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“Andava três quilómetros depois da escola e fazia os deveres no meio do campo”

“Andava três quilómetros depois da escola e fazia os deveres no meio do campo”

Anabela Catalão, directora pedagógica do centro de estudos Class 20 em Almeirim.

Diz que a sua infância e adolescência não foram fáceis e que o seu Atelier de Tempos Livres eram as propriedades onde os pais trabalhavam. Não tinha televisão em casa e não podia brincar com os raros brinquedos para não os estragar. Lamenta haver tantos jovens desmotivados e crianças perturbados numa altura em que há muito mais apoio e mais facilidades.

Vivi a minha infância e adolescência em Alpiarça num ambiente de muita austeridade. Era tolerância zero. Não havia nenhuma flexibilidade. O guarda-roupa era parco e censurado. As saídas controladas. A rádio era a relíquia da casa. Convinha dominarmos o que se passava no país. Para isso, noticiários, relatos de futebol ou “Parodiantes de Lisboa” eram escutados sentada à mesa em silêncio.
O meu atelier de tempos livres eram as propriedades da família. Depois da escola andava três ou quatro quilómetros a pé até lá, fizesse sol ou chuva. Era lá que fazia os trabalhos de casa, brincava e aprendia a arte de lidar a terra. Como tinha poucos brinquedos e esses estavam guardados ou expostos nos móveis para não se estragarem, brincava com os paus, as vides, as folhas, as cepas, as árvores e o milho.
Não tínhamos televisão e à noite ficava de livro à frente, muitas vezes a pender sobre ele. Acordava com a mão do meu pai na minha cabeça. Sempre que errava alguma resposta era “afagada” sem dó nem piedade. Qual psicologia, qual pedagogia? Na altura, Piaget cedia lugar ao Marx e Lenine, as grandes referências da cultura e de conhecimento na terra.
A leitura resumia-se ao jornal do “Avante” do Partido Comunista e aos livros da escola. Os romances eram proibidos pelo meu pai porque falavam de amor ou despertavam sentimentos não apropriados a raparigas adolescentes.
O meu dia-a-dia é longo em horas mas curto no cumprimento dos objectivos. Diariamente, a alvorada dá-se às 06h35 porque faço questão de abrir as portas aos primeiros meninos que chegam às 08h00. Depois o dia desenvolve-se mediante a agenda: reuniões, preparação de aulas, formação, voluntariado, participação em projectos e outros trabalhos sempre relacionados com a grande temática: ensino ou formação.
Após esta maratona do trabalho começa outra em casa a tratar das ovelhas e cães. Segue-se o contacto com os filhos para se ter conhecimento da caminhada deles. Perto das 23h00, chega o momento da reflexão. Agradecimento por mais um dia com a esperança do dia seguinte ser melhor.
Na Class 20 não sentimos que os pais “despejem” os filhos por falta de tempo. Há pais com maior ou menor disponibilidade para os filhos. E quando assim é, sentimos a necessidade dos pais nos procurarem para os ajudar na orientação e protecção dos seus filhos durante o tempo que estão fora, por acaso são a maioria. Somos uma família, promovemos a confiança e a maior tranquilidade possível.
Sou uma defensora da escola pública e há boas escolas públicas. A escola deve servir e incluir todas as crianças, da melhor forma, independentemente do estrato social, cultural, género, religião ou etnia. Pessoalmente, acho que está a faltar marketing nas escolas, tal como a criação de sinergias com a comunidade.
A economia portuguesa começa a dar sinais de vida. Surgem muitas “startups”, há mudança de pensamento estratégico adaptado à realidade actual. A isso acresce o decréscimo do desemprego e a reconversão de algumas empresas. Ao nível da sociedade o que vejo são grandes contrastes. Há mais estabilidade familiar mas há ainda muitas crianças com perturbações e jovens desmotivados e com falta de objectivos, o que não se compreende quando eles têm mais apoios e facilidades.
Nunca assisti a uma tourada. Não sou aficionada e recuso-me a estar presente num local em que os animais sofrem para dar prazer ao homem. Sei que este assunto é polémico e que quem manda é a maioria. Os grandes espectáculos são feitos para os grandes públicos. Logo, se as corridas despertam interesse e fazem acorrer muita gente será difícil acabar com elas. Ainda por cima têm a ver com a nossa cultura ancestral.
Acho que fazem falta mais mulheres na política. As mulheres são mais criativas, polivalentes e boas comunicadoras. Eu não me vejo na política nem me reconheço competências para tal mas gosto de política. Aprecio bons políticos, dotados de competências e com capacidade de liderança. Políticos com vontade de fazer acontecer. As qualidades que mais aprecio nas pessoas são lealdade, sinceridade, positividade, resiliência, polivalência, criatividade e bom sentido de humor.

“Andava três quilómetros depois da escola e fazia os deveres no meio do campo”

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