Hospital de Santarém e médico absolvidos de pagarem 750 mil euros a doente
Ao fim de sete anos o Tribunal Administrativo de Leiria considera que o Hospital de Santarém e um médico das urgências não violaram qualquer dever de cuidado absolvendo-os de indemnizarem um utente, de Fazendas de Almeirim, que ficou cego.
Dois dias depois de se ter queixado de dores no olho direito e de ter sido mandado para casa com uma pomada o Hospital de S. José diagnosticou-lhe um corpo estranho na vista que não tinha sido detectado quando foi pela primeira vez às urgências de Santarém. O queixoso está a ponderar se vai recorrer.
O Hospital de Santarém e um médico foram absolvidos de pagar 750 mil euros a um doente de Fazendas de Almeirim que foi às urgências com dores no olho direito, numa altura em que não havia oftalmologistas no hospital, e que acabou por ficar cego da vista direita. Manuel Rebelo dizia que não tinha sido bem atendido porque não lhe detectaram um corpo estranho na vista, que viria a ser verificado dois dias depois no Hospital de S. José em Lisboa, para onde foi transferido na segunda vez que recorreu às urgências de Santarém. O Tribunal Administrativo de Leiria, que julgou o caso passado sete anos, considera que das perícias, documentos e testemunhos não é possível afirmar que a perda de visão tenha acontecido por alegada falta de cuidados médicos.
O então administrador do hospital, José Josué, substituído em 2018, disse na altura que o doente não soube explicar-se bem e que foi bem atendido apesar de admitir que não havia oftalmologistas ao serviço. O tribunal, que também considera não ter havido negligência, concretiza que não ficou provado que o doente tenha explicado na urgência que tinha estado a fazer trabalhos agrícolas e que se tenha queixado de dores fortes e perda de visão.
Refere a sentença que “o autor não demonstrou ter explicado as circunstâncias em que ocorreu o traumatismo ocular”. E que “perante os sintomas descritos de dor moderada, sem compromisso de acuidade visual”, o primeiro médico que o atendeu nas urgências, não tendo visto qualquer corpo estranho, procedeu à lavagem do olho e à aplicação de uma pomada, considerando que “não é possível concluir pela violação de qualquer dever de cuidado”. O tribunal refere ainda que o doente na altura “ainda não tinha o olho infectado” e que lhe foi recomendado que regressasse ao hospital em caso de agravamento da situação.
No entender do tribunal, mesmo que o primeiro médico que o atendeu tivesse identificado um corpo estranho no olho, não seria certo que tivesse sido submetido imediatamente a uma intervenção cirúrgica. E acrescenta que mesmo que existisse um oftalmologista de serviço no hospital e que tivesse sido operado nas primeiras 24 horas não seria certo que se evitassem as complicações que levaram à perda de visão. O tribunal conclui que “a verdade é que” o doente não demonstrou quaisquer factos concretos que se insiram nos conceitos de “culpa grave ou dolo”.
Manuel João Rebelo tinha na altura 35 anos e era tractorista. O acidente aconteceu a 29 de Dezembro de 2015 quando estava a cavar na horta adjacente à sua casa e sentiu algo a bater na vista. No dia 31, no Hospital de S. José, para onde foi transferido após recorrer novamente às urgências do Hospital de Santarém, foi diagnosticado com corpo estranho intraocular, tendo sido administradas injecções e tendo sido operado no dia 6 de Janeiro de 2016. Foi sujeito a nova cirurgia a 6 de Junho e um mês depois teve de ser novamente intervencionado devido ao deslocamento da retina.
Manuel Faustino Silva, advogado de Manuel Rebelo, disse a O MIRANTE que o possível recurso desta decisão está a ser ponderado.