“Honrar o nome de José Saramago fazendo mais e melhor pela sua Obra”
À margem do início das comemorações que assinalam o centenário de José Saramago, Víctor Guia e António Camilo admitem que é preciso trabalhar mais para divulgar e honrar o legado do escritor no concelho na região e no mundo. Primeiro-ministro António Costa, e neta do escritor, Ana Saramago, ajudaram a plantar mais uma oliveira no dia em que o Nobel da Literatura completaria 99 anos.
José Saramago nasceu e viveu parte da sua infância na Azinhaga, aldeia do concelho da Golegã. Apesar do Nobel da Literatura nunca ter ignorado a sua terra e região, nomeadamente nas suas obras, ainda há muito a melhorar para fazer jus ao legado de um dos maiores escritores portugueses de sempre. A opinião é de Víctor Guia e António Camilo, presidentes da Junta da Azinhaga e Câmara da Golegã, respectivamente.
O início das comemorações do centenário de José Saramago levou à Azinhaga António Costa, primeiro-ministro, e Ana Saramago Matos, neta do escritor, que, na terça-feira, 16 de Novembro, dia em que completaria 99 anos, ajudaram a plantar a 99ª oliveira das 100 que vão embelezar a Rua Víctor Guia até ao final do próximo ano.
No final da iniciativa O MIRANTE conversou com os autarcas que reconheceram que é preciso fazer muito mais para honrar o nome de José Saramago e “aprender a tirar proveito económico” do seu legado. Víctor Guia, que partilhou vários momentos de convívio com o autor de Memorial do Convento, revela que todos os anos o escritor leva centenas de pessoas à aldeia que vêm dos quatro cantos do mundo. “Há poucos anos conheci uma senhora que veio de propósito de Dusseldorf, Alemanha, para conhecer os locais onde Saramago passou a infância e que descreveu no livro ‘As Pequenas Memórias’. A seguir voltou a entrar no táxi para o aeroporto e regressou a casa. É esta a dimensão de José Saramago”, sublinha. O autarca refere ainda que o facto de a Azinhaga ser um dos eixos centrais dos Caminhos de Santiago é uma das muitas razões que obrigam a mais mobilização que valorize a sua obra.
ANTÓNIO COSTA E AS COUVES COM FEIJÃO
A visita do primeiro-ministro à Azinhaga levou à presença de cerca de uma centena de pessoas, sendo que, algumas delas, aproveitaram o momento para tirar o governante da sua zona de conforto. Um dos populares questionou se perto dos gabinetes de Lisboa existem nabos tão bonitos como os que estão semeados num terreno ao lado das oliveiras. António Costa alinhou na brincadeira, sorrindo, assim como não vacilou quando Víctor Guia o convidou para almoçar um prato de couve com feijão. “Bem sei que é comida de pobre, mas podia acompanhar-nos”, afirmou em jeito de brincadeira. António Costa declinou o convite por motivos de agenda.
No seu discurso, António Costa diz-se esperar que as comemorações do centenário de José Saramago permitam criar novas gerações de leitores continuando a valorizar e a preservar a língua e a cultura portuguesas. António Costa, que foi a Rio Maior pela manhã para assistir à leitura do conto “A Maior Flor do Mundo”, iniciativa que decorreu em simultâneo em 300 escolas do país e em vários pontos da América Latina, referiu que a plantação de uma oliveira é uma mensagem muito actual, uma vez que existe a necessidade de regar cada flor para que seja preservada. “Temos de fazer a sementeira da leitura porque os livros só vivem se houver quem os leia”, sublinhou, acrescentando que espera que as oliveiras plantadas na Azinhaga perdurem e que dentro de um século alguém as veja e “continue a lembrar-se que Saramago existiu e, sobretudo, a ler o que Saramago escreveu”.
JOSEFA DÁ NOME À 100ª OLIVEIRA
Ana Saramago Matos, coordenadora do pólo da Azinhaga da Fundação José Saramago, agradeceu o afecto, anunciando que o projecto das 100 oliveiras de José Saramago vai ter uma particularidade: cada oliveira vai ser baptizada com nomes de personagens dos livros do avô, sendo que a última a ser plantada, dentro de um ano, vai chamar-se Josefa, nome da avó de Saramago e uma das maiores referências da sua vida. “Gostaríamos que estas 100 oliveiras ficassem como testemunho do tempo da infância de José Saramago e que sejam ainda um sinal de revolta, e ao mesmo tempo de esperança, por um mundo mais sustentável”, disse.
Ana Saramago incluiu nos seus agradecimentos as muitas pessoas que tornaram a iniciativa possível, como Manuel Coimbra, que ofereceu as oliveiras, e a equipa de jardinagem que diariamente cuida das árvores. Ana Saramago brindou ainda António Costa com um saco de pano e um bloco com a inscrição da frase de Saramago: “O caos é uma ordem por decifrar”.
“Quando morrer façam as estátuas que quiserem”
Uma das histórias mais deliciosas da vida de José Saramago, e que ainda poucas vezes foi contada, diz respeito à estátua que o escritor tem em sua homenagem, desde 2019, no centro da Azinhaga. Víctor Guia contou a O MIRANTE que não foi fácil convencê-lo da importância da escultura para o património da aldeia. “Estávamos em Lanzarote quando, à mesa de jantar, lhe perguntei se podíamos andar com a ideia para a frente. Respondeu-me prontamente: ‘pede-me tudo menos isso. Quando eu morrer, façam-me as estátuas que quiserem que eu já cá não estou para ver, mas enquanto for vivo, não”. Depois de dormir sobre o assunto e de ouvir mais alguns argumentos de Víctor Guia, Saramago concordou e a Azinhaga foi a primeira localidade a inaugurar uma estátua em sua homenagem, ainda por cima com a sua presença.