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O frio ia dando cabo de mim

Nasceu no Norte, viveu em África, mas é em Tomar que se sente bem

É um engenheiro civil natural do Norte e temperado em África, que conquistou Tomar em 1997. António Paulino Paiva é calmo por natureza e ponderado nas decisões, mas passa-se dos carretos. A única coisa que o consegue tirar do sério é a incompetência. Amante da aventura e desportista por natureza, o presidente corre todos os fins-de-semana entre dez a 15 quilómetros. Simplesmente porque gosta. O frio é o seu principal inimigo.

António Paiva, presidente da Câmara Municipal de Tomar, rejeita a ideia de ter nascido numa família burguesa. “Não éramos pobres mas também não éramos ricos”. Ainda criança viajou para Moçambique, onde estudou num colégio interno – os Maristas – juntamente com dois dos seus irmãos. A irmã estava no colégio Barroso. As férias eram então passadas na África do Sul, onde o pai e o avô tinham montado uma empresa ligada à construção civil.“Os meus pais fizeram sempre uma vida entre os dois países, passavam parte do tempo em Joanesburgo e parte do tempo em Lourenço Marques”. Quando se deu o 25 de Abril, a família passou a residir na casa da África do Sul.“Nessa altura passaram por aquela casa muitos amigos meus, porque não tinham outro lugar para onde ir”. Ficavam lá até conseguirem viajar para Portugal. Ou organizarem ali as suas vidas. “Tenho amigos que ainda hoje lá vivem”.Nunca lhe fez qualquer diferença conviver com pessoas de outra raça. “O que me surpreendeu na altura era como é que havia alguns portugueses que achavam que quem estava em Angola ou Moçambique era racista. Acredito que existissem pessoas assim no interior mas quem vivia em cidades como Lourenço Marques ou Luanda não sentia qualquer racismo”.O racismo sentiu-o quando foi para a África do Sul. “Tive um casal amigo em que a mulher ficou em nossa casa e o marido, porque era mulato, não pôde lá ficar”. Para António Paiva, os portugueses estavam muito melhor integrados na comunidade onde viviam do que os ingleses ou holandeses. Entrou para engenharia civil ainda na África do Sul. “Fiz lá dois anos na chamada WWC, a única universidade internacional que existia que me dava a possibilidade de ter equivalência em qualquer faculdade”.Antes da sua entrada na faculdade chegou a ser chamado para a tropa. Foi nessa altura, com 17 anos, que opta pela nacionalidade portuguesa. “Tínhamos acabado de sair de um regime totalitário e éramos agora obrigados a combater por uma coisa que não acreditávamos, em nome da tal África do Sul, para defender o racismo”, diz, adiantando que nunca poderia fazer parte de uma coisa dessas.Em 1980 regressa a Portugal e apanhou de imediato o seu primeiro choque - as ruas eram demasiado estreitas e havia frio, muito frio. “Lembro-me perfeitamente de sentir que as ruas eram muito estreitas, demasiado estreitas até. Se calhar se tivesse ido para Lisboa não notava tanto a diferença mas como fui para o Norte, sentia-me quase enclausurado”. E o frio, com o qual ainda hoje não consegue conviver em harmonia. “Cheguei em Novembro, a Alvarelhos, uma freguesia agora do concelho da Trofa, antes de Santo Tirso, onde vivia a minha avó. Vinha do Verão de África e quase ia morrendo de frio”.Sentiu-se perdido. Mais do que isso, prisioneiro. “Nessa altura demoravam-se horas de Lisboa ao Porto e como o meu carro ainda não tinha chegado tive que andar de comboio. Pela primeira vez na minha vida”.Foi tão mau, tão mau que, em Fevereiro, escreveu uma carta à mãe a dizer que queria voltar. Mas a progenitora pediu-lhe para aguentar, porque a família iria brevemente regressar a Portugal. “E eu aguentei mas aquela foi talvez a altura mais difícil da minha vida”.O tormento foi superado com a ajuda de um “milagre divino”, ou não se chamasse Fátima a rapariga que lhe deu a volta à cabeça e que é hoje sua mulher. Conheceram-se na faculdade mas moravam em aldeias vizinhas. Do namoro ao casamento foi um passo. Aos 24 anos deu o nó, até hoje.A vida de saltimbanco trouxe mais para o sul o engenheiro civil António Paiva, mais concretamente para Tomar. “Foi pura coincidência”, afirma o actual presidente da autarquia.A esposa de António Paiva – professora de inglês/alemão - tinha muita dificuldade de colocação na zona Norte e decidiu concorrer para a zona de Santarém e para Faro, regiões onde estavam a nascer dois politécnicos. Acabou por ser colocada em Ourém, cidade que conheciam apenas de nome. Ao contrário de Tomar. “De Ourém sabíamos pouco mas eu conhecia Tomar até bastante bem porque era uma das cidades que a minha família visitava sempre