O rock com uma costela ribatejana
O rock não está velho nem passou de moda, mas atravessa um momento de menor fulgor. No dia 13 de Julho celebrou-se o Dia Mundial do Rock. Um pretexto para falar com uma lenda viva da música nacional de nome José Cid; com Carlos Moisés, carismático vocalista da banda tomarense Quinta do Bill; e com uma jovem banda que venceu o concurso de bandas de Alverca e que quer singrar no mundo da música, os Gravity Trail.
José Cid: a “mãe do rock português” não se cansa de criar música
O rock nasceu ligado à electricidade e associado a uma ideia de rebeldia e de corte com normas e estéticas estabelecidas. As guitarras eléctricas foram armas por excelência dessa revolução nascida em meados do século XX e que em Portugal teria o seu ‘boom’ no início da década de 80. Mas muitos anos antes disso já os pioneiros desbravavam caminho. Um deles foi José Cid, lenda viva da música portuguesa que cruza estilos e atravessa gerações nunca renegando o rock como base genética, ao ponto de há uns bons anos se ter intitulado como “a mãe do rock português”. Uma alusão irónica e bem humorada em resposta à rotulagem de Rui Veloso como o pai do rock português, por ter desencadeado a explosão do rock português com o seu álbum “Ar de Rock”, editado em 1980.
Nesse ano José Cid cantava no festival Eurovisão o popular tema “Um grande grande amor”, mas para trás já tinha um currículo ligado ao rock, nomeadamente no mítico Quarteto 1111, criado na década de 60, e na década seguinte com o álbum “10.000 anos depois entre Vénus e Marte” - uma pérola para os amantes do rock progressivo, que agora vai ter edição em vinil de um concerto ao vivo com orquestra sinfónica. Também este ano, José Cid vai avançar com a reedição do álbum “Camões, as descobertas e nós”, com participações de Jorge Palma, Carlos do Carmo, Pedro Caldeira Cabral, Rita Guerra, entre outros.
O artista natural da Chamusca continua a fazer rock e essa corrente musical está bem patente no álbum a sair em Setembro, intitulado “Depois logo se vê”, e na música “Gota de Água”, que mistura a sonoridade rock com a música popular e cujo vídeo foi gravado na Chamusca. E José Cid continua a sentir-se a mãe do rock português? “Completamente, porque o pai é discutível. Fui um dia destes ouvir o dito pai do rock português e aquilo é tão morno, é só baladinhas…”, responde com ironia, referindo-se a Rui Veloso, o criador de Chico Fininho.
Hoje, as gerações mais novas ouvem sobretudo estilos de música que pouco ou nada têm que ver com o rock, mas José Cid rejeita que o rock esteja a ficar velho e a passar de moda. E até diz que os seus concertos hoje são muito mais ‘rockeiros’, para combater uma certa tendência musical que por aí medra. “De há uns cinco ou seis anos a esta parte, a moda em Portugal são umas jovenzinhas de 20 anos todas a chorarem porque foram abandonadas pelo namorado e os jovenzinhos de 15 e 16 anos a guincharem à frente delas. O meu concerto passou a ser muito mais rockeiro a partir do momento em que a tendência passou a ser esta choradeira”, diz.
O músico, compositor e artista não hesita em rotular como artificial muita da música que hoje se faz à sombra das grandes multinacionais. E vinca: “O rock, o jazz e os blues são as únicas formas musicais mundiais que prescindem de playbacks, de loops, de tudo isso que é artificial na música”. Por isso diz que as novas gerações estão “muito mais próximas do ‘fake’ do que da realidade das coisas, que é os cantores a cantarem sem artifícios e os músicos a tocarem sem artifícios”.
Sempre com o Ribatejo no coração, José Cid vai dar um concerto em Marinhais em Agosto e recorda os concertos “fantásticos” que deu em Coruche em 2023 e em Abrantes em 2022. Reconhece que a Chamusca natal é uma fonte de inspiração, “terra de gente simpática” mas onde o poder local parece tê-lo esquecido. O ano passado sentiu-se “trocado” pela cantora Rosinha na Semana da Ascensão e este ano diz que nem sequer foi abordado. “E Santarém também não me conhece”, critica.
