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Rostos que espelham a luta contra o preconceito e a exclusão social
O Centro de Integração e Reabilitação de Tomar apoia, anualmente, cerca de 900 pessoas distribuídas por sete valências

Rostos que espelham a luta contra o preconceito e a exclusão social

O Centro de Integração e Reabilitação de Tomar abraça a causa social apoiando anualmente cerca de 900 pessoas distribuídas por sete valências. Jardinagem, música, teatro e informática são algumas das actividades que dão alegria à vida dos utentes portadores de deficiência intelectual e de desenvolvimento. Uma reportagem de O MIRANTE com os rostos que lutam diariamente contra o preconceito e a exclusão social.

O André, o António, o Carlos, a Andreia e a Maria Teresa são muito mais do que pessoas portadoras de deficiência intelectual e de desenvolvimento; são pessoas determinadas e dinâmicas, mas são principalmente rostos que espelham a mudança contra o preconceito e exclusão social. Entre as oito da manhã e as cinco da tarde juntam-se no Centro de Integração e Reabilitação de Tomar (CIRE) com mais uma centena de colegas para darem asas à imaginação e alegria à sua vida e à dos que a partilham consigo.

No dia da reportagem de O MIRANTE a música que se ouve à entrada do CIRE, ao estilo de arraial, é tocada por André Marques, de 20 anos, o DJ de serviço. Está com mais duas dezenas de colegas a lanchar ao ritmo da música popular, vulgo pimba, que todos sem excepção gostam de dançar e cantar. Pertencem ao Centro de Actividades Ocupacionais (CAO) e estão divididos em dois grupos: o da jardinagem e o da informática.

A chegada do repórter causa alguma estranheza mas em poucos minutos o distanciamento inicial dá lugar a abraços disciplinados por causa do momento pandémico que se vive. “São miúdos muito carentes e que vivem dos afectos”, afirmam Célia Bonet e Elsa Baptista, presidente e psicóloga da instituição.

António Silva, mais conhecido por Toni, tem 40 anos e é utente do CIRE desde os seis anos. É o mentor, e baterista, da banda “Toni e Amigos” que faz as delícias do público nos arraiais. De físico franzino, tem um humor contagiante e um costume que às vezes deixa as suas colegas irritadas: “Sou muito beijoqueiro, mas agora ando mais controlado”, afirma com um sorriso no rosto.

A colega Maria Teresa, 51 anos, que não gosta nada de beijos, conta que António tem uma namorada e que devia ter mais cuidado. “Ele é um ciumento de primeira; ninguém pode falar com a namorada dele”, conta, em jeito de brincadeira.

Em amena cavaqueira vai-se falando sobre a vida e o percurso que os levou até ali. O sotaque de Maria Teresa não engana em relação à sua naturalidade. Veio da Madeira com 13 anos para trabalhar como empregada doméstica e passou por várias quintas em Tomar. Tem um filho que está emigrado e que já não vê há muito tempo. Afirma, sem hesitar, que a deficiência intelectual que tem nunca lhe tirou vontade nem a impediu de trabalhar. “Gostava de ser jardineira e gostava de ter uma nova oportunidade na vida. Vou continuar a mostrar às pessoas que os deficientes também têm capacidades como qualquer outra pessoa”, sublinha.

“Temos mais dificuldades mas não somos inválidos”

António Silva, o único residente no Lar Residencial, concorda com a amiga e reforça que a deficiência não tira a capacidade de sonhar nem a determinação para concretizar os objectivos. “Temos mais dificuldades do que as pessoas normais em fazer algumas coisas, mas isso não nos torna inválidos. Tenho aprendido que muitas vezes são as imperfeições que tornam as pessoas bonitas e capazes de fazer a diferença”, afirma com convicção, acrescentando que uma das coisas que mais gosta de fazer é ajudar os colegas com problemas mais graves do que o dele.

Os graus de deficiência dos utentes do CIRE são diferentes e nem todos conseguem raciocinar e comunicar como Maria Teresa e António Silva. Carlos Freitas, 59 anos, está há mais de três dezenas de anos na instituição, embora não seja residente. Todos os dias regressa a casa, onde tem à espera a sua mãe, que tem mais de 90 anos. Um homem que é dependente e precisa de ajuda para realizar quase todas as tarefas é o principal cuidador da mãe, que ainda é mais dependente do que ele. “Um dos nossos grandes problemas é conseguir dar resposta adequada a todos os nossos utentes. Não temos instalações para receber mais utentes em regime residencial”, explica Célia Bonet.

As despedidas dão-se cerca de uma hora depois com uma surpresa para o repórter; em jeito de agradecimento, o grupo junta-se em fila indiana para dançar o “Apita o Comboio”. A felicidade não é um sentimento fácil de descrever, muito menos num texto onde o espaço é limitado, mas quem convive com estes utentes percebe que a alegria impera e a diferença é vista como algo positivo e não como uma barreira entre dois mundos. No Centro de Integração e Reabilitação de Tomar a deficiência não é vazia de sentimentos e não conhece limites.

Falta de infra-estruturas é o maior problema do CIRE

Em 2020 o Centro de Integração e Reabilitação de Tomar apoiou cerca de um milhar pessoas, englobando utentes, utilizadores e beneficiários, distribuídos por sete valências: Centro de Reabilitação Profissional, Centro de Actividades Ocupacionais, Apoio Socioeducativo, Lar Residencial, Creche Familiar, Núcleo Local de Inserção e Centro de Recursos para a Inclusão.

É no Lar Residencial que mora um dos grandes problemas por resolver. Com 14 utentes institucionalizados, seis homens e oito mulheres, o CIRE não tem capacidade para dar resposta às dificuldades dos utentes mais dependentes e que precisam que a sua casa seja a própria instituição.

O caso de Carlos Freitas (ver texto) é um dos muitos que espelham como o Estado, particularmente o Instituto de Segurança Social, ainda têm muito trabalho pela frente no que diz respeito à garantia das mesmas oportunidades para todas as pessoas. Segundo as dirigentes do CIRE, todos os anos enviam dezenas de candidaturas para outras IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social) fora do concelho, mas todas sofrem do mesmo problema.

“O Carlos está connosco há mais de 30 anos mas nunca o conseguimos tornar residente porque as nossas instalações não permitem receber mais de 14 pessoas. Temos muitos utentes na situação do Carlos, que precisam de acompanhamento permanente e que estão entregues à própria sorte durante o tempo em que não estão connosco”, lamenta Célia Bonet.

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