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“No interior falta o básico e assim não se consegue que as pessoas se fixem”
Fernando Moleirinho foi presidente da Câmara do Sardoal durante 20 anos

“No interior falta o básico e assim não se consegue que as pessoas se fixem”

Fernando Moleirinho foi eleito presidente da Câmara do Sardoal pelo PSD em 1993 acabando com a gestão socialista que vinha desde as primeiras autárquicas. Esteve no cargo 20 anos. Nesta entrevista critica as assimetrias cada vez mais profundas entre o interior e os grandes centros urbanos e diz que ser professor hoje é uma profissão de risco

Quando O MIRANTE desafiou Fernando Moleirinho para esta conversa o professor reformado escolheu o local para conversar: o Centro Cultural Gil Vicente, que admite ser a menina dos seus olhos. A conversa decorreu num dos bancos corridos, em pedra, à sombra das árvores. De sorriso fácil interrompe várias vezes a entrevista para cumprimentar as pessoas que lhe acenam na rua e ainda o tratam por presidente.

Trabalhou como controlador aéreo na base de Tancos durante três anos já depois de ter tirado o curso de professor. Adorava o que fazia mas o amor à família falou mais alto. Se fosse hoje não teria exercido a actividade docente. Na sua opinião, o professor tem hoje muito mais encargos do que no seu tempo.

Alguma vez tinha pensado ser presidente de câmara?

Nunca me passou pela cabeça. Era militante do PSD mas só queria ajudar, nunca quis cargos políticos. Quando me fizeram o primeiro convite não aceitei. Em 1990 fui em número dois da lista do PSD e o partido passou a ter dois vereadores da oposição em vez de um. Na altura, a presidente da Câmara do Sardoal, Francelina Chambel, quis dar-me o pelouro do Ambiente mas recusei. Quatro anos depois o PSD insistiu no meu nome. Comecei por recusar e ainda me tentei defender dizendo que ia falar com a minha esposa, na esperança que ela também não gostasse da ideia. O problema é que ela disse que a decisão era minha. Decidi avançar, em 1993, e ganhei destronando o PS que estava no poder há 17 anos.

Como lidou com a oposição do seu pai que não queria que fosse candidato à câmara?

O meu pai era sapateiro e lidava com muita gente. Sabia o que as pessoas diziam dos autarcas e dos políticos e não queria que dissessem mal do filho mas depois gostou que eu tivesse sido presidente de câmara. Ele costumava dizer, em jeito de brincadeira e com algum orgulho, que o Centro Cultural Gil Vicente era a grande obra do ‘regime’. (risos)

Do que é que gostou mais dos 20 anos em que esteve à frente da Câmara do Sardoal?

Só tenho boas memórias. O Centro Cultural Gil Vicente é a menina dos meus olhos, porque era o sonho de toda a população e foi uma grande obra que mudou a centralidade da vila. O meu gabinete estava sempre aberto para receber pessoas, não havia dias nem horas marcados. Quando cheguei à câmara, uma das primeiras medidas que tive que tomar foi negociar a dívida do município à Caixa Geral de Depósitos. Era muito dinheiro. Ninguém acreditava que conseguíssemos pagar a dívida mas contrariei tudo e todos e conseguimos. Quando me dizem que não consigo é quando tenho mais vontade de fazer.

Se não houvesse a lei de limitação de mandatos ter-se-ia recandidatado ao cargo de presidente?

A política terminou quando saí da câmara e acho que saí na altura certa. Não estou arrependido. Gosto de falar de política mas gosto mais de estar em casa a usufruir do meu tempo e viajar, que adoro.

Quais são as diferenças entre ser autarca há 20 anos e hoje?

Quando iniciei o primeiro mandato, em 1993, havia tudo para fazer. Tínhamos que procurar criar condições para que as populações tivessem qualidade de vida. Existia uma grande proximidade com a população e tínhamos que estar sempre em cima do acontecimento. Havia as necessidades básicas e foi o que construímos. Era obrigatório dar qualidade de vida aos nossos munícipes.

Os presidentes de hoje têm mais trabalho?

Julgo que ser presidente de câmara hoje é mais difícil. Têm que ser mais criativos e ter muita imaginação. Têm que criar condições e dar qualidade de vida às populações noutra vertente. Temos que ter sempre planos em carteira.

Miguel Borges tem sido um sucessor à altura?

O Sardoal tem um bom presidente de câmara. O Miguel Borges luta com muito mais dificuldades do que eu lutei, nomeadamente no acesso aos fundos comunitários, que está mais complicado. O conselho que lhe dou é que se chegue às populações, diga-lhes a verdade e procure ser criativo. E ele tem sido.

As desigualdades entre o interior e os grandes centros urbanos parecem um problema sem solução.

