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Um ex-forcado que pega os problemas de caras

Dionísio Mendes, presidente da Câmara de Coruche

A primeira lição que Dionísio Mendes aprendeu quando em 2001 chegou a Presidente da câmara de Coruche foi que quem ocupa aquele cargo não tem o poder que se imagina. Aos 46 anos, sportinguista com lugar cativo em Alvalade, leitor compulsivo de livros e jornais, o autarca diz que não tem a tentação de se eternizar no cargo. Ex-forcado amador, ex-futebolista, aprendeu com aquelas actividades a pegar os problemas de caras e a desarmar os adversários com a força da razão. O professor de história conta aqui algumas das histórias da sua vida.

Foi forcado e habituou-se a pegar os problemas de caras. Foi professor e descobriu que a ensinar também se aprende. Foi futebolista e aprendeu a defender-se dos adversários. Aos 46 anos é presidente da Câmara Municipal de Coruche e encara as funções como uma missão com tempo limitado. Dionísio Mendes, o homem que em 2001, como independente integrando uma lista do PS acabou com um longo reinado da CDU, diz que a grande descoberta que fez foi a de que “um presidente não tem tanto poder como se pensa”. E que “é bem mais fácil ser professor”. O autarca não tem motorista destacado, ouve os munícipes no café ou na rua, mas não dispensa a “instituição” fato e gravata nas cerimónias em que participa. Gosta de um bom prato regado por um vinho a preceito e utiliza a leitura para fazer a higiene mental que considera imprescindível.Devora todos os jornais de referência, incluindo os regionais, mas só no papel, porque gosta de sentir o cheiro da tinta e não é adepto da Internet. Não dorme mais de seis horas por dia, mas raramente leva os problemas para a cama. O travesseiro é bom conselheiro, mas o melhor é mesmo o tempo. “O tempo permite reflectir antes de tomar as grandes decisões. Às vezes de deixarmos passar um dia ou dois decidimos melhor” diz, sustentado a “tese” com a experiência. Dionísio Mendes, nasceu nos Foros do Paúl, em Coruche, perto do local onde vive. O pai foi motorista de pesados e a mãe trabalhadora rural. A única irmã é ligeiramente mais velha. O traquina Dionísio teve uma infância “normal”, estudou na escola primária na vila e fez o liceu em Santarém, onde estava na noite de 24 de Abril de 1974. O autarca vivia temporariamente num quarto alugado na cidade onde estudava. Só no dia 25 é que se apercebeu do golpe dos militares, cujo verdadeiro significado foi percebendo nos tempos que se seguiram à revolução dos cravos.A vida de Dionísio não foi um mar de rosas. Terminado o liceu começou a trabalhar como professor para conseguir ganhar algum dinheiro e poder continuar os estudos. Deu aulas de Geografia em Alenquer, Vila Franca, Benavente, Coruche e no Liceu D. Dinis em Lisboa. Foi colega do professor António José Ganhão, actual presidente da Câmara de Benavente e professor do toureiro Rui Bento Vasques que ainda hoje o reconhece como o professor Dionísio.Já com 23 anos entrou na Faculdade de Letras (Universidade Clássica) para fazer a licenciatura em História que concluiu em 1983. Dois anos depois voltou a Coruche onde ficou como professor efectivo e começou a construir uma nova vida. “Sou muito bairrista sem ser chauvinista ou balofo”, diz. O professor conciliou a actividade de docente com a de empresário e nos poucos tempos livres ainda arranjou algum para servir causas públicas. Em 1989, e depois de uma ligação forte ao movimento associativo, foi convidado a integrar as listas da CDU (que era poder) e foi eleito vereador. Trabalhou oito anos com Manuel Brandão e saiu com a ideia de que tinha acabado a carreira autárquica. “Pensei que era a última vez e estava fora dos meus horizontes voltar à vida pública”, refere. Quis o destino que quatro anos depois voltasse e como presidente, depois de derrotar nas urnas o líder com quem trabalhou durante dois mandatos e oito anos. Dionísio Mendes interrompeu o reinado comunista e abriu um novo ciclo na vida política de Coruche. Os seus apoiantes dizem que fez história. “Foram as pessoas que gostam do concelho que me motivaram a alterar o rumo das coisas. Estou aqui porque gosto desta terra