de Águas Residuais), particularmente a de Seiça, que está no nosso território mas é gerida pela Câmara de Ourém. Depois tem de haver por parte das entidades reguladoras, como a APA (Agência Portuguesa do Ambiente), uma fiscalização contínua.

Ourém acha que a ETAR de Seiça não é responsável pela poluição…

Se queremos resolver o assunto e está identificado que são precisos 22 milhões para o solucionar, não quero saber de quem é a culpa. Quero é resolver a questão!

Onde é que as entidades reguladoras do Estado falham redondamente?

Acho sinceramente que é pela falta de recursos humanos. Mas o grande problema tem que ver com o conjunto de entidades que tutelam os instrumentos de gestão de território. Temos uma CCDR (Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional) que é obrigada a fazer conferências decisórias com mais meia centena de entidades. Como é óbvio, o tempo que demora a decidir prejudica as pessoas e o desenvolvimento do território.

O facto de as entidades estarem longe dos territórios não é à partida um mau princípio?

Isso é o que me deixa mais irritada, porque impõem-nos regras sem nunca terem cá vindo e que nada têm a ver com a forma como as pessoas vivem no concelho. Os técnicos destas entidades estão fechados nos gabinetes e não sabem nada do que se passa aqui. Por exemplo, entregámos a versão final do Plano Director Municipal em 2016 e continuamos a ter empresas e IPSS à espera que seja revisto para poderem ter melhores condições. A falta de sensibilidade das entidades do Estado prejudicam a competitividade do território.

Por isso é que defende a criação de uma NUT II com Oeste, Lezíria e Médio Tejo?

Sim. Quando vou a Lisboa falar de mobilidade o meu interlocutor vê essas questões à escala de Lisboa, que não tem nada a ver com o que se passa aqui. A criação da NUT II é para começarmos a interagir com alguém que fala a mesma linguagem.

Tomar perdeu 10% da população nos últimos 10 anos. Estes números tiram-lhe o sono?

Preocupam-me muito e devem-se a um conjunto de factores, como a falta de habitação, por exemplo. O facto de não estarmos dotados de infra-estruturas, nomeadamente ao nível de saneamento e tecnologias, também não ajuda. Há muitas zonas do concelho onde não se tem acesso a rede móvel e Internet e ninguém quer vir viver com essas condições.

“NÃO HÁ EXPLICAÇÃO PARA O BAIRRO DO FLECHEIRO”

O turismo é o sector mais desenvolvido em Tomar?

Tomar é muito mais do que turismo. É um sector importante porque temos cá os recursos e seríamos idiotas se não os explorássemos. Estamos a implementar uma estratégia turística de excelência e não apenas do turismo de excursão, porque esse não deixa mais valias no território. Queremos que os turistas fiquem três ou quatro dias.

E se não existisse o Convento de Cristo?

O Convento de Cristo é muito importante embora tenhamos estado muitos anos de costas voltadas. O que nos uniu foi quando passamos a ser cidade templária. Acredito que se não tivéssemos o Convento teríamos divulgado mais a nossa herança judaica, por exemplo. Quando começamos a ir às feiras de Tel-Aviv, o turismo judaico em Tomar disparou.

Mais turismo, mais emprego, mais famílias. Há habitação suficiente em Tomar?

Não, e esse é um dos grandes problemas do concelho. Tomar é o segundo concelho do Médio Tejo onde é mais caro comprar casa e o primeiro em termos de arrendamento. Não há habitação e isso vai ser corrigido em breve.

Como é que mais de 200 pessoas viveram tantos anos em barracas numa das entradas principais da cidade?

Um dos grandes desgostos que tenho é não ter conseguido eliminar todas as barracas do Flecheiro durante este mandato. Recordo que em 2013 viviam ali mais de duzentas pessoas, hoje são menos de 50. Não há explicação para se ter deixado prolongar uma situação destas, simplesmente penso que faltou pragmatismo. O caminho não é fácil e vão sempre existir críticas por parte da comunidade cigana e não cigana, mas manter aquilo ali nem pensar.

