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Acção de despejo

Helena Seixas Jorge *

Exercício de indústria doméstica em prédio urbano arrendado para habitação

O arrendamento de prédio urbano pode ter como fim a habitação, o exercício de profissão liberal, a actividade comercial ou industrial, ou qualquer outra aplicação lícita, devendo tal finalidade constar do respectivo contrato de arrendamento por forma a permitir ao senhorio reagir contra situações de utilização abusiva do imóvel. O uso do arrendado para fim diverso do previsto no contrato é assim proibido por lei e constitui motivo de resolução do contrato e fundamento para despejo do respectivo inquilino.Contudo, e ponderando os interesses (normalmente antagónicos) de senhorio e inquilino, entendeu-se que a lei não deveria ser demasiado rígida e que deveria permitir, nomeadamente no caso do arrendamento para habitação, que o arrendatário também pudesse utilizar o arrendado, embora com algumas limitações, para nele exercer alguma actividade de carácter laboral, nomeadamente nele instalando pequenas actividades transformadoras, que utilizem pouca mão de obra e não careçam de grandes espaços, nem importem um exagerado desgaste do arrendado ou um maior perigo de acidente. Assim, determina a lei do arrendamento urbano que «no uso residencial do prédio arrendado inclui-se o exercício de qualquer indústria doméstica, ainda que tributada», esclarecendo ainda que deve entender-se por indústria doméstica «a explorada na sua residência pelo arrendatário ou pelos seus familiares, contanto que não ocupe mais de três auxiliares assalariados». Aos nossos tribunais cabe pois a tarefa de, perante cada caso concreto, distinguir entre aquilo que deve ser considerado actividade industrial e qualquer outro tipo de actividades não contempladas por esta excepção legal.Em tempos pronunciaram-se os tribunais sobre esta questão no âmbito de uma interessante acção de despejo proposta pelo Sr. Rui Freitas. Este havia dado de arrendamento ao casal Santos um prédio urbano sito na cidade do Funchal, tendo ficado a constar no respectivo contrato que o arrendado se destinava a habitação. Porém, a dada altura apercebeu-se o Sr. Freitas que aqueles seus inquilinos, além de residirem no prédio, nele desenvolviam também actividade alegadamente comercial relacionada com a produção, venda e armazenagem de bordados da Madeira, pelo que intentou a correspondente acção de despejo. No decurso daquela acção veio a ficar provado que a esposa do Sr. Santos estava inscrita no Instituto do Bordado da Madeira como industrial de bordados e que era colectada como empresária em nome individual; que recebia no local várias peças de bordados da Madeira que ali eram entregues por várias bordadeiras, que as bordavam nas suas próprias casas, e que ali recebiam o respectivo pagamento pelo seu trabalho e levantavam outros tecidos para posteriormente bordarem. Mais se provou que aquelas peças de bordados eram recebidas, lavadas e passadas a ferro e armazenadas no arrendado, sendo depois levadas para um estabelecimento comercial do casal situado na cidade do Funchal, onde eram vendidas.Na apreciação que fez da situação, entendeu o Tribunal que primeiramente, e uma vez que a lei só permitia o exercício de indústria (e não comércio) no arrendado, haveria que apurar qual o tipo de actividade efectivamente desenvolvida, tendo concluído que no arrendado não era desenvolvida qualquer actividade comercial de venda e armazenagem de bordados, como pretendia o senhorio Freitas, mas sim uma actividade de carácter industrial, no sentido de se tratar de uma actividade produtora de riqueza que, mediante a utilização de capital e trabalho, transformava a matéria-prima ou produtos noutros produtos mais valiosos por acção dessa transformação. Concluindo assim que a actividade levada a cabo pela esposa do Sr. Santos não era de mera intermediação entre a produção dos bordados e o consumo dos mesmos, mas sim de produção dos próprios bordados.Quanto à questão de saber se se tratava de indústria doméstica nos termos permitidos por lei, o Tribunal respondeu afirmativamente por entender que nada impedia que pudesse ser desenvolvido no arrendado qualquer tipo de indústria, susceptível de assumir uma dimensão de certo relevo embora sem ocupar a totalidade do prédio arrendado de forma a impedir que o inquilino de nele continue a habitar, e que, por outro lado, embora o titular da indústria tivesse que ser o inquilino ou um familiar seu (não podendo ser um terceiro), não era contudo necessário que fosse aquele a transformar as matérias-primas ou produtos com o seu próprio trabalho manual, podendo o mesmo limitar-se, como era o caso, a exercer as funções próprias do empresário. E neste caso, embora a esposa do Sr. Santos exercesse a sua actividade empresarial com o auxílio de outras pessoas, nomeadamente as bordadeiras a quem pagava, não havia ficado provado que estas trabalhassem no arrendado, e muito menos que fossem mais de três em simultâneo. Tudo visto, tanto mais que o casal Santos, embora exercendo aquela actividade industrial no prédio arrendado, aliás compreendida no âmbito da referida excepção legal, continuava também a utilizá-lo como sua habitação, o Tribunal julgou improcedente a acção, não decretando o pretendido despejo.*Advogada

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