Como é que os membros do Governo conseguem dormir sossegados quando existem situações de diferenciação tão grandes entre os jovens, que são o futuro do país. No interior falta o básico e assim não se consegue que as pessoas se fixem por cá. Qualquer dia Portugal é o litoral do país e o interior começa a ser as quintinhas dos estrangeiros que compram terrenos cá.

Como se combate a desertificação do território do interior do país?

É uma situação preocupante. As pessoas vêm para o interior quando há condições e qualidade de vida. Temos qualidade de vida mas os diversos governos estão a tirar-nos essa qualidade de vida. Faltam serviços como finanças, bancos, telecomunicações em condições. Já existem, no norte do país, aldeias desertas à venda mas quem as vai comprar vão ser os estrangeiros. Temos que evitar estas situações enquanto é tempo.

A pandemia veio acentuar as desigualdades?

A pandemia veio mostrar a realidade do desgoverno que temos. Dá impressão que são pessoas que não entendem a realidade em que vivemos. Os jovens do interior precisam de ser acompanhados. Dei aulas nas aldeias, conheço a realidade e sei o que acontece. Se a criança não tem aulas o pai coloca-o a tomar conta dos irmãos mais novos ou a guardar animais. Isto ainda acontece.

“Ser professor hoje é uma profissão de risco”

Se fosse hoje voltaria a optar pela profissão de professor?

Não. Ser professor hoje é muito diferente. É uma profissão de risco. Quando vejo na televisão uma mãe questionar que mal tem o seu filho dar dois murros na professora, acho que diz tudo do que é a escola actualmente. Lembro-me, muitas vezes, que muitos pais entregavam-me o filho e diziam para tratar dele como se fosse meu filho. E eu exigia dos meus alunos, tinham que aprender. O ensino mantém a qualidade, o que mudou foi a gestão escolar.

Continua a existir o mesmo respeito pela figura do professor?

O problema é que exigem hoje ao professor coisas que não deveriam exigir. Um professor tem que ser pau para toda a obra. O professor deixou de ter tempo para a família e não é justo, nem humano, que qualquer pessoa seja privada de algumas horas com a família. O professor hoje não tem tempo. Quando desconfiam que o professor tem uma hora vaga têm que lhe arranjar algo para fazer. Fui professor do ensino primário por devoção e prazer, mas hoje não teria prazer em ser professor.

O professor apaixonado por viagens que também foi controlador aéreo

Fernando Moleirinho nasceu a 23 de Outubro de 1944 no Sardoal onde viveu toda a vida excepto durante um ano em que deu aulas em Lisboa. Nessa altura inscreveu-se no curso de Direito na capital mas regressou às origens e não o terminou. Quando já era professor fez o serviço militar na Força Aérea, na base de Tancos, onde tirou o curso de controlador aéreo. Foi lá que conheceu e privou com D. Duarte, Duque de Bragança, a quem tece rasgados elogios. A amizade durou e numa das primeiras iniciativas enquanto presidente da Câmara do Sardoal convidou-o a visitar a vila.

Diz que adorou a experiência, que durou três anos, mas a namorada e a família levaram-no a escolher a profissão de professor. “Se continuasse teria que ir para África cerca de dois anos tirar o curso de aeronáutica civil e trabalhar por turnos. Já estava a pensar casar, por isso optei por ser professor”, conta. Casou há 50 anos com Fátima Moleirinho, também ela professora. Não têm filhos.

Foi professor durante 30 anos e deu aulas em Abrantes, Mação e Sardoal até ser desafiado a candidatar-se à Câmara do Sardoal. Foi com Fernando Moleirinho como autarca que os alunos do Sardoal começaram a realizar viagens ao estrangeiro uma vez por ano. A primeira foi a Tordesilhas (Espanha) onde assistiram às comemorações dos 500 anos do Tratado de Tordesilhas.

Apaixonado por viagens, costumava ir com a esposa na sua roulotte pela Europa fora. Agora prefere o automóvel. Diz que o nosso país tem paisagens maravilhosas mas costuma dizer que quando não sabe para onde ir vai para as Astúrias, no norte de Espanha, um dos seus locais preferidos. Nos tempos livres gosta de estar em casa. Fascinado por História mundial chegou a tirar uma formação na área. Lê imensos livros sobre o tema. Aprecia música dos anos 60, entre elas Charles Aznavour. É caçador mas já não pratica.

Antes de ser autarca, esteve sempre ligado ao associativismo. Foi presidente do Grupo Desportivo e Recreativo Os Largartos, do Sardoal, da Filarmónica União Sardoalense e da Casa do Povo do Sardoal. Considera que o associativismo no concelho sempre foi fácil de gerir e que há sempre pessoas disponíveis.

“No interior falta o básico e assim não se consegue que as pessoas se fixem”

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