“Levei a mocidade a trabalhar para a terra”
Manuel Ribeiro Nogueira é um apaixonado pela freguesia
Manuel Ribeiro Nogueira dedicou a sua vida a trabalhar para a freguesia de Vila Chã de Ourique, Cartaxo. Foi jogador e dirigente do Estrela Ouriquense, esteve à frente da Casa do Povo, recuperou a igreja, construiu o centro ouriquense e ainda gostava de ver nascer na terra um espaço digno para receber os mais velhos. Aos 77 anos, o estucador de profissão, ainda tem energia para trabalhar na vinha e produzir o famoso tinto de Vila Chã de Ourique. Todos o conhecem por Barrão. A alcunha que surgiu por ser sobrinho de um homem que esteve preso inocentemente durante 20 anos.
No tempo em que Manuel Ribeiro Nogueira, ou Barrão, como é conhecido em Vila Chã de Ourique, Cartaxo, ia trabalhar de bicicleta para Santarém e tinha que passar a cheia de saco às costas e calças arregaçadas, o futebol já era uma das suas paixões.Quando andava a aprender a profissão de estucador em Santarém tinha que trabalhar na vinha todos os domingos até ao meio dia. “O meu pai não se importava que eu fosse jogar o futebol, nem que ao sábado me deitasse às 4h00 ou 5h00 da manhã”. Depois de uma semana de trabalho esquecia o cansaço e ocupava as horas livres com o treino.Manuel Nogueira é o sócio número três do Estrela Ouriquense. Aos 17 anos era um dos melhores jogadores da equipa. Jogou no Clube Operários de Santarém e em todos os clubes do Cartaxo, que tinham várias camisolas, mas os mesmos jogadores – o Águias, o Sport Lisboa e Cartaxo e a Académica.É o jogador com mais anos de futebol no distrito de Santarém. Começou com 15 anos e deixou a actividade aos 45 anos. Admite com melancolia que podia ter jogado na primeira divisão.Foi dirigente do Estrela Ouriquense duas vezes. Orgulha-se de ter construído o maior campo de futebol do distrito de Santarém. “Não fui presidente da Junta porque os meus filhos foram lá tirar o meu nome”, revela. Chegou a transportar os jogadores durante o campeonato de seniores e de juniores. “Transportava-os na minha carrinha porque o estrela não pagava um tostão”, lembra.Mas o futebol foi apenas uma das áreas a que se ligou. A torre da Igreja, construída em 1809, foi restaurada por Manuel Nogueira, instalado num frágil andaime de madeira. Sem receber nada em troca a não ser o gosto de ver crescer a freguesia. Ajudou a restaurar e a dourar a capela e a colocar azulejo oferecido por uma conterrânea. “Vinha a casa só de manhã beber uma caneca de leite. De resto era de dia e de noite”, recorda hoje à distância de vários anos, quando já sente no corpo o esforço de muitas décadas de trabalho. Dirigiu também a Casa do Povo antes e arranjou o terreno do centro ouriquense. Sempre teve o sonho de criar um espaço de união das colectividades. “Quando era novo havia a sociedade do Estrela, o grémio e um sítio para ricos e não concordava com isso. Os amigos juntavam-se e quando chegavam ao largo ia cada um para um sítio diferente”, recorda.Outro sonho ainda não concretizado é o de ajudar a criar um espaço para os idosos da freguesia que funcione “de noite e de dia” porque o actual não tem grandes condições. Foi baptizado Manuel Ribeiro Nogueira, mas todos o conhecem por Barrão. A alcunha surgiu por ser sobrinho de Mateus Barrão, que esteve preso inocentemente durante 20 anos, desterrado em África. “Se houvesse pena de morte tinha sido morto com 17 anos e não foi o culpado. O autor do crime, quando estava a morrer na prisão, disse ‘soltem o Mateus Barrão porque quem fez o crime fui eu’”, recorda.A história é do tempo de D. Carlos e D. Amélia e foi contada pela sua avó. O seu bisavô era natural da zona de Turquel e vinha para o Ribatejo fazer as vindimas com os carros de bois. DORMIR EM SACOS DE CIMENTOManuel “Barrão” nasceu em Vila Chã e só deixou a terra quando teve que procurar emprego. Trabalhou