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Comadre volta a arder na fogueira

Couço, freguesia de Coruche, recupera tradição perdida há mais de 25 anos

Um grupo de jovens do Couço reactivou uma tradição carnavalesca bem portuguesa. A queima da comadre. Foi na Quinta-feira à noite e quem mais gostou de ver foram os mais velhos. As voltas da brincadeira não foram todas dadas mas a Associação Couço Jovem promete uma reconstituição mais completa no próximo ano.

A queima da comadre, uma tradição de Carnaval que estava perdida há mais de 25 anos na vila do Couço, foi reactivada na quinta-feira à noite, dia 27. A iniciativa partiu da Associação Couço Jovem e pretendeu demonstrar aos mais novos como se faziam as brincadeiras do entrudo de antigamente. Centenas de habitantes daquela freguesia de Coruche saíram à rua, numa noite fria, para recordarem os tempos de mocidade. Joaquim Galvão, que já foi presidente da junta de freguesia local, cargo que abandonou há nove anos, lembra-se como se fosse hoje dessas brincadeiras inspiradas nas tradições do norte alentejano. Segundo a história, nas duas quintas-feiras antes do Carnaval, as raparigas faziam um boneco, o compadre, que era escondido para que os rapazes não o pudessem roubar. Esse boneco feito de trapos e palha era depois queimado no largo principal da vila significando a vitória das raparigas. Antes da queima o compadre desfilava pelas ruas até ao largo. Este ritual marcava a passagem à idade adulta das raparigas. Na quinta-feira seguinte era a vez dos rapazes fazerem uma boneca, a comadre. Os dois rituais representavam também uma luta entre raparigas e rapazes. Segundo Joaquim Galvão, que participou muitas vezes na brincadeira, a luta pela posse da comadre ou do compadre, era muito aguerrida. “Os rapazes da terra chegavam a andar por cima dos telhados e a tirar as telhas para entrarem nas casas onde suspeitavam estar a boneca. Caso conseguissem o seu propósito, as raparigas perdiam a luta. Elas por sua vez, como tinham poucas hipóteses de roubar a comadre, quando se fazia o cortejo pelas ruas, atiravam baldes de água das janelas de casa para que ela ficasse encharcada e não ardesse”, lembrou. Pelo meio, as brincadeiras eram muitas. Conta-se que uma vez os rapazes, para enganarem as raparigas, vestiram um dos seus de boneca. Puseram-lhe uma caraça e sentaram-no num sofá numa das casas. Depois espalharam a notícia que a boneca estava nessa casa. As raparigas foram lá na tentativa de a roubar, mas apanharam um grande susto quando o mascarado se começou a mexer. Na quinta-feira, no reatar da tradição, a comadre desfilou em cima de uma carrinha. O cortejo parava de vez em quando à porta de algumas raparigas e nessa altura dirigiam-lhes alguns versos. “Viva a nossa comadre/Atada por um cordel/Quem vai morrer queimada/ É a nossa amiga Raquel”. Tudo foi reconstituído ao pormenor, menos o transporte. Antigamente tanto a comadre como o compadre desfilavam em cima de uma carroça. “Nessa altura quem puxava a carroça era o pessoal que participava na iniciativa. Tínhamos medo que ao pormos um burro a puxá-la, o animal se espantasse com as pessoas. E pelo menos a rapaziada não se espantava”, disse em jeito de graça António Falamino. Manuel Marteliano também não quis perder a queima da Comadre, pelo menos para recordar os tempos da sua juventude. Meia hora antes da chegada da boneca ao largo fronteiro da igreja este habitante do Couço já marcava lugar junto aos cepos que ardiam já há algum tempo e onde iria ser queimada a comadre. Enquanto aquecia as mãos, contou que há trinta anos também era habitual andarem acordeonistas a acompanhar o cortejo e a dar-lhe mais colorido com a sua música, o que não aconteceu este ano porque a organização não conseguiu arranjar um tocador de acordeão. Com um brilho nos olhos, António Falamino lembrou que no seu tempo estes rituais pagãos eram a forma das pessoas se divertirem, sempre dentro do respeito. “Antigamente brincávamos muito. Depois do 25 de Abril de 1974 ainda se chegou a fazer a queima algumas vezes por iniciativa de algumas pessoas. Como não havia uma entidade a organizar a tradição acabou por se extinguir”, sublinhou.E acrescentou que há mais de 30 anos chegavam a participar no ritual mais de 400 rapazes e raparigas. “Agora são muito menos, mas os tempos também são outros. Antes um casal tinha em média seis ou sete filhos, e noutros casos mais. Agora uma família tem um filho, no máximo dois”. Para Tiago Conceição, da Associação Couço Jovem, a ideia de reavivar a tradição tem a ver com o facto de “nos últimos anos ter vindo a assistir-se a muitas brincadeiras de mau gosto. Com isto pretendemos também demonstrar que há outras formas de divertimento mais saudáveis”, salientou, garantindo que no próximo ano a iniciativa vai continuar. “Desta vez fizemos só a queima da comadre, mas na próxima vez pretendemos fazer a da comadre e a do compadre”.

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