Quinta do Bill: de Tomar para o mundo com muito orgulho
A Quinta do Bill nasceu há 37 anos com o nome inspirado na quinta de Valdonas, nos arredores de Tomar, onde o grupo ensaiava, e na alcunha (Bill) do dono da propriedade. Carlos Moisés, vocalista e um dos fundadores da banda, assume o apego às raízes com orgulho e refere que Tomar tem sido sempre fonte de inspiração. “É o nosso berço e a prova disso é que temos muitas canções com títulos alusivos a Tomar, tais como Saída de Coroas, Gualdim Pais, Anoitece no Mouchão... Assumidamente, a Quinta do Bill tem muita honra nisso, somos primeiramente de Tomar, depois do Médio Tejo, do Ribatejo, de Portugal inteiro e do mundo”, diz o carismático músico e cantor.
O grupo funde o rock com a folk e a pop, gerando uma sonoridade inconfundível. Carlos Moisés reconhece que o rock não atravessa um momento de grande fulgor mas acredita que se trata de um fenómeno cíclico ditado por modas. “Estou convencido que o rock vai voltar em força. Neste momento a expressão do rock não é tão forte perante os mais novos, há outros estilos que estão mais em voga”, admite. Pela parte que lhes toca, diz que não têm razões de queixa e que as plateias nos seus concertos são multigeracionais, juntando pais, filhos, avós e netos.
Carlos Moisés considera que actualmente as atenções mediáticas e as tendências estão mais viradas para os cantores, para os artistas a nível individual, em detrimento do formato grupo. Reconhece que muitos músicos mais novos vão inspirar-se a estilos já passados que acabam por pegar e acredita que com o rock, nas suas variantes mais leves e mais pesadas, vai acontecer o mesmo. “Estou convicto que o rock vai voltar em força”, reforça.
A Quinta do Bill tem uma canção nova – A Saudade Aperta – e convida o público a ouvir e divulgar. É uma canção “meio balada” criada por Tiago Nogueira, dos Quatro e Meia, que Carlos Moisés rotula como “um grande compositor e letrista da nova geração”. Quanto ao futuro, Moisés diz que ainda lhe falta fazer muita coisa na música. “E como a velha máxima diz que isto de fazer música é 90% transpiração e 10% inspiração, enquanto houver saúde e energia cá estaremos aos pulos e a fazer a festa com as pessoas”, remata.
Gravity Trail: a luta contra o rock asséptico
Num registo jovem e a começar a fazer o seu caminho no mundo do rock estão Luís Macara, Jorge Carvalho e João Romão, os membros dos Gravity Trail, banda vencedora da segunda edição do Alverca Band Fest, o único concurso de bandas actualmente promovido na região. A banda dos três jovens, que são oriundos da Área Metropolitana de Lisboa - um deles vive em Santa Iria da Azóia, às portas da Póvoa de Santa Iria - só toca originais e o melhor single para os conhecer chama-se “To Untie the Knot” e está disponível em todas as plataformas de streaming. A banda começou em 2020 poucas semanas antes da pandemia fechar toda a gente em casa e um dos ideais da banda é dar um novo som ao rock fintando o normal e o convencional. Um exemplo disso é a sua formação, com um baterista, um vocalista que também executa teclas e um baixista que é também o guitarrista de serviço.
Entre as suas inspirações está o prog-rock dos anos 70, incluindo José Cid e o Quarteto 1111, Pink Floyd, Emerson, Lake & Palmer ou Genesis. “Na altura não havia Internet mas havia a cultura de ir a concertos ver pessoal novo original, algo que falta hoje em dia e impede bandas originais de progredir porque não lhes é dado espaço para se mostrarem”, lamenta Luís Macara a O MIRANTE, elogiando o concurso de bandas promovido pela Junta de Freguesia de Alverca e Sobralinho. “Se o trabalho for bom mas não tivermos oportunidade de o mostrar é irrelevante”, defende o grupo.
Para os Gravity Trail o rock não está velho nem acabado mas sofre de um problema de saturação devido à quantidade de música existente na Internet. “Por um lado é bom qualquer pessoa poder fazer a sua música e meter online. Mas acaba por se tornar num mercado tão infinito online que é difícil alguma coisa sobressair. Acabamos depois, todos, por sofrer de algoritmos e ouvimos o que eles escolhem”, lamentam. A rebeldia do rock continua mas precisa de uma lufada de ar fresco e projectos diferentes. “O rock não precisa de ser asséptico e perfeito, tem de ser sujo e rebelde, ter energia”, defendem os músicos, lembrando que a inovação ainda é possível e que cabe às novas gerações fazer essa mudança.