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Não faço jogos duplos e não tinha moral para pedir a Rui Rio que me salvasse outra vez
Duarte Marques acusa o presidente da distrital de Santarém do PSD, João Moura, de ter apunhalado pelas costas quem o convidou para vice-presidente da distrital

Não faço jogos duplos e não tinha moral para pedir a Rui Rio que me salvasse outra vez

Duarte Marques esteve fora da lista de deputados do PSD pelo distrito de Santarém em 2019. A distrital do partido quis afastá-lo do Parlamento mas num golpe de asa aquele que é um dos mais mediáticos deputados social-democratas conseguiu que o líder nacional o impusesse. Rui Rio, desta vez, já não quis engolir o facto de ter apoiado o seu rival Paulo Rangel nas eleições directas do partido e deixou-o afogar-se sem dó. Duarte Marques parece não fazer drama disso e revela que não tinha moral para voltar a pedir uma boia de salvação. Nesta entrevista, que começou atrasada porque esteve a tratar da sua vida para depois da Assembleia da República, a fazer um telefonema dentro do carro com uma empresa sérvia que anda atrás da sua experiência, diz que a visibilidade que conquistou criou ciúmes. Não tem pejo em dizer que a lista de que foi afastado tem uma nódoa que envergonha o partido e fala da ministra da Agricultura, como um embaraço e um erro de casting quando pela primeira vez o distrito de Santarém tinha alguém que podia fazer alguma coisa pelo sector. Não poupa umas indirectas ao líder distrital João Moura e seu colega no Parlamento e, de forma mais directa, acusa-o de fazer jogo duplo.

Quem é que não gosta de si na distrital para o afastar da ribalta política?

É uma prática reiterada que não me surpreende. O que é importante é que as concelhias e a população se revejam no meu trabalho. Mas é lamentável que tenham usado um argumento falso para me afastar da lista de deputados. Disseram que havia indicação da estrutura nacional do PSD para não me colocar. A situação foi desmentida pelo presidente no conselho nacional. Sair do Parlamento não é um drama. Faço dois mandatos e meio e saio sem qualquer mágoa e com o sentimento de dever cumprido.

A quem é que fez mal?

Não faço mal mas faço muita sombra. Há pessoas que não conseguem acompanhar o trabalho de outros e preferem não estar sujeitos a comparações. Fico satisfeito com a pessoa que entrou para o meu lugar, a vice-presidente da Câmara de Santarém, Inês Barroso, que é provavelmente a melhor pessoa da lista.

O presidente da distrital apoiou Paulo Rangel nas eleições internas. Porque é que Rui Rio teve de engolir o sapo de o ter na lista de deputados pelo círculo de Santarém?

João Moura é o único dos presidentes de distritais que apoiaram Rangel que tem lugar nas listas porque fez jogo duplo. Colocou o seu secretário-geral na campanha de Rui Rio e fez de conta que estava entre os apoiantes de Paulo Rangel.

Há falta de moral política de João Moura?

Quando se apoia dois candidatos ao mesmo tempo, sim! Mas tem o direito de ir na lista porque foi escolhido pelos órgãos próprios.

Ficou surpreendido com a posição do líder distrital?

Quando Nuno Serra se candidatou a presidente da distrital convidámos João Moura, que estava morto para a política, para fazer parte da estrutura. Foi vice-presidente e depois apunhalou pelas costas quem o convidou.

O que é que negociou com Rui Rio?

Não faço negócios desses. Na última assembleia distrital, no Cartaxo, quase me despedi portanto não tinha um objectivo concreto para continuar no Parlamento. Não fiz nada para ficar apesar de ter trabalhado bem nestes dois anos.

Se tivesse sido leal ao presidente do partido…

Lealdade ao líder do partido não é subserviência. Fui talvez um dos deputados mais leais ao presidente neste mandato, porque procurei ajudá-lo e quando o critiquei foi no sítio certo, fui frontal com ele e não andei a falar publicamente. E quando alguns ditos leais em algumas alturas se recusaram a dar a cara por propostas do presidente estive com ele.

O que é que o PSD lhe vai dar, onde é que o vai colocar?