Onde estão a ser realojadas as pessoas?

Temos construído habitações novas e reabilitado edifícios que estavam sem ninguém nos bairros sociais. Os nossos técnicos têm acompanhado a integração das pessoas porque todos sabemos que não é fácil integrar novas famílias em bairros sociais.

Há dois bairros sociais em Tomar que dão problemas. Como pensa controlar essa situação?

Precisamos de mais recursos humanos e de envolver mais as comunidades. Estamos a tentar desenvolver um programa em que pretendemos criar uma comissão de moradores para eles sentirem o bairro como se fosse deles. Não é um trabalho que se faz num ano ou dois, mas vai ser feito. Cuidamos muito melhor quando sentimos que as coisas são nossas.

CONCURSOS DESERTOS PORQUE TÉCNICOS NÃO ACOMPANHAM VALORES DO MERCADO

Qual é a política de investimento deste executivo?

A grande prioridade é ter habitação a custos controlados e por isso assinamos um protocolo com o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana que visa receber 12 milhões de euros para investir em habitação. Por outro lado, vamos passar a ter as competências na área da saúde, e como vamos receber equipamentos e recursos humanos temos de garantir que conseguimos dar resposta a todas as pessoas. Por último, queremos investir na reabilitação das escolas e na requalificação urbana.

Os concursos desertos para obras públicas são outro problema. A falta de competência dos técnicos do município é a principal razão?

Concordo que seja uma das razões, mas não é a única; também não há mão de obra especializada. Mas é verdade que os preços base dos materiais que vão para os cadernos de encargos são referentes a 2011 quando os valores aumentaram de forma absurda. Em certos casos, os técnicos não acompanham as actualizações dos valores de mercado.

Qual é a obra de que mais se orgulha?

Não consigo eleger uma obra, mas a requalificação do Centro Escolar da Linhaceira é a mais emblemática porque já não era aceitável ver crianças a ter aulas em contentores. A Várzea Grande também veio trazer uma nova centralidade a Tomar e permitir que as pessoas circulem e usufruam verdadeiramente da cidade. Mas a que estou mais expectante é com a requalificação da zona ribeirinha numa das margens do rio Nabão. Tenho 54 anos e nunca pude passear junto ao Nabão por causa das barracas do Flecheiro.

O que não lhe perguntei que gostaria de responder?

Há um assunto que abordámos de uma forma pouco profunda, que é o impacto da pandemia nos jovens que estiveram meses sem fazer desporto e sedentários. Isso preocupa-me e é algo que vamos resolver falando com os clubes e associações para lhes atribuirmos verbas para que continuem a formar atletas, mas sobretudo bons cidadãos.

“Às vezes gostava de ser simplesmente a Anabela”

Que importância teve a família na sua ligação à política?

Em minha casa sempre se falou muito de política sobretudo quando nos sentávamos à mesa para jantar. O meu pai, Tomás de Freitas, assim como a minha mãe, Dolores, eram de esquerda. Algumas das recordações que tenho a seguir ao 25 de Abril era de estar em casa com pessoas ligadas à UDP (União Democrática Popular) e de ir colar cartazes com farinha e água pela cidade. A minha mãe também pertenceu à União das Mulheres Antifascistas e Revolucionárias. Na adolescência perdi um pouco o interesse.

Quando é que o “bichinho” voltou?

Por volta dos 20 anos quando já estava a trabalhar no Centro de Emprego de Salvaterra de Magos. Percebi que tinha tempo de sobra e queria aproveitá-lo com novas experiências por isso subi as escadas do Partido Socialista de Tomar para me inscrever. Curiosamente, preenchi a ficha e passado um ano ainda não me tinham entregue o cartão de militante. Esqueceram-se de enviar a ficha para a Comissão Nacional do Partido (risos).

Qual foi a razão para ter começado a trabalhar tão cedo?