em Lisboa, Elvas, Lagos e na Faculdade de Letras de Coimbra, diz com orgulho. Completou o quarto ano, o que à época já não era comum. O pai não o pôde ter mais a estudar. “Chorei quando deixei a escola. Queria que o meu pai fosse à câmara pedir para que me pagassem os estudos. Não pôde ser e fiz o sacrifício pelos meus filhos”.Começou a trabalhar nas vinhas aos 10 anos, quando o pai adoeceu. Desde aí nunca mais esqueceu a técnica e ainda hoje é na vinha que ocupa as suas horas vagas.Os trabalhadores de leste que vêm ocupar o lugar dos portugueses nas obras fazem lembrar a Manuel Ribeiro Nogueira o duro trabalho na construção. Quando o dia está frio e é preciso arder papelão para aquecer as mãos, gosta de os presentear com um garrafão de vinho da casa. Quando trabalhava nas obras em Vila Franca de Xira, a sua cama eram os sacos de papel vazios que colocada em cima do cimento e a almofada um tijolo tapado com uma manta. Mais tarde a mãe fez-lhe um colchão de serapilheira com palha da descamisa. Tinha uma manta e uma cabeceira enrolada num panal da azeitona que era atado com uma guita. “Levava a cama numa mão e a caixa de ferramentas na outra e assim ia a caminho das obras”, recorda.Trabalhou em todo o distrito de Santarém e ensinou a profissão a muitos jovens. Arrisca mesmo a dizer que Vila Chã de Ourique é das freguesias com mais estucadores na região. Aponta com orgulho para o tecto espelhado da sua sala que o próprio construiu. Aos 77 anos ainda lhe resta energia para tratar das vinhas. Conhece a viticultura tão bem como a profissão que sempre exerceu. “O que tem mais sabedoria é a poda. Sei podar, atar as varas e enxertar”. Levanta-se às 6h30 e às 8h30 já está na vinha. Produz vinho tinto da casta trincadeira preta, que é considerado um dos melhores da zona. É um apaixonado pela freguesia. “Levei a minha mocidade a trabalhar para a terra”, reconhece. Sente os anos a passar rapidamente, mas com a satisfação de ter dado o melhor em prol da sua freguesia.Ana SantiagoO sonho de jogar na primeira divisãoManuel Nogueira, na altura jogador do Estrela Ouriquense, recorda um jogo com a equipa da CUF há mais de 50 anos. Namorava com a mulher há oito dias. Era véspera de ano novo. “O Clube Operários de Santarém perdeu por 4-1 e eu tinha sido o melhor homem dos 22”, lembra. O presidente da CUF gostou do seu desempenho e convidou-o para jogar na equipa, mas o jovem jogador sentiu-se sem muito apoio da família para encarreirar profissionalmente no futebol. Era o melhor extremo direito do distrito. “Cheguei a mandar a bola por entre as pernas de um adversário e a furar atrás da bola. Ainda hoje se fala no Barrão”, descreve.Confessa que um dos seus sonhos é ver um clube da região na primeira divisão, como acontece em Leiria. “O União de Santarém está a jogar com o Vila Chã de Ourique!”, analisa em tom crítico. “O que seria o movimento de Santarém se tivesse uma primeira divisão com um Sporting e Benfica”, interroga-se. Costuma acompanhar o futebol no distrito, mas entristece-se por não ver mais jovens de Vila Chã de Ourique a jogar no clube da terra. Na época os jogadores disputavam renhidos jogos entre freguesias. “Quando era para jogar com o Cartaxo até de noite andávamos a correr aí pela charneca a preparar-nos. O Cartaxo nunca levou a melhor. Era uma rivalidade como o Benfica - Sporting”, atesta.O futebol de hoje é diferente. Na altura as raparigas iam assistir ao jogos com entusiasmo e faziam-se excursões para se acompanhar o clube. “Agora toda a gente tem carro, mas os verdadeiros apaixonados continuam a ir ver o clube jogar”, avalia. O futebol de hoje, ao contrário do que acontecia no seu tempo, envolve muitas despesas e contratações milionárias. “Às vezes ponho-me a pensar. Se tivesse 17 anos estava a jogar numa primeira divisão”.
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