O partido já me deu muito mais do que aquilo que alguma vez ambicionei. Eu é que devo ao partido, às pessoas. Só tenho que agradecer pela oportunidade de ter sido deputado. Agora vou fazer política fora do Parlamento e vou fazer coisas que não podia. Sempre recusei os convites que tive para trabalhar com empresas enquanto fui deputado e agora posso fazê-lo livremente. Posso dedicar-me mais à empresa de publicidade de que sou sócio, que não podia trabalhar com o sector público por ser deputado, e à organização que criei e que emprega quatro dezenas de pessoas em quatro países.

Ainda teve esperança de ficar na lista?

Não! Sei como é que as pessoas funcionam. Há casos mais graves do que o meu. Nas eleições anteriores o presidente do partido impôs o meu nome na lista porque sabia que grande parte do trabalho de oposição ao Governo era da minha lavra. Se todos tivessem feito o mesmo mais membros do Governo tinham caído. Pelo menos o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, saiu primeiro.

Porque é que Rui Rio não o repescou como da última vez?

Agora foi preciso colocar outras pessoas, foi preciso cumprir acordos que se fizeram. Mas agora também já não tinha moral para ir pedir ao presidente do partido para me salvar outra vez.

Os ciúmes da visibilidade e a desilusão com a forma como algumas pessoas vêem a democracia

O facto de ter conseguido ganhar muita visibilidade prejudicou-o dentro do partido?

Ter visibilidade cria muitos ciúmes. Por outro lado é útil. Porque quando falo as pessoas ouvem e isso é importante para ter influência. Veja o que aconteceu com a Central do Pego em que nada tinha sido acautelado. Comecei a falar alto e o Governo veio a correr anunciar uma série de coisas.

Já se sentia posto de parte na bancada do PSD na Assembleia da República?

Houve períodos de alguma desmotivação. Neste mandato era o único português representante no conselho da Europa que presidia a uma comissão. Substituíram-me sem me dizerem nada. Soube por uma deputada do PS.

Pelos vistos criou inimizades dentro do partido.

As pessoas que têm opinião própria criam sempre anti-corpos. Sou militante activo, tenho um passado no PSD, estarei presente nos eventos do PSD, mas há que dar oportunidade a outros. Não tenho de fazer política sempre no Parlamento.

Está chateado com o partido…

Estou desiludido com algumas pessoas pela forma como vêem a democracia e a política. O PSD é forte porque é eclético, porque junta todos. As pessoas que não percebem os partidos não percebem estas coisas. Os partidos são formados por pessoas que pensam de forma a resolverem os problemas da sociedade. Quando um líder de um partido faz uma lista só com pessoas que pensam da mesma forma não está a fortalecer o partido. A democracia é escolher uma estratégia.

As eleições no PSD vieram em má altura?

As eleições fortaleceram muito o partido. De outra forma o partido não tinha tido um mês de destaque nas televisões a apresentar-se como alternativa a António Costa. O presidente do PSD saiu muito mais fortalecido para as eleições legislativas.

Vai tentar influenciar uma mudança na distrital de Santarém?

As distritais só mudam se os militantes quiserem. Não mudo de opinião de há um mês para cá. Não sou sectário e sei reconhecer as qualidades dos outros. Não posso ser candidato a nada só porque não estou na lista de deputados. Isso é um absurdo. Não é uma pessoa sozinha que muda tudo.

Mas está satisfeito com o rumo do partido na região?

A distrital, de alguma forma, adormeceu um bocadinho. Deixou de ter tanto activismo político como já teve. Ao dizer isto estou a ver se consigo espevitar as pessoas para trabalharem mais. Não basta estar no Facebook. Não está no meu horizonte mais próximo ser presidente da distrital. Se quisesse ser já poderia ter sido. As pessoas às vezes não percebem que estamos na política de passagem, não temos de estar sempre em cargos políticos.

Não estar na política de passagem soa a frase feita…

O problema é que há muitas frases feitas que são ditas por pessoas que não as sentem. É como os que falam de ética e de Sá Carneiro e só fazem disparates. Há muita gente que nem sequer sabe quem foi Sá Carneiro, nunca leu nada dele e usam as suas frases em vão. Não se pode querer dar banhos de ética quando se protegem coisas que eticamente são reprováveis. Temos de ser autênticos. As pessoas já não compram candidatos como compram sabonetes.

Sente-se como o deputado que mais defendeu o distrito de Santarém?

