O pescador de Ortiga que continua a deixar-se encantar pela solidão do rio
Francisco Pinto, 54 anos, vive na Ortiga, colado à barragem de Belver. Pertence à terceira geração de pescadores e é do tempo em que a freguesia do concelho de Mação era uma verdadeira aldeia piscatória. Actualmente gere um restaurante com a mulher porque o que pesca não é suficiente para pagar as contas, mas não abdica das madrugadas passadas no rio por sentir que o tempo corre mais devagar e o faz viajar para a época em que dividia o barco com o pai.
Francisco Pinto nasceu em Monte do Arneiro, concelho de Nisa, uma aldeia piscatória a cerca de meia centena de quilómetros de Ortiga, concelho de Mação, onde vive há mais de três dezenas de anos. Casou-se com Fátima aos 19 anos e nunca mais deixaram de ser parceiros na vida e no trabalho. São proprietários do restaurante “A Lena”, situado na Barragem de Belver, onde pára o comboio regional e o intercidades só quando tem passageiros à espera.
A conversa com o pescador decorre na mesa do restaurante e é acompanhada pela sua sogra, Helena Matias, a mulher que fez crescer o negócio. A lampreia é uma das especialidades da casa, mas há algum tempo que servem lampreias compradas a pescadores de outras zonas porque há mais de dois anos que a espécie não é avistada na barragem de Belver. “Na zona de Abrantes ainda se consegue pescar alguma coisa, muito de vez em quando, mas aqui nem vê-las”, lamenta.
A principal razão para a falta de peixes na barragem, diz, é o Açude de Abrantes. Uma obra que, diz, “não lembra a ninguém” porque o sistema passa-peixe é deficiente. Uma barreira com 10 metros, com uma escada de passa-peixe que chama de manhosa que impede os peixes de subirem o rio. “Andam a prometer obras há muito tempo, mas nada. Ainda hoje estou para saber o que queriam fazer ali”, sublinha, recordando um episódio que ocorreu em Abril de 2015 quando milhares de peixes de diversas espécies morreram encurralados no açude ao tentarem subir o Tejo para desovarem.
Apesar de tudo, o barco estacionado na barragem continua a sair de madrugada para apanhar uns peixes que são servidos no restaurante. Francisco Pinto não gosta da vida de empresário de restauração, mas é a única forma de continuar a pôr o pão em cima da mesa. A lampreia, o sável, a saboga e a fataça pescam-se entre Fevereiro e Junho. Até Setembro apanham-se os barbos, as tainhas, os lúcios, as carpas e, com sorte, algumas enguias que no Tejo “já existem muito poucas”. Entre Outubro e Janeiro trabalha na agricultura e na apanha da azeitona, ao mesmo tempo que vai arranjando as redes de pesca para uma nova temporada.
“Nos últimos 15 anos as coisas mudaram muito. Passava os dias a vender peixe pela Concavada, Mouriscas e Mação. Actualmente há muito pouca gente a viver nas aldeias. O último dia que fui vender fataça, depois de uma noite inteira a pescar, andei cinco horas às voltas para vender 25 quilos de peixe”, conta.
SOZINHO MAS NÃO SOLITÁRIO
Há quem, se sinta solitário quando está sozinho. E há quem como Francisco Pinto, opte por estar sozinho, mas não se sinta solitário. Quando entra no barco e navega horas no rio tendo apenas por companhia o som da água e a luz da lua da madrugada. É a corrente que manda na hora a que vai pescar, habitualmente entre a meia-noite e as quatro da manhã. Já chegou a fazer 40 quilómetros de barco com dois graus negativos e um nevoeiro tão cerrado que não se conseguia ver as margens. “Habituei-me à solidão. Durante a noite, depois de deitar as redes, faço uma fogueira e durmo um pouco. É nessa altura que a minha mente viaja para os tempos em que pescava com o meu pai”, recorda com emoção.
Francisco Pinto pertence à terceira geração de pescadores da família. “Acho que vim ao mundo dentro do barco. Em criança ia com a minha mãe vender peixe e com o meu pai pescar. Deixámos de pescar juntos há três anos quando faleceu”, conta. O seu pai morreu aos 82 anos e trabalhou até ao último suspiro. Era a única pessoa que gostava de levar consigo no barco. “Foi sempre um grande companheiro e só deixou de me ensinar quando morreu. É uma bênção ter tido um pai como o meu”, sublinha.
Quando chegou a Ortiga, Francisco Pinto viveu em barracas junto à barragem com mais duas dezenas de famílias. Entretanto foi-se tudo embora e ficaram os escombros. Tem um filho na universidade que não quer saber da pesca porque tem outros objectivos na vida, o que é perfeitamente compreensível. O pescador não lamenta porque vê diariamente que “a pesca morreu na barragem de Belver”.