O Código do Trabalho
O Código do Trabalho é um documento profundamente desequilibrado, muitas vezes contraditório, labiríntico, inextricável, ininteligível, quase esotérico e, deste modo, impraticável. Por conseguinte, de impossível aplicação por parte das PME. Na verdade, não tenho qualquer dúvida que nenhuma PME portuguesa o conseguirá aplicar na íntegra.
Foi publicada a enésima alteração ao Código do Trabalho – Lei 13/2023 -, ferramenta imprescindível no quotidiano de quem trabalha, quer sejam trabalhadores, quer sejam empresários. Desregradamente, diz quem julga que sabe, que se insere na agenda do trabalho digno. Desregramento de linguagem própria de prestigiadores. Denomina-se de trabalho digno a um conjunto de enxertos num diploma cada vez mais indecifrável, não se mexendo, porém, uma palha na preservação da vida de quem trabalha.
Sim, uma vez mais, o legislador - essa eminência parda que serve de álibi para ministros, chefe de Governo e deputados -, “esqueceu-se” de reestruturar todo o conjunto dos diplomas de segurança e saúde no trabalho. Mais homens que mulheres morrem que nem tordos a trabalhar em Portugal, mas a hipocrisia de quem manda deixa incólumes leis decrépitas que poderiam preservar vidas. Muda-se o Código, mas não se toca na segurança e saúde. Acresce ainda que se altera constantemente o Código do Trabalho, sem se proceder previamente à sua avaliação, não se querendo compreender, nem os efeitos da sua aplicação, nem o grau de adesão de trabalhadores, empresas e tribunais. Ou seja, modificam-se artigos sem que os mesmos tenham ainda sido minimamente assimilados. Transmite-se insegurança e incerteza ao mundo do trabalho. Navega-se, pois, ao sabor do vento e das circunstâncias de cada momento, sem rumo e sem rigor. Ora, a estabilidade é mister para estímulo do investimento, seja ele interno, ou externo.
Ainda não se tinham deglutido os efeitos da última alteração, quando o Dr. Costa procede a nova modificação, sempre com o intuito de ficar na fotografia. Afinal, é necessário deixar um traço indelével na história… Neste caso, trata-se de um traço globalmente disparatado, que traduz um desconhecimento das rotinas da vida concreta cotidiana de quem tenta sobreviver o melhor que pode.
Hoje em dia o Código do Trabalho é um documento profundamente desequilibrado, muitas vezes contraditório, labiríntico, inextricável, ininteligível, quase esotérico e, deste modo, impraticável. Por conseguinte, de impossível aplicação por parte das PME. Na verdade, não tenho qualquer dúvida que nenhuma PME portuguesa o conseguirá aplicar na íntegra. Existem matérias que necessitariam de um hercúleo curso intensivo de Direito do Trabalho para empresários e trabalhadores. Quem se vai ficar a rir são os ilustres jurisconsultos que, cada vez mais, são os descodificadores – muitas vezes sem sucesso – dos hieróglifos semânticos que constituem o actual acervo do Código laboral português. Não há hermenêutica que resista a um documento cada vez mais impossível de entender.
Por último, não admito que se denomine de trabalho digno nuvens de fumo que escondem a ignomínia de não se renovar a legislação de segurança e saúde no trabalho: o regime jurídico da segurança no trabalho está remendado, ultrapassado e ninguém se importa; temos um regulamento de segurança na construção de – pasme-se – 1958 e morrem todos os meses seres humanos nas obras em Portugal; devido à omissão do Governo, até o rato Mickey pode ser coordenador de segurança na construção civil; etc, etc. Deprimente e desanimador, é termos um Governo e parceiros sociais que enchem a boca com o trabalho digno, mas que se recusam a garantir a segurança e a vida de quem trabalha, esquecendo-se que a primeira e mais imediata exigência da dignidade humana é o respeito pela vida.
Os cadáveres não têm salários em atraso.
P.N.Pimenta Braz