Não escolhi um tema para falar do distrito. Não andei só preocupado com um aeroporto em Tancos. Agarrei nos temas que tinha de agarrar, que eram meus, e nos outros em que ninguém agarrava. A Isaura Morais fez um trabalho fantástico na área da descentralização do poder local no Parlamento. O João Moura, ao seu estilo, tem feito um trabalho importante na defesa da agricultura e do mundo rural.

O que é que conseguiu efectivamente resolver?

Infelizmente, quase nada para as ambições que tinha. Com este Governo o distrito de Santarém foi tão mal tratado e apesar das nossas denúncias não conseguimos que percebesse que tinha de resolver o problema da ponte da Chamusca, que tinha de fazer a variante da linha do Norte, que tinha de trazer mais investimento. Conseguimos resolver a questão da residência de estudantes da Escola de Desporto de Rio Maior.

A sua visibilidade não foi suficiente ou o PS não vos liga?

O PS, em primeiro lugar, é incompetente. Depois só faz de conta que está preocupado com o distrito e os socialistas desta região não têm força. Só conseguimos mudar alguma coisa quando estamos no poder e foi assim que o distrito teve bons investimentos quando o PSD foi governo. Conseguimos aprovar coisas na Assembleia da República que depois o Governo PS não respeita, não faz, não leva a sério.

E os autarcas socialistas?

Salvo raras excepções, também não se conseguem impor no partido.

Dinheiro da bazuca não vai beneficiar distrito de Santarém

Esta região vai beneficiar muito com a chamada bazuca?

Não se vai aplicar praticamente ao distrito de Santarém. Infelizmente, em termos de fundos comunitários, o Governo tem cometido muitos erros que prejudicam o distrito. Santarém era o único concelho do país que não tinha ajudas à criação de emprego durante a pandemia. Porque o Governo se esqueceu de abrir para aqui o que abriu para o resto do país. A situação resolveu-se porque o PSD denunciou.

Mas os milhões do Plano de Recuperação e Resiliência vão mudar o país?

Temos uma taxa de execução baixa em relação aos fundos comunitário do PT 2020. Ainda temos nove mil milhões para gastar. Vamos receber da bazuca, só em fundos líquidos, quase 15 mil milhões e mais 25 mil milhões do PT 2030. O nosso problema é a incapacidade de execução porque, por exemplo, o Governo não adaptou o IAPMEI para dar resposta a candidaturas das empresas. As estruturas do Estado estão a atrasar a aplicação dos fundos comunitários, por incapacidade.

É uma questão de falta de pessoal?

Não só. Há muita gente no Estado que não faz falta nas funções em que está e faz muita falta noutras. É isto que o Governo não tem capacidade de resolver porque tem uma política mais de agendas do que de reformas estruturais. O medo de mudar é que prejudica o país.

Está muito pessimista quanto à aplicação do dinheiro que vem para Portugal.

A bazuca serve para fazer investimentos que o país, sozinho, não conseguia fazer, para gerar riqueza, para gerar qualidade de vida e fortalecer as empresas. Mas o Governo usa a bazuca para financiar aquilo que não financiou durante cinco anos, para pagar despesas correntes e criar mais um conjunto de elefantes brancos.

No distrito de Santarém em que é que aplicava o dinheiro?

Nos acessos ao EcoParque do Relvão na Chamusca. Para unir algumas auto-estradas que não estão ligadas, para fazer o Projecto Tejo de modo a aproveitar melhor a água do Tejo e melhorar a agricultura. Também faz sentido fazer a variante da linha do Norte em Santarém, até do ponto de vista da segurança.

O que é que o Poder de Lisboa tem contra esta região?

Recordo que o Governo desviou cerca de três mil milhões de fundos comunitários destinados às regiões do interior para Lisboa e para o Porto. António Costa excluiu o distrito de Santarém de muitos investimentos. O distrito está muito adormecido e não pode ser só um galo a cantar. Tem que haver mais gente a dar a cara pela região.

Ministra da Agricultura é uma desgraça e PS da região limita-se a desculpar o Governo

Quem é que tem de puxar pelo distrito?

Fiz o que pude. Os deputados do PS têm uma responsabilidade especial porque quando o partido é Governo têm maior capacidade de influenciar. Infelizmente os socialistas da região não têm conseguido fazê-lo. Não têm força política. Os deputados da região precisam de ter mais peso junto dos seus partidos.

O caso do deputado mais antigo do PS, António Gameiro, suspeito de corrupção, também não ajuda.

