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"Não quero ser um herói morto"

Luís Azevedo, um engenheiro na presidência da Câmara de Alcanena

Luís Azevedo tem 50 anos, caiu na vida política um pouco por acaso, mas poucos anos depois chegou a presidente da Câmara de Alcanena, o concelho que o acolheu quando tinha apenas um ano de idade. Benfiquista desde pequenino, foi defesa central no Alcanenense, formou-se em engenharia e máquinas, mas não gosta de andar de avião. O ano 2001 foi talvez o pior ano da sua vida, recebeu muitas pressões e até ameaças quando decidiu candidatar-se à presidência da autarquia como independente, mas hoje diz que faria exactamente o mesmo. O engenheiro-autarca acredita pouco nas amizades políticas e tem “a mania” de ser pontual.

Luís Azevedo protagonizou nas últimas eleições autárquicas, realizadas em Dezembro de 2001, um dos casos mais comentados na região. Enfrentou o poder instalado do PS, partido pelo qual era presidente, concorreu com uma lista de independentes, e venceu de forma esmagadora as eleições para a Câmara de Alcanena.Mas esta imagem de homem que luta contra o sistema não era até então uma imagem de marca do autarca, que era visto como um fiel número dois, sempre pronto a desempenhar a missão que outros lhe destinavam. “Provavelmente pela primeira vez disse não e que já não queria ser a pessoa que estava sempre ligada a toda a gente e que ia assumir as minhas próprias responsabilidades e um projecto contra coisas com as quais não concordava”, recorda Luís Azevedo.Essa luta interna, que durou quase todo o ano de 2001, foi um dos períodos mais complicados da sua vida. “Em termos pessoais foi um ano muito mau, até porque tive de deixar de ser uma pessoa que estava sempre solidária e próxima dos outros. Paguei essa rebeldia, mas tive por outro lado, por parte das pessoas, o reconhecimento. A atitude que tomei era ansiada por muita gente há muito tempo”, diz o autarca, garantindo que “hoje fazia a mesma coisa”.Talvez pelo que se passou nesse período, Luís Azevedo diz que as amizades que se criam na vida pública são as amizades de interesse. “Notei que afinal numa relação de vários anos não havia amizade mas interesse. Se calhar quando as pessoas sentirem que já não lhes posso ser útil ainda vou perder mais amigos na política. É por isso que se diz que na política as amizades são efémeras”, afirma em forma de lamento. É por isso também que cada vez tem mais a certeza que os melhores amigos são os que vêm da infância e da juventude.Enquanto autarca, Luís Azevedo já foi algumas vezes ofendido, sobretudo através de telefonemas, mas uma vez as coisas foram mais longe e foi mesmo ameaçado de morte. Não é homem de medos, mas sabe que por vezes estas situações ultrapassam todos os limites. “Gosto muito da vida pública, mas não quero ser um herói morto”, refere. Em seu entender, hoje há um descontrolo maior por parte das pessoas, que numa determinada altura fazem “aquilo que lhes dá na real gana” e depois quando o poder é obrigado a agir e a fazer algumas coisas que as pessoas não gostam, surgem as ameaças.ALCANENENSE DESDE PEQUENINOLuís Azevedo nasceu em Riachos, no concelho de Torres Novas, de onde eram naturais os pais, mas foi com um ano de idade para Alcanena, o que o faz considerar-se um verdadeiro alcanenense. O pai era serralheiro e encarregado geral numa empresa metalomecânica de Alcanena e tinha de fazer todos os dias o percurso entre os Riachos e Alcanena de bicicleta. Só que o nascimento do filho mais velho levou-o a ir morar para São Pedro, próximo da fábrica, nos arredores da vila.A infância foi repartida pela escola, o futebol e as brincadeiras com os amigos. Era um aluno razoável - “médio-alto”, como o próprio diz. Fez a instrução primária em Alcanena e chumbou um ano porque num dia em que foi a Lisboa ver um Benfica - Sporting, foi atropelado por um táxi quando ia a atravessar uma passadeira e esteve quase dois meses internado no hospital de São José, o que o impossibilitou de passar de ano.Quando acabou a primária foi estrear a Escola Secundária de Alcanena, onde completou o actual nono ano. Posteriormente esteve dois anos a estudar em Santarém onde preparou o ingresso no ensino superior e foi para Lisboa tirar o curso de electrotecnia e máquinas.Como era bom aluno e jogava futebol, nunca foi de grandes noitadas. Só quando o futebol ficou para segundo plano começou a frequentar mais os bailes e as festas populares, onde raramente perdia um pezinho de dança.AO LADO DE UMA GRANDE CARREIRA DE FUTEBOLISTAO gosto pela bola ficou-lhe desde pequenino e em jeito de brincadeira diz que passou