A política do silêncio
Autarcas da última fila das assembleias municipais
O lema deles poderia ser: o silêncio é de ouro. É uma legião de autarcas eleitos para assembleias municipais que prefere o recato à exposição pública. A discrição ao protagonismo. Pessoas que não se enquadram muito bem na imagem estereotipada que se faz do político, habitualmente catalogado como um ser fala-barato, demagogo e controverso. Curiosamente, apesar de serem de poucas falas, nenhum dos autarcas contactados por O MIRANTE se escusou a falar sobre o assunto.
Joaquim Canha é homem de poucas palavras e que administra ciosamente o verbo. Presidente da Junta de Freguesia de Várzea eleito pelo PSD, tem assento por inerência na Assembleia Municipal de Santarém, onde vai no segundo mandato, mas raramente se fez ouvir. Guerrilha política não é com ele. E o autarca, que faz parte de uma nutrida legião de eleitos pouco dada a grandes discursos, não consegue mesmo entender como é que certos colegas de plenário têm sempre alguma coisa para dizer.“Confesso que às vezes até me repugna algumas conversas que lá se ouvem. É uns a lavar roupa suja e outros a passar a escova”, atira o autarca, militar aposentado e formado em Teologia. A sua forma de actuar é outra: “Quando tenho coisas a dizer escolho a hora e local certos e não me ponho a exibir ali em público ou a lavar roupa suja. Se for preciso vou até Lisboa”. Joaquim Canha explica que geralmente trata dos assuntos da sua freguesia directamente com o presidente da câmara ou com os técnicos da autarquia, sem grandes alaridos. O autarca lamenta mesmo que alguns políticos não tenham mais tento na língua e deixa-lhes um conselho - “Há uma coisa que me ensinaram em pequeno, e que sempre transmiti: ouvir, ouvir, ouvir...”.Ouvir é também a sina de Maria João Grácio na Assembleia Municipal do Entroncamento, já que não tem por hábito intervir sobre os assuntos em agenda. “Normalmente temos reuniões preparatórias das assembleias onde as coisas são debatidas e há geralmente um porta-voz que intervém em nome do partido”, explica esta bancária, que vai no segundo mandato eleita pelo PSD.A autarca diz que “desde que não haja nada de especial” não lhe passa pela cabeça levantar o braço e pedir a palavra. Até porque, reconhece, “não sou mesmo de falar para grandes multidões”. Mas para quem eventualmente pense que está ali apenas para preencher um lugar, deixa a garantia: “Se alguma vez achar que é necessário, não hesitarei em intervir”. Essa necessidade pode manifestar-se perante uma intervenção das bancadas adversárias ou se, hipoteticamente, não se revir na posição do seu partido. Mas, até à data, parece que não houve motivos para pôr os pontos nos “is”. E estar a secundar intervenções anteriores com verborreia redundante não vai com o seu feitio.“ANTES NÃO ME CALAVA”Entrar na política para ficar calado parece para muitos um contrasenso. Ainda para mais nas assembleias municipais, órgãos onde se discutem os principais assuntos dos respectivos concelhos e onde o executivo camarário tem de responder perante a acção fiscalizadora do plenário.A socialista Maria Augusta Costa está agora do lado da oposição na Assembleia Municipal de Tomar. A ex-vereadora da Cultura, que nos tempos da gestão PS não se calava, está hoje mais moderada e prefere delegar no líder da bancada, Manso Marques, a quem não poupa elogios, as despesas do combate político.“Prefiro dar lugar aos mais novos e pôr as coisas na boca de quem expõe melhor as situações. Eu já me lancei e também não me interessa dar nas vistas”, afirma a enfermeira especializada em saúde mental à beira da aposentação. A tradição já não é o que era, está bom de ver. Quando foi líder da bancada socialista na assembleia, pouco depois do 25 de Abril, as coisas eram diferentes. Muito diferentes mesmo. “Fui muito lutadora nesses tempos, não é que ainda não seja, apesar de a idade já não ser a mesma, mas prefiro colaborar nos bastidores. Agora tenho-me calado mais, antes não me calava. Continuo a ser do contra, mas mais discreta”.João Calhaz
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