que vinha de férias a Portugal, fazia parte do roteiro obrigatório, em termos de turismo e património”.Durante toda a sua vida, o lugar onde esteve mais tempo foi em Tomar – “estou cá há já 17 anos” – e não é de admirar por isso que considere esta a sua cidade de adopção. Se foi coincidência a vinda dos engenheiro civil para a cidade dos construtores civis, foi também por “puro acaso” que António Paiva entrou para a vida política do concelho. O actual líder da bancada do PSD na assembleia municipal da cidade, Vítor Gil, era à altura presidente do Centro de Emprego de Tomar, com quem António Paiva mantinha óptimas relações profissionais. Quando se candidatou a presidente da autarquia, em 1993, convida o engenheiro civil, que acabou por ser eleito como vereador da oposição. Apesar disso nunca se filiou no PSD, partido pelo qual venceu as duas últimas eleições autárquicas. “A política partidária nunca me fascinou de sobremaneira, mas gosto muito da política pela política, embora no meu tempo de faculdade, quando fazia parte das associações de estudantes, actuasse sempre na retaguarda, nos bastidores”.E porque não é daqueles que passam a vida a queixar-se e não agem, António Paiva decidiu concorrer à presidência da autarquia tomarense em 1997. “Senti que tinha condições para pôr a cidade ainda mais bonita e funcional”.A incompetência é a única coisa que o faz tirar do sério. "Tenho muita dificuldade em conviver com a incompetência e reconheço que às vezes chego a ser intolerante e mal educado”. Dessas alturas fica com remorsos de não ter feito o esforço exigível de explicar onde queria chegar mais uma, duas, três vezes. “Às vezes falta-me a paciência”.É muito desligado do dinheiro, ao ponto de os próprios amigos o apelidarem às vezes de forreta. “Não vou muito na onda do consumismo. Se me sinto bem com coisas que uso há anos, para quê mudar?”, diz.Por exemplo ainda hoje usa a mesma marca de lâmina de barbear de quando se lembra de ter começado a fazer a barba. E neste momento ainda não tem TV cabo porque nunca sentiu necessidade disso. Mas a insistência diária dos filhos já o levou a ponderar o investimento.É adepto do Futebol Clube do Porto, mas não é um espectador assíduo e nunca vai aos estádios. É mais uma das muitas coisas em que não é influenciável. “Não tenho aquela paixão clubista, gosto do Porto e até gosto de brincar sobre o assunto mas para lhe dar uma ideia nem sequer vi o último jogo grande – Sporting/Porto”.Não é um homem de paixões – a única paixão que tem é pelos filhos, o João e a Mariana, e porque sente que são o futuro na terra. “É para os nossos filhos que passamos o testemunho”. E parece que António Paiva está mesmo a passar o testemunho ao filho, pelo menos em termos profissionais – “ele quer ir para engenharia, mas ainda está a decidir para qual delas”.O seu sonho de juventude era conduzir um Alfa Romeu, mas o pai acabou por lhe dar um BMW. “Na altura havia os Alfa Romeu 1300 que eram muito bonitos, vermelhinhos, que acabaram por deixar de ser comercializados precisamente quando fiz 18 anos”, diz António Paiva.A marca italiana tinha nessa altura a fama de ter os automóveis mais velozes e terá sido esse facto que levou o pai do presidente da Câmara de Tomar a preferir a BMW – “achou que eu estaria mais seguro”. Talvez porque sabia que o filho era fascinado pela velocidade...Quanto a vícios, apenas o do tabaco que pega e larga, estando agora na fase da abstinência, depois de dois anos de consumo diário. Para quem se habituou a viajar desde pequeno é normal continuar a fazer o mesmo tipo de percurso de vida, se bem que agora as viagens são apenas de lazer.A próxima será ao México onde espera percorrer de automóvel as cidades de Cancun e Acapulco, que banham oceanos diferentes. Umas férias perfeitas é quando se pode combinar o descanso, boas paisagens e património.Enquanto não percorre outros países, vai palmilhando a sua cidade. Todos os fins-de-semana António Paiva junta-se a um grupo de amigos e corre nunca menos de uma dezena de quilómetros, por percursos pré-definidos. Corre por gosto, ao ponto de quando não poder ir, sentir falta do grupo. É raro perder as três léguas do Nabão e a meia maratona de Lisboa. A 10 de Novembro último participou também na meia maratona da Nazaré. Nada demais, não fosse esse o seu dia de anos...O tempo também corre de feição a António Paiva. Para já, não abre o jogo sobre uma recandidatura à autarquia – a corrida ainda vai muito no início - mas não descarta a hipótese de avançar de novo para a meta. Afinal, ele é um corredor de fundo...Margarida Cabeleira

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