A missão de uma Santa Casa
Ao contrário das autarquias, uma misericórdia pode falir, pelo que deverá depender cada vez menos de legados e doações rentabilizando o seu património. A função da misericórdia não é promover espectáculos, não é ter museus, não é dar circo é dar pão e carinho a quem precisa.
A mesa da Misericórdia de Santarém pretende construir uma (nova) unidade de cuidados continuados, uma nova ERPI (lar) em S. Domingos, um museu. Intervir na praça de toiros, garantir a abertura de um centro de acolhimento de emergência social. Valorizar o património com “estudos, investigações e publicações”. Criar um prémio escolar para os filhos dos colaboradores e “rentabilizar os imóveis que estão na posse de Misericórdia em benefício da população”. Não tenho por hábito vir a público comentar instituições a que pertenço, contudo, a forma de campanha do tipo autárquico que foi feita leva-me a abrir uma excepção. Na assembleia de apresentação de contas tomámos conhecimento que a situação financeira é muito grave. O passivo foi resolvido pela alienação de património e pelo consumo das doações. Em vez de aumentar a sua independência financeira, a Misericórdia tem vindo a reduzi-la e a delapidar património. A posição da nova mesa mostra estar a viver uma realidade alternativa. Não compete à Santa Casa dar circo, mas pão, as estruturas que não estão afectas ao seu “core business” servem exclusivamente para angariar fundos para este. A unidade de cuidados continuados dá prejuízo. Agora pretendem aumentá-la em vez de equacionarem o seu fecho? Se um membro está infectado, ou se trata ou terá de ser cortado, para não infectar o resto do corpo. 60% da população portuguesa vive de apoios. É pobre. Vivemos tempos conturbados com uma inflação não controlada, juros altos, e instabilidade global. Os projectos feitos até aqui não têm adesão à realidade. Não são rentáveis, não foram desenvolvidos pelo lado da rentabilidade do espaço. Ao contrário das autarquias, uma misericórdia pode falir, pelo que deverá depender cada vez menos de legados e doações rentabilizando o seu património. A função da misericórdia não é promover espectáculos, não é ter museus, não é dar circo é dar pão e carinho a quem precisa. Edifícios como o antigo hospital (conventos) têm sido adaptados para hotéis, de luxo, certamente podem ser adaptados para um lar. Das 14 obras de misericórdia, apenas 5 implicam custos e mesmo assim…dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir os nus; dar pousada aos peregrinos, assistir aos enfermos. As restantes são intangíveis: Visitar os presos, enterrar os mortos, dar bons conselhos, ensinar os ignorantes, corrigir os que erram, consolar os tristes, perdoar as injúrias, sofrer com paciência as fraquezas do nosso próximo, rogar a Deus por vivos e defuntos. As propostas apresentadas ignoram estas máximas “constitucionais”
António Rocha Pinto.