ao seu lado “uma grande carreira de jogador de futebol”. Jogou dois anos nos juniores e depois passou para os seniores onde jogou várias épocas, sempre no Alcanenense. Era defesa central e chegou a ir fazer testes à Académica de Coimbra, mas acabou por não ficar no clube da cidade dos estudantes.Desse tempo recorda várias histórias, uma delas ligada à sua estreia na equipa principal. O campeonato de juniores acabou mais cedo, o que levou muitos associados a “exigirem” ao treinador que colocasse alguns jovens na equipa mais velha. O central Azevedo foi o escolhido, mas no primeiro jogo a titular as coisas não correram bem e ao intervalo a equipa estava a perder 3-1. Os mesmos associados que tinham pedido para entrar sangue novo, agora, em vez de incentivaram, criticavam o treinador por ter posto a jogar “cachopos novos sem experiência nenhuma”. Foram críticas que lhe custaram muito ouvir.Mais tarde começou a dar aulas e o futebol ficou para segundo planto, embora posteriormente tenha sido dirigente do Alcanenense e ainda hoje goste de ver jogos, sobretudo os do seu Benfica. “Não vou ao futebol com tanta regularidade como aquela que gostaria e vejo mais no sofá. Mas tenho pena porque gosto muito do futebol. Só que é ao domingo, no pouco tempo que tenho disponível para a família”, refere.A revolução de Abril de 1974 acabou por não atingir muito Luís Azevedo. Não tinha vida política anterior e nunca sentiu muito as limitações de expressão da ditadura. Diz que viveu “mais aquilo que os outros sentiram e a transformação que houve nas suas vidas, porque deixaram de ser oprimidos e puderam viver em liberdade”.Em 1975 interrompeu os estudos para ir para a tropa, onde, já depois da revolução e da Guerra Colonial, esteve cerca de ano e meio. Quando saiu da tropa foi acabar o curso, mas simultaneamente começou a dar aulas. Em 1977 casou com a esposa, Maria Helena, natural de Alcanena mas que vivia nas Lapas. Conheceram-se numa festa popular e o namorico depressa se tornou sério e foi até ao casamento, do qual nasceram duas filhas: a Teresa, actualmente com 24 anos e a Ana Margarida, que tem 20 anos.Quando casou foi morar para a freguesia de Lapas, no concelho de Torres Novas, e não tinha praticamente ligação nenhuma à vida política de Alcanena. A situação mudou em 1985 quando o convidaram para ser vereador. Estava a trabalhar numa empresa de Alcanena - a Olimar - quando foi contactado para integrar as listas do PS. Aceitou e acabou por ser eleito vereador em dois mandatos e mais tarde presidente. BRITANICAMENTE PONTUALUma das características mais marcantes de Luís Azevedo é a pontualidade e “passa-se dos carretos” quando tem de estar há espera. “A falta de pontualidade faz-me uma confusão muito grande e já deixei pessoas envergonhadas por causa disso”. Um desses casos foi justamente no seu primeiro acto público como presidente da câmara. Tudo aconteceu num dos lugares do concelho, quando o convidaram para estar, a um domingo, às 9h30 da manhã, numa cerimónia. À hora combinada Luís Azevedo estava lá, mas sozinho… Esperou e depois não foi simpático com as pessoas. Agora já toda a gente sabe que a pontualidade é um dos seus “vícios”.E a esta crítica nem escapam os seus colegas presidentes de câmara. “Só há um colega que é como eu e aparece à hora combinada, que é o Nelson Carvalho, de Abrantes. Nós estamos lá sempre à hora marcada e depois olhamos sempre um para o outro e chegamos à conclusão que os únicos que não têm nada para fazer somos nós, porque os atrasados dizem sempre que não chegaram a horas porque tiveram muito trabalho”, diz meio a brincar.Luís Azevedo não tem grandes planos para o futuro, mas gostava de viajar. Só que há “uma mania como outra qualquer”, como ele próprio define, que complica um pouco as coisas. Quando viaja de avião tem uma sensação de falta de ar, o que já lhe causou algumas situações complicadas. Uma vez foi a Itália para ver um sistema de tratamento de efluentes e quando começou a pensar que tinha de ir de avião, começou a transpirar como se estivesse numa sauna. Só que era Fevereiro e a temperatura estava muito baixa. Hoje já está um pouco mais habituado, mas ainda não está totalmente “curado”.Europa e Brasil são dois destinos que pensa conhecer mais em profundidade. “Gostaria de conhecer outras paragens mas pelo facto de ter de andar muito tempo de avião, é um bocado complexo para mim”, revela. No pouco tempo livre que tem, não perde quase nenhum tempo com a leitura, a não ser a dos jornais, que devora diariamente. O domingo, sempre que pode, é o dia da família.

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