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Jorge Sampaio e as eleições autárquicas do próximo domingo

Que país é este onde as classes mais favorecidas, com um maior nível cultural e educacional, entregam o poder político da sua terra aos mais aventureiros e, por isso, aos mais incapazes, como se vivêssemos nos tempos do Zé do Telhado?

As eleições do próximo domingo são um bom pretexto para escrevermos sobre democracia e o exercício do poder. Jorge Sampaio tem uma biografia escrita por José Pedro Castanheira que é um espelho da sua vida política que nos deixa espreitar as suas qualidade pessoais. Conheço boa parte dos dois grossos volumes de memórias. E sou testemunha de outras histórias que não são contadas nos dois volumes da biografia e foram ouvidas no meio de grupo restrito contadas pelo seu ex-chefe de gabinete, António Fonseca Ferreira, quando Jorge Sampaio foi presidente da Câmara de Lisboa. Uma delas prende-se com a entrada fulgurante, e a matar, de Belmiro de Azevedo no gabinete de Jorge Sampaio fazendo pressão para resolver o problema na construção das torres do Centro Comercial Colombo. A história tem todos os ingredientes que sabemos existir entre poder económico e poder político: a luta de uns para construírem e desenvolverem as suas empresas e os seus impérios empresariais e a batalha de quem detém as rédeas do poder e tem a obrigação de moderar os exageros urbanísticos e a especulação imobiliária e comercial. Os arquivos de imprensa estão cheios de histórias que retratam bem uma época (1990-1995) de grande crescimento económico, mas também de grandes transformações que os nossos líderes não souberam aproveitar para nos aproximarmos dos melhores indicadores sócio-económicos dos países mais ricos da Europa. José Sócrates e Armando Vara são o melhor exemplo da italianização da política portuguesa e a queda da Portugal Telecom, e de gestores como Zeinal Bava e Henrique Granadeiro, a par da falência de alguns bancos, que culminou na queda estrondosa do BES, são o melhor exemplo da regressão da democracia e dos valores de um regime que pode estar em perigo com a ascensão da direita fascista em todo o mundo ocidental.

Para quem tinha 18 anos no dia 25 de Abril de 1974, e participava em reuniões clandestinas de opositores ao regime (beneficiava do facto de trabalhar num estabelecimento comercial que era ponto de encontro dessa gente corajosa e destemida), o facto de nas últimas eleições mais de metade da população portuguesa se recusar a votar é um sinal que deveria deixar os políticos de cabelos em pé. 48 anos depois de nos libertarmos da ditadura, que nos cerceava a liberdade de reunião, o acesso ao conhecimento e à igualdade de direitos, vivemos um tempo em que metade das pessoas não vota no seu presidente de câmara ou junta de freguesia. O que é que os políticos locais esperam para merecerem a honra de desempenharem cargos públicos remunerados? Que país é este onde as classes mais favorecidas, com um maior nível cultural e educacional, entregam o poder político da sua terra aos mais aventureiros e, por isso, aos mais incapazes, como se vivêssemos nos tempos do Zé do Telhado?

Jorge Sampaio, o antigo Presidente da República, que faleceu a 10 de Setembro, é o exemplo de um político que muitos autarcas deviam tentar imitar para um dia poderem ser melhores do que os seus mestres como ensinava Picasso. É verdade que temos gente valorosa à frente das autarquias e do país, mas não temos razões para nos orgulharmos da nossa classe política actual quando vemos emergirem na vida pública políticos analfabetos, que não sabem lidar com a liberdade de imprensa, não respeitam nem sabem como lidar com os seus adversários políticos, não sabem reivindicar nem como funcionam as instituições e, pior do que isso, são autênticos caciques, com a vantagem, para eles, de pertencerem a partidos cujos dirigentes nacionais fomentam o clientelismo e a monarquia em vez de respeitarem os ideais da nossa República já mais que centenária. JAE.

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