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“Portugal tem um delírio por elefantes brancos e obras megalómanas”
António Rocha Pinto é um engenheiro civil com paixão pela escrita, viagens e fotografia

“Portugal tem um delírio por elefantes brancos e obras megalómanas”

António Rocha Pinto, 61 anos, chefe da divisão de edifícios, infraestruturas e recursos do Politécnico de Santarém.

Esteve durante décadas ligado ao CDS e saiu zangado com o actual líder nacional. Fez parte da juventude centrista, mas defende agora que deviam ser todas extintas. Em entrevista a O MIRANTE, o engenheiro civil, que em 2017 se candidatou à presidência da Câmara de Santarém, diz que a cidade precisa de obras que melhorem a vida das pessoas e não de uma linha de caminho-de-ferro de 500 milhões de euros. Quer um pulmão verde na cidade e tempo para ler, escrever e conviver com os seis netos.

Fui dos jovens que após o 25 de Abril andavam a colar cartazes nas ruas com baldes de cola feitos em casa. Nesse tempo fazia-se um debate real e sem truques sobre o que queríamos do mundo. A disputa era tanta que por vezes o debate político se fazia à pancada. Nasci em Lisboa e mudei-me com a minha família para Santarém no final do meu primeiro ano de vida. Tive uma infância feliz, acompanhada por um grupo de cinco amigos que mantenho até hoje.

As juventudes partidárias tornaram-se numa escola de malandros e devem ser encerradas. Os jovens aprendem a ganhar congressos e eleições, mas não têm estrutura. Quando me tornei militante da juventude centrista, em 1975, absorvia-se formação dada por pessoas de referência. Depois de Francisco Rodrigues dos Santos ter tomado posse como presidente do CDS demiti-me do partido ao qual estive ligado mais de 40 anos. O que fez foi um ataque descarado ao partido. Duvido que alguma vez tenha lido a doutrina social da Igreja, o livro base da democracia cristã e do partido.

O populismo devia ser entendido como a vontade de ouvir o povo, algo que os nossos políticos se esquecem de fazer. Hoje baralha-se populismo com demagogia e aprovam-se leis à revelia. Não discuto a bondade da lei da Eutanásia, mas o facto de ter sido aprovada sem se ouvir o povo. Faltou o referendo.

Defendo o voto obrigatório, mas aos partidos não lhes interessa que vote toda a gente. Se votassem 10 milhões o jogo mudava e tinham que se esforçar mais. Por outro lado, acho que os eleitores gostam de ser enganados quando votam num político que promete oferecer este mundo e o outro. Quando aparece um que diz o que vai e pode realmente fazer acha-se pouco.

O engenheiro é uma pessoa discreta, com a função de concretizar, que só aparece quando algo corre mal. Tirei engenharia civil no ISEL, uma pós-graduação em Urbanismo e outra em Gestão Autárquica Regional com uma tese sobre a motivação dos funcionários. Os gestores públicos pensam que só o dinheiro motiva e não é assim. Outro problema é que a maior parte dos nossos autarcas não tem formação para governar. Entram cheios de ideias a pensar que o público se gere como o privado e sem saber como se criam mecanismos de gestão que optimizem recursos. A idade e não ser candidato a cargos tem-me dado maior liberdade para dizer aquilo que penso.

Sou responsável pelas obras novas e de recuperação e por todos os edifícios do Instituto Politécnico de Santarém. Trabalhei 33 anos na Câmara de Almeirim e há dois anos pedi transferência para o IPS após ter sido convidado para ser chefe da divisão de edifícios, infraestruturas e recursos.

Portugal tem um delírio por elefantes brancos e obras megalómanas. Santarém não precisa de uma mudança na linha do caminho-de-ferro que custaria 500 milhões de euros pagos com impostos. O que faz falta é mais um andar no comboio e fazer com que os suburbanos cá cheguem.

Santarém precisa de criar um pulmão verde na cidade e de pequenas obras que facilitem a vida aos cidadãos. Sendo uma das cidades mais quentes do país fazem falta espaços verdes com espelhos de água que permitam a evaporação e substituir o alcatrão por cubos de granito que permitem a infiltração das águas e têm menor irradiação de calor. Também não se percebe como se está anos a criar um plano de pormenor para o centro histórico e se tem uma casa mortuária no Largo do Seminário, o sítio mais nobre da cidade.

Não me choca se o Mercado de Santarém for gerido por privados. Não sou a favor nem contra os privados gerirem estruturas públicas se essa for a melhor solução. O Hospital de Vila Franca de Xira enquanto foi gerido por privados teve, segundo o Tribunal de Contas, o melhor rácio possível de resposta. Agora é público e os doentes estão internados em garagens.

Se tivesse concorrido pelo PSD talvez tivesse ganho as eleições para a Câmara de Santarém, mas não estou no mercado de saldos. Sempre fui um crítico da sociedade e por achar que os outros estavam a fazer mal concorri em 2017. Não o ter feito seria uma cobardia. Como tudo tem um tempo, agora o meu é para usufruir dos meus seis netos, ler, observar a realidade e escrever.

Para resolver o problema da fome as pessoas gostam de dar o peixe quando deviam ensinar a pescar. Trabalhei muitos anos no sector social e conheço as dificuldades das pessoas, que não se resolvem com dinheiro. Defendo uma organização da sociedade do ponto de vista económico razoavelmente liberal, mas do ponto de vista social muito conservadora.

O dr. Moita Flores deixou vários imbróglios políticos pendurados. Depois de perceber o mercado que tinha em Santarém fez acordos e foi levado em ombros sem se ter preocupado com formalizações como o acordo para a compra do quartel que não foi pago.

Ter escrito um romance não faz de mim um escritor, da mesma forma que uma pessoa que diz umas larachas não é um filósofo. A escrita traz-me liberdade. Em 2020 lancei o “Improvável” onde, de forma romanceada, conto a história da minha família. Da minha mãe beirã, do meu pai goês e do seu casamento a oito mil quilómetros de distância; do meu tio que esteve na guerra civil de Espanha do lado dos republicanos e acabou como médico de Salazar. O novo acordo ortográfico saiu da cabeça de um idiota que queria ficar para a história. Não faz o menor sentido, discordo em absoluto. Se às vezes escrevo em desacordo comigo quanto mais com o novo acordo...

Mais do que uma deslocação viajar é um estado de espírito que estimula os nossos sentidos. Devo ter herdado o gosto da minha mãe que viajou à boleia pela Europa e deu a volta a África. Viajo sempre com a minha mulher e quero muito visitar Israel.

Aos 16 anos pode-se mudar de sexo mas não se pode ir aos toiros? É completamente absurdo. São os pais que têm a competência de educar os seus filhos. Não há razoabilidade num país que se diz democrático tomar decisões anti-democráticas e ideológicas.

Ser casmurro, ou seja, o que hoje se chama a pessoa resiliente, ajudou-me a concretizar muitas coisas na vida. Se pudesse tirava do meu corpo as maleitas que me afectam os ossos e articulações. Não sou de anestesiar os sentidos e não me assusto com o envelhecimento. Ser crente em Deus tranquiliza-me.

Nunca deixo de amar e beijar os que me são próximos. Se o mundo acabasse amanhã não ia deixar de fazer o que tenho programado para o dia de hoje e de o viver com calma.

“Portugal tem um delírio por elefantes brancos e obras megalómanas”

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