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Receber dinheiro para comer

Em Torres Novas a estudar o paladar dos portugueses

Há um local em Torres Novas onde as pessoas são pagas para comer. Chama-se Laboratório de Estudos de Higiene Alimentar (LEHA) e faz o que chamam de análise sensorial de vários produtos alimentares que se vendem nos super e hipermercados de Portugal. Para dar trabalho às papilas gustativas de 15 em 15 dias as cerca de 300 pessoas inscritas recebem 2,5 euros para gastar no supermercado Intermarché da cidade.

Na pequena sala de espera do primeiro andar do Edifício Santa Isabel, em Torres Novas, três pessoas esperam para serem chamadas, não para uma consulta médica, mas para provar comida e serem pagas por isso. Sim, leu bem, ali come-se e ainda por cima recebe-se dinheiro por isso. Uma técnica de bata branca aparece com uma lista na mão. “Espere um bocadinho que o seu vale vai já ser entregue”, diz para uma provadora que já fez o gosto às papilas gustativas. O vale de compras, no valor de 2,5 euros (500 escudos) é a recompensa pelo trabalho de provar a comida e é para ser gasto no Intermarché de Torres Novas. A técnica do laboratório trata as pessoas pelo nome e para quem vai pela primeira vez explica sumariamente o que há a fazer - basicamente provar dois ou três alimentos idênticos mas de marcas diferentes e preencher um questionário onde se pede uma avaliação do aspecto dos produtos e uma apreciação global sobre os mesmos.É-se então encaminhado para uma outra sala, dividida em pequenos compartimentos a lembrar as cabines telefónicas. Cada provador senta-se na sua cabina, onde uma garrafa de água e um copo de plástico pousam já sobre a bancada e aguardam que venha a comida, trazida em carrinhos semelhantes aos que levam as refeições aos doentes dos hospitais.“Hoje vamos provar feijão branco e sardinha em tomate picante”, anuncia a técnica. O petisco poderia ser melhor mas, como se costuma dizer, “a cavalo dado não se olha o dente”. E se até dão dois euros e meio para comer, não há que hesitar. A portinhola da cabina abre-se e a funcionária deposita três pratinhos de plástico contendo cada um uma dúzia de feijões manteiga. Saboreado o manjar faz-se a apreciação global no questionário, tipo americano, anteriormente entregue. A apreciação global dos feijões, não identificados pela marca, é então feita numa escala de 1 (desgosto extremamente) a 9 (gosto extremamente).O prato de feijões com o número 069 era francamente o pior. Os feijões não estavam bem cozidos e tinham um sabor esquisito. O número 921 continha uns feijões com uma cor estranha, demasiado escura para feijão, mas o paladar não era mau. Definitivamente o melhor feijão era o que estava no prato número 560.Preenchido o questionário é altura de abrir a portinhola, sinal de que se está pronto para receber o próximo produto. Venham daí as sardinhas em tomate picante, à falta de melhor para o lanche. Seis lombinhos de sardinhas, dois em cada prato, são postos na bancada, à espera de serem devorados. “Irra que estas são picantes. Oh vizinha, consegue comer a número 508?”, perguntava uma das comensais, de meia idade, para quem estava na cabina ao lado. “Bem que nos podiam dar um pãozinho para acompanhar”, queixava-se outra. Pagos para comer e ainda refilam...ai estes portugueses.Confesso que sardinhas em tomate não é o meu forte e por isso não me prenuncio sobre qual delas era mais apetitosa. Mas posso comprovar que de uma das vezes que meti o garfo à boca fiquei com a língua tão picante que bebi mais de meio litro de água.O trabalho dos provadores termina depois de retirados os pratinhos da segunda degustação. “A que horas é que lhe dá jeito vir na próxima sessão”, pergunta a técnica, adiantando que o vale da prova está disponível dentro de dois dias. E olhando para a cara da provadora, ainda vermelha por causa do picante da sardinha do prato 508, diz brincalhona – “pode ser que da próxima tenha mais sorte e lhe calhe uns bolinhos para provar”. Isso é que é falar...Margarida CabeleiraO Laboratório de Estudos de Higiene Alimentar O Laboratório de Estudos de Higiene Alimentar (LEHA), representante de um dos maiores laboratórios privados franceses de controlo de qualidade alimentar, iniciou a sua actividade em Torres Novas em Janeiro de 2000, fazendo o que chamam de análise sensorial de alimentos.Catarina Pinto, máxima responsável do laboratório, refere que a cidade de Torres Novas foi escolhida por ficar praticamente no centro do país e por possuir boas acessibilidades. Mas a análise sensorial não é apenas feita em Torres Novas. A LEHA subcontrata outros laboratórios nacionais do ramo para efectuarem este tipo de trabalhos, envolvendo consumidores de norte a sul do país.O laboratório presta serviço aos grupos nacionais da grande distribuição que pretendam conhecer os gostos dos portugueses e a sua opinião sobre os alimentos que são vendidos nas grandes superfícies nacionais. “Tanto damos a provar produtos de marcas internacionais conceituadas como marcas brancas”, refere a responsável.O questionário que é entregue aos cerca de 300 provadores inscritos no laboratório – “90 por cento naturais do concelho de Torres Novas e os restantes que, por motivos profissionais, residam na cidade” – tem posteriormente um tratamento estatístico que é dado a conhecer às empresas que solicitaram o trabalho. “A análise sensorial é muito importante para se ter uma noção da importância do sabor e do aspecto de determinado produto junto do consumidor”, diz Catarina Pinto, acrescentando ter conhecimento de que houve empresas fornecedoras que alteraram determinado sabor do seu produto, depois de terem sido alertadas pelas grandes superfícies dos resultados obtidos na prova de produtos. No laboratório não se busca a perfeição mas sim o adequar de sabores ao gosto dos portugueses. Uma espécie de prova dos nove para as empresas do ramo alimentar implantadas em Portugal.Mas porquê pagar para as pessoas comer? “Foi a forma que se encontrou para as pessoas aderirem ao projecto. Em Portugal, e ainda mais num meio pequeno como este as pessoas têm por hábito desconfiar de conceitos a que não estão acostumadas”, diz Catarina Pinto, acrescentando que o valor que os clientes (grandes superfícies) pagam ao laboratório para fazer a análise já inclui o pagamento aos provadores.“Nós prestamos um serviço ao cliente e somos pagos por isso. Se as pessoas também nos prestam um serviço porque não hão-de ser pagas por ele”, finaliza Catarina Pinto.

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