Manuel Serras é um homem dos sete ofícios e barbeiro em Abrantes há 60 anos
Se a vida de Manuel Serras, de 84 anos, fosse contada em filme era um retrato sobre a integridade e o carácter de um homem que dedicou a sua vida ao trabalho.
Cuidou de cinco irmãos, trabalhou em mais de sete ofícios, é barbeiro há quase 70 anos e é proprietário de uma das últimas barbearias tradicionais do concelho de Abrantes. Uma reportagem de O MIRANTE com o mestre que não hesita ao afirmar que vai continuar a trabalhar até que a saúde permita.
Com mais de oito décadas de vida Manuel Serras é, provavelmente o barbeiro tradicional mais antigo do concelho de Abrantes. Há mais de quarenta anos, quando quis ser dono do seu próprio negócio, tornou-se proprietário de uma barbearia situada junto à câmara municipal, em pleno centro histórico de Abrantes. No dia da reportagem de O MIRANTE o movimento de clientes não era muito ao contrário do habitual. “Cada vez há mais cabeleireiros e barbeiros que fazem os cortes da moda e pintam cabelos, mas ainda há muita gente que gosta da maneira antiga: simples e eficaz”, afirma com um sorriso no rosto.
A maioria dos seus clientes sai satisfeita com o trabalho e por isso é que tem dezenas que ali vão há décadas. Os métodos de corte de barba e cabelo mantêm-se intactos com o passar dos anos e os equipamentos também, com excepção de um ou outro que precisou de ser renovado. “Gosto de trabalhar como me ensinaram e utilizando as ferramentas de antigamente. As cadeiras são de outros tempos, tenho limpa-navalhas que já não se fabricam, os preços que pratico não têm nada a ver com a concorrência, entre outras coisas”, explica.
Na barbearia de Manuel Serras fala-se um pouco de tudo, nomeadamente de futebol, política e mulheres. O próprio gosta de fazer de conselheiro e ajudar a resolver alguns dos problemas dos seus clientes. “São muitos anos a lidar com pessoas e é inevitável criar boas amizades. Este espaço também funciona como consultório de psicologia e sinto-me bem a conversar com as pessoas”, confessa.
A sua paixão pela agricultura também serve de motivo de conversa com os que mais sabem da matéria. Manuel Serras levanta-se de madrugada para ir com a esposa tratar do rebanho de ovelhas que pasta ao lado da sua casa; depois vai para a barbearia, onde trabalha das 09h00 às 19h00, hora a que volta a ir tratar dos animais e das culturas que tem semeadas.
“Há uma coisa que me incomoda muito que é as pessoas pouco ou nada saberem sobre agricultura. Deixaram de produzir os seus próprios alimentos e estragam-se a comer comida de supermercado que não é biológica”, lamenta. Outra das grandes paixões é cozinhar destacando-se pela confecção de pratos típicos sobretudo feitos no tacho. “A minha mulher está sempre a dizer que não há melhor cozinheiro do que eu”, sublinha com orgulho.
As mulheres de cabelo mais curto também têm assento reservado na barbearia do senhor Manuel; já foram mais do que actualmente, mas ainda há duas ou três que não prescindem dos seus serviços. Na barbearia, bem iluminada e com as medidas de segurança garantidas, respira-se vida e boa disposição e a satisfação dos clientes é a melhor recompensa para quem sempre dedicou muitas horas ao trabalho.
“Só fecho a porta quando morrer ou quando as dores não me deixarem trabalhar. Continuo a ter clientes que vêm de propósito de Alvega, do Pego, de Rio Maior, de toda a região. A minha boa saúde também se deve a eles e à confiança que têm no meu trabalho. Por isso podem continuar a contar comigo”, afirma com convicção.
UMA INFÂNCIA QUE MOLDOU O CARÁCTER
Manuel Serras nasceu e cresceu no seio de uma família numerosa e com poucas possibilidades financeiras na aldeia de Seda, concelho de Alter do Chão. O seu pai era natural das Mouriscas e por isso vieram viver para o concelho de Abrantes pouco tempo depois de nascer. Mais tarde o pai foi procurar trabalho para Moçambique e deixou a sua mãe com seis filhos para criar. “Como era o irmão mais velho tive de assumir a responsabilidade de ajudar a pôr o pão em cima da mesa. Aos 14 anos já estava farto de trabalhar como biscateiro. Depois fui empregado de taberna e trabalhei em pensões na cidade de Abrantes”, conta.
Aos 17 anos foi trabalhar para a ceifa, em Elvas, e passou dos momentos mais duros da sua vida. “Cheguei a dormir mais de um mês no chão frio. Como era um trabalho muito duro regressei às Mouriscas e fui aprender a profissão de barbeiro com o mestre Afonso Filipe. Alguns anos depois trabalhei numa barbearia em Alferrarede e em Abril de 1974, no mês que mudou a história do nosso país, abri a barbearia onde ainda hoje sou muito feliz”, sublinha acrescentando que é um homem de carácter e orgulhoso do seu percurso de vida.