Não sei se ele alguma vez teve alguma força no partido ou para influenciar António Costa. O que se conhece da cabeça-de-lista do PS por Santarém são promessas. Estão todas por cumprir. Este Governo cede muito à pressão e muita coisa que corrigiu foi com a pressão do PSD. Os deputados do PS têm a obrigação de exigir investimento mas os socialistas da região passam mais tempo a desculpar o Governo do que a obrigá-lo a fazer.

Mas o distrito tem no Governo a ministra da Agricultura que é de Abrantes.

Maria do Céu Antunes é a pior ministra de sempre na área da agricultura. É um embaraço para o distrito. É a primeira vez que o distrito, para o qual é tão importante a agricultura, tem alguém a dirigir o ministério, e falhou, deixa muito a desejar, é uma desgraça. É um monumental erro de casting.

A defesa do distrito está nas mãos do líder distrital do PSD?

O João Moura, se quiser, pode ter muito mais força pelo distrito do que tem. Resta saber se está disposto a trabalhar para isso. Tem mais qualidade e mais rasgo do que o líder distrital do PS. Agora, Hugo Costa é muito trabalhador.

João Moura trabalha mais em prol de outros interesses?

Não tenho de fazer essa avaliação.

Rui Rufino é um embaraço para o partido

Na lista vai um candidato, Rui Rufino, que não tem qualquer referência política na região nem se conhece o que é que já terá feito em prol do partido.

Há pessoas que não sabemos o que valem, que as pessoas não conhecem, mas que têm qualidade e que se vão revelar, como é o caso de Inês Barroso (vice-presidente da Câmara de Santarém). E há os que sabemos demais e que são um embaraço para o PSD irem em qualquer lista.

O Rui Rufino é um erro de casting?

É um caso inenarrável, que embaraça o partido.

Ele integra a lista de deputados por ser o homem de mão de João Moura?

Sim, dele e do Salvador Malheiro.

Quer dizer que Rui Rio não consegue limpar a casa?

Um presidente quando é eleito tem espaço para limpar a casa, para ter força, mas no caso concreto devia ter essa força e unir o partido porque os melhores do PSD estão dos dois lados, o do Rio e o do Rangel.

Mas se é um embaraço porque é que está numa lista de deputados?

Porque as pessoas não sabem o que ele vale na sua terra, ou não querem saber, ou por compromissos assumidos. O que se vê é que o aparelho de Rio funcionou melhor. Nestas eleições legislativas tenho uma vantagem, vou votar em Loures, pelo distrito de Lisboa, porque há seis meses mudei a minha residência.

Se ainda votasse no círculo de Santarém iria votar contrariado?

Votava mal disposto pela lista, mas votaria sempre PSD. Quando estou a votar sei que é para escolher o primeiro-ministro e, em comparação com António Costa, Rui Rio é melhor, pelo menos é mais sério. A maioria da lista é boa, tem é uma ou duas nódoas.

“Estava estagnado no Parlamento”

O que é que anda à procura para a sua vida?

Tenho alguns projectos pessoais que agora vou poder desenvolver. Já tive dois convites de empresas grandes. Sempre ajudei muitas empresas quando era deputado e nunca aceitei nada, cargos ou convites para fazer consultoria. Era deputado em exclusividade e não fazia de conta que era. Posso abrir agora uma ou duas empresas em áreas específicas de consultadoria.

Isso de ser consultor dá para tudo, é uma forma suave de se dizer que se utilizam influências e uma rede de contactos…

É fazer propostas, apontar caminhos e mostrar como se podem fazer projectos. As empresas portuguesas não sabem perceber antes dos outros o que se vai passar em termos de legislação europeia, por exemplo. Precisam de alguém que mostre como se pode prever, como se pode influenciar…

A política abre muitas portas para os negócios.

Para quem as quer abrir. Recusei muita coisa. É normal que os deputados tenham que ir trabalhar quando deixam os cargos. Comecei a vacinar cabras quando estava a estudar, já estacionei carros, já tive uma empresa com o meu irmão, já ajudei muitas empresas gratuitamente. Agora posso e devo ir trabalhar. Estava estagnado no Parlamento, não era coordenador de nada. Se não agarrasse alguns temas para os valorizar eles não me vinham parar às mãos.

Não faço jogos duplos e não tinha moral para pedir a Rui Rio que me salvasse outra vez

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