Desenfreado Manuel Serra D’Aire
Este mundo está virado de pernas para o ar. Vê lá tu que o folgazão do meu compadre Ludovico anda a pensar em pôr termo à vida e eu não sei como é que hei-de travar a sua obsessão. Desde que teve o desgosto de ver um filho seu nascer em Évora que nunca mais foi o mesmo. Começou a meter-se no álcool e na passa, a ir às meninas e até a ver jogos do Sporting de fio a pavio. Digo-te já que o homem não tem nada contra os alentejanos. Mas a verdade é que essa depravação moral e esses exercícios de autoflagelação que o Ludovico anda a praticar não se dariam se o meu compadre não fosse um daqueles bairristas de pura cepa, que não tem horizontes para lá da sua rua. Eu explico: o homem mora ali para as bandas de Tomar e quando começou a história dos novos hospitais ia-lhe dando um ataque quando soube que a sua patroa, a partir daí, teria de ir parir a Abrantes. Que nem pensar nisso, que a criança ainda havia de trazer defeito por causa da proximidade da central do Pego, que ninguém havia de impedir os tomarenses de nascerem na sua terra e de preferência na sua rua... Enfim, parecia que a mulher tinha que se deslocar a outro planeta para dar à luz, tal foi o escarcéu que o gajo fez antes de se enfiar na tasca e virar um garrafão de palhete.Imagina agora como é que o Ludovico ficou quando lhe disseram que a mulher já não ia ter o rapaz em Abrantes, mas sim a Évora. E que tanto podia ter sido aí como em Leiria, Lisboa ou Santarém. Tudo porque o puto resolveu nascer antes do tempo e nos três famosos hospitais do Médio Tejo não há um só que tenha meios para garantir a assistência à criança.Meu caro, eu até compreