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Uma vida de saltimbanco

Virgílio é responsável no terreno pela colocação das linhas de alta tensão

É uma vida de saltimbanco, aquela que tem Virgílio Manuel de Sousa Gonçalves, responsável pela preparação das linhas de alta tensão da EDP. Uma vida sempre ao ar livre e de contacto permanente com gentes e costumes diferentes. Mas é disto mesmo que gosta Virgílio. “Era incapaz de estar fechado num escritório”, diz.

Há 23 anos que Virgílio Gonçalves tem a mesma função dentro da empresa. O seu trabalho começa pelo estudo e projecto de linhas de alta tensão da EDP – “pegamos nos perfis e nas cartas topográficas e vamos para o campo materializar a linha de alta tensão para o empreiteiro poder depois proceder à sua construção”.Tinha Virgílio 22 anos quando a EDP abriu um concurso a nível nacional para o cargo de preparador de linhas de alta tensão. O residente em Paialvo, Tomar, não fazia a mínima ideia do que estava por detrás daquela função mas concorreu na mesma. E foi um dos seis que conseguiu o lugar, no meio de três mil concorrentes.Foi incorporado numa brigada de quatro elementos e rapidamente entrou no esquema de trabalho. E nunca mais parou. Literalmente. É uma profissão que leva Virgílio a percorrer o país de Norte a Sul – “posso arrancar amanhã para o Algarve, chegar lá e receber um telefonema para ir até Trás-os-Montes”. Apesar de ter sempre uma linha a que está “adstrito”.“Há cerca de ano e meio que estou em Albergaria a Velha, onde se anda a construir uma linha de alta tensão, mas posso receber um telefonema de Lisboa para ir a outro lado qualquer tratar de um processo”. O trabalho de Virgílio reporta-se sempre à sede, em Lisboa, mas raramente lá vai. E quando isso acontece, sente-se como que enclausurado numa gaiola. “Não concebo estar fechado num escritório todo o dia como outros colegas meus, apesar deles trabalharem muito menos”.Além do lado mais técnico da profissão, Virgílio Gonçalves tem também a seu cargo a parte humana da questão. É ele que contacta com os proprietários dos terrenos por onde a linha irá passar, para obter a sua autorização para colocação dos postes. A maioria dos proprietários não põe obstáculos mas há sempre os renitentes, que torcem o nariz a ter um poste no seu terreno. Apesar de lhe pagarem para isso.“Colocamos os postes nos terrenos dos proprietários e por isso tem de se pagar a ocupação do solo na área do poste. Nas zonas de pinhal ou eucaliptal tem de se abrir uma faixa de 45 metros de protecção à linha e as árvores que se abatem também têm de ser pagas às pessoas”.Geralmente viaja sozinho. Chega uma cidade, vila ou aldeia, escolhe o local onde vai pernoitar e começa as diligências para encontrar os proprietários do terreno x ou y. “Tenho uma ajuda de custos diária mas tenho de ser eu a encontrar e a marcar os locais onde durmo. Às vezes as ajudas de custo não chegam, depende muito da zona do país e se está numa cidade ou num local mais pequeno”, diz, adiantando que nunca fez nenhuma extravagância – “nunca dormi em hotéis de muitas estrelas, geralmente são pequenas residenciais”.É uma vida solitária, longe da família, já que Virgílio só vai a casa aos fins-de-semana, de sexta a domingo. A melhor parte do seu dia é das 9h às 17h, quando está a trabalhar. A partir dessa hora, a coisa complica-se. “O que é que faço depois disso? Vou para a residencial, tomo um banho, janto e vejo televisão”.Quando está mais tempo num local, como em Albergaria, onde existem várias equipas no terreno, junta-se à noite com alguns colegas para jogarem uma cartada ou beber um copo. Enfim, conviver. Quando tem hipótese gosta de ir a um cinema, o que é raro acontecer nos locais por onde tem pernoitado – “quando há salas, estão simplesmente fechadas e em muitos locais não há sequer um cinema”.Quando se chega a um local não se conhece ninguém, “cai-se ali como um extraterrestre”, refere Virgílio, adiantando que as relações só se criam ao fim de algum tempo. Mas são geralmente relações duradouras – “tenho muitos amigos espalhados pelo país”.Apesar de ter um horário definido Virgílio raramente o cumpre. “Durante a semana a maior parte das pessoas só estão em casa depois das 17 horas”, diz, adiantando que já chegou a bater à porta das pessoas às 10 e 11 da noite. Um acréscimo de horário que é compensado no dia seguinte, quando fica mais um pouco na cama.É uma vida atribulada, que seria insuportável sem a compreensão da família. Mesmo assim, Virgílio diz que houve situações familiares que lhe custava a engolir, nomeadamente quando a filha, Isa, era mais pequena. “Às vezes ao fim-de-semana barafustava com a Isa em relação a qualquer coisa que ela fazia mal feito e ela dizia-me «tu não mandas em mim, quem manda é a mãe», o que é uma situação que dói a um pai”, afirma, adiantando - “há coisas que não se pagam”.Margarida Cabeleira

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