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A tradição do "enterro do bacalhau" foi recriada na Casa do Povo de Riachos

Abaixo o bacalhau e viva a chicha

Museu Agrícola de Riachos recupera tradição que marca o fim da Quaresma

As regras da igreja católica eram bem mais duras no tempo em que, durante a Quaresma, era proibido comer carne. Não admira por isso que o fim da proibição fosse celebrado com alegria, ironia e muito mal-dizer. Era o enterro do bacalhau, o peixe mais barato que havia no mercado. No Sábado, por iniciativa do Museu Agrícola de Riachos, a tradição foi retomada. O fiel amigo foi de charola e uma Páscoa bem rechonchuda foi saudada com Aleluias.

Quando o juiz, acompanhado da delegada e dos advogados entraram, já o salão da Casa do Povo de Riachos estava cheio. Eram nove e meia da noite de sábado, dia 6, e iniciava-se assim o julgamento do bacalhau. Uma tradição interrompida em 1994 e agora retomada por iniciativa do Museu Agrícola de Riachos. O réu, acabaria por ser “enterrado” dando-se assim início à Páscoa. Normalmente o enterro do bacalhau, que consiste numa representação “teatral” com alguma sátira à mistura, realizava-se no sábado de Aleluia, antes da Páscoa. No entanto a organização optou por uma outra data, para que não interferisse com as celebrações da Igreja Católica. O guião da peça já vem de tempos ancestrais, mas alguns diálogos vão sendo adaptados ao longo do tempo, nomeadamente os de crítica política e social.O guião usado na representação de Sábado baseou-se num texto escrito pelo avô de José Luís Rito. “Toda a peça roda à volta do facto de na altura da Quaresma não se poder comer carne. Como na altura o peixe mais barato era o bacalhau, durante esse tempo era a única coisa que o povo consumia. A representação marcava o fim da penitência religiosa”, explicou. Para além do juiz da delegada e dos advogados, entram em cena 5 testemunhas de acusação e de defesa. Cada uma delas representa uma profissão. O pastor, o sapateiro, o cozinheiro e até um tropa, são algumas das personagens. Durante a cerca de hora e meia que dura a “peça” estão duas mulheres. Uma vestida de noiva, roliça e apetitosa, representa a Páscoa. A outra, de luto e semblante carregado, faz de Quaresma. Dois guardas, fardados a rigor, montam vigilância.A audiência começa com a audição das testemunhas. Contra o bacalhau, o sapateiro argumenta que por engano demolhou o peixe no alguidar da sola e este acabou por servir de tacão a uns sapatos. O barbeiro declara que se esqueceu de um bacalhau na cadeira e que um cliente ao sentar-se ficou com uma espinha entalada no rabo. A favor do réu, o pastor diz que o bacalhau é muito bom e que até ajudou a engordar um bode. O tropa acrescenta que não há nada melhor para as refeições dos militares e que, se fosse preciso, a tropa defenderia o bacalhau à força. Pelo meio da encenação lá aparecem algumas críticas. A mais ouvida era a da cobertura da casa do povo. “Já era tempo de arranjarem o telhado”, repetiu-se várias vezes. Mas também se falou das passadeiras para peões que mal se vêem. Das passagens sob a linha férrea, que nunca mais se constróem. Da Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) de Riachos, que não anda nem desanda. No final, a sentença do juiz, que já era previsível, condena o bacalhau à “morte”. Para o seu enterro um grupo de raparigas entra em cena com um caixão, dentro do qual é colocado o bacalhau. A urna sai então do palco passando pelo meio do público sentado em cadeiras de madeira, enquanto duas mulheres limpam em frente ao palco o vomitado de uma criança mal disposta. Para muitas pessoas que assistiram à iniciativa, esta foi uma forma de recordar uma tradição com muitos anos. Para que a representação entrasse em cena foi preciso muito trabalho. Os elementos da organização e “actores”, andaram a treinar desde Fevereiro, duas vezes por semana. Mas no entender de todos valeu a pena o esforço.
A tradição do "enterro do bacalhau" foi recriada na Casa do Povo de Riachos

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