A minha mãe faleceu quando eu tinha 17 anos e a vida alterou-se completamente. Tenho uma irmã que é sete anos mais nova e decidi começar a trabalhar para ajudar o meu pai em casa. Concorri para um concurso de liquidador tributário e para um de assistente administrativa no Instituto de Emprego de Torres Novas. Fiquei em Torres Novas uns anos até ir para Salvaterra de Magos. Em 2005 vim para directora do Centro de Emprego de Tomar onde estive até 2009, altura em que fui como deputada à Assembleia da República.

Como surgiu o convite para se candidatar à presidência da câmara?

Não houve um convite formal. Foi uma decisão tomada dentro do secretariado do partido e depois de ter assumido o risco de querer concorrer.

Está satisfeita com as suas escolhas?

Nunca me arrependo das escolhas que faço. A única coisa de que me arrependo é de não ter estado o tempo suficiente com a minha mãe. Costumo dizer que pior do que uma má decisão é uma não decisão. Dentro da política acho que não se deve ter medo de dizer o que se pensa, inclusive dentro do partido. Não tenho medo de ir contra o que pensa o secretário-geral do Partido Socialista, António Costa. Apoio projectos e não as pessoas que estão à frente deles.

Sente mágoa por não ter passado tempo com a sua mãe. Não receia que aconteça o mesmo com o seu filho?

Preocupa-me muito! Quando estava na Assembleia da República, tinha o Tomás cinco anos, colocava todas as noites um boneco em cima da mesa de cabeceira para ele saber que tinha lá estado. Tive muitas fases em que me sentia culpada por não estar com ele.

Teve apoio da sua família?

Considero a minha família a do pai do meu filho, de quem já estou separada há muitos anos. Continuo a ter cunhados e sobrinhos como se estivéssemos juntos e aos sábados almoço com eles. O resto da minha família está na ilha da Madeira.

Como concilia a vida pessoal com a de autarca?

É difícil, mas tenho regras. Vivo com o meu filho e à hora da refeição não há telemóveis em cima da mesa, por exemplo. Como ele é sportinguista e eu sou benfiquista, temos um acordo que é ir ver os jogos a Alvalade desde que ele venha comigo à Luz ver os do Benfica. São momentos divertidos e que ajudam a criar laços importantes.

Vai recandidatar-se ao último mandato. Têm sido 8 anos felizes?

Gosto muito de ser presidente de câmara! Também gostei muito de ser deputada porque atendi todas as pessoas e aprendi imenso com isso. O problema é que o que decidimos na Assembleia da República não vemos impacto na comunidade. Como presidente, as decisões têm um impacto directo no concelho. Só há uma coisa que me deixa por vezes chateada: não gosto quando vou às compras que me falem de estradas e de problemas que existem no concelho. Às vezes gostava de ser simplesmente a Anabela.

“Ninguém é mais forte do que eu”

Chama sempre os bois pelos nomes. É um mecanismo de defesa?

Sou mesmo assim, nas relações profissionais e pessoais. Não gosto de meias palavras, assim como quando falho também reconheço o erro sem problemas.

É essa firmeza de carácter que a fez despedir o seu chefe de gabinete e, à época, também companheiro?

Apesar dessa situação envolver questões profissionais e pessoais há uma coisa que tenho a certeza: ninguém é mais forte do que eu! Se estou aqui de boa-fé, tenho os meus projectos e vem alguém que utiliza o que sou para impor os seus, acho inaceitável. Não cheguei aqui vazia de ideias e sei onde quero ir. Por muito que custe, e essa situação custou, o caminho era esse. Estava a prejudicar-me como pessoa e se não estiver bem não consigo fazer o meu trabalho.

Como é a relação com os vereadores no executivo?

Considero que quanto mais forte for uma equipa mais ganho com isso e, consequentemente, as pessoas que vivem no concelho. Isto também é válido para a oposição: quanto mais interventiva for e não questionar apenas as vírgulas, mais efectivo será o nosso trabalho. No que diz respeito ao vereadores com pelouros dar-lhes autonomia também me faz exigir mais responsabilidades.

Fez amigos na política?

Não fiz muitos amigos porque na política deve-se estar sempre de pé atrás (risos). Tenho poucos verdadeiros amigos e esses chamam-me “Bé”. É com esses que gosto de estar.

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