e destas pessoas”, justifica. Dionísio Mendes não se quer arrastar na cadeira do poder. Espera fazer um segundo mandato porque quatro anos é pouco para fazer obra, mas defende a limitação de mandatos. “Não há super-homens, não devemos perpetuar os lugares. Há outras pessoas que podem dar o seu contributo e nós não devemos impedir”, frisa. Quando acabar a nova missão quer regressar à escola e aproveitar o tempo livre para ler, viajar, passear pelo campo e acompanhar os dois filhos. “Quero estar mais perto da família”, diz. Os rapazes de 11 e 13 anos são dois admiradores do pai presidente e procuram acompanhar toda a vida autárquica. Lêem jornais, ouvem as rádios locais, conversam com o pai e não hesitam em apontar algumas críticas e reparos. “Eles acompanham mais a minha vida que eu a deles. Tenho pena que assim seja, mas a minha família apoia-me muito”. É hábito ver-se Dionísio Mendes acompanhado pela mulher e pelos dois filhos em cerimónias públicas. “É uma forma de aproveitarmos para estarmos perto. Eu gosto que me acompanhem e eles gostam de assistir aos actos mais importantes” explica.Normalmente, o presidente é o primeiro a chegar à câmara (08h30) e o último a sair (20h00). Depois de jantar participa ainda em várias reuniões e quando regressa leva trabalho para casa. “Não consigo deixar as coisas penduradas”, diz. Não se considera um centralizador, mas diz que há assuntos que são da exclusiva responsabilidade do presidente e confessa que não gosta de pedir conselhos para as grandes decisões. “Se recolho alguma opinião é de forma indirecta”, refere. Há dois sítios onde Dionísio Mendes se perde. No restaurante e nas livrarias. Não olha ao preço de uma boa refeição e de um bom néctar e muito menos dos livros que junta em casa. Conta que quando vai com a família à FNAC, vai cada um para o seu canto e no final juntam-se na caixa. A conta por vezes é assustadora. “Mas é um investimento”, diz.Nesta altura está a ler o “Homem Duplicado” de José Saramago, mas tem na cabeceira livros dos africanos Mia Couto e José Eduardo Águalusa e dos portugueses José Luís Peixoto e Inês Pedrosa. Tem dezenas de livros em lista de espera e lamenta não ter tempo para ler mais. Gosta de viagens ao estrangeiro. Na quadra da Páscoa aproveita sempre para sair com a família e opta por viajar de carro, apesar de reconhecer que não é muito seguro. Os tempos que sobram nos fins de semana são gastos em passeios no campo com o jipe todo o terreno.Para cuidar do físico e do espírito, o presidente não dispensa umas “futeboladas” na equipa de veteranos da terra. Joga a defesa central, mas reconhece que não nasceu para jogador. “É apenas uma forma de descarregar o stress”. Sportinguista com lugar cativo em Alvalade, Dionísio Mendes confessa que sofre mais com as derrotas do seu Coruchense, onde chegou a vestir a camisola nos juniores. Em casa a família está dividida. Um dos filhos é leão, o outro está do lado da mãe e é adepto do Porto. “É uma diferença saudável. Estamos equilibrados, dois para dois”.O autarca admira o Presidente da República, Jorge Sampaio, que considera um homem “discreto, educado, inteligente e culto”. “É uma figura que se destaca pelas suas qualidades”, diz com entusiasmo.Dionísio Mendes não partilha da ideia de que é dos carecas que elas gostam mais, mas também não tem complexos pela falta de cabelo. “Nunca pensei usar capachinho, acho que é ridículo”, refere. Herdou a calvície precoce do seu avô paterno, mas refere com orgulho que o pai de 78 anos tem mais cabelo que ele.Foi forcado nos amadores de Coruche e ajudou a fundar os amadores de Beja. É um aficcionado dos sete costados, adepto e defensor dos toiros de morte. Não vê tantas corridas como gostaria, mas sempre que pode dá um salto a Espanha para ver os melhores matadores executarem a sorte suprema. O presidente tem a valentia própria dos forcados da sua terra, cujo grupo integrou e diz não ter receio de situações desagradáveis. Garante que nunca se sentiu pressionado pelos investidores e procura criar defesas contra os lobbies e interesses instalados. “Sou franco e directo e isso afasta eventuais tentações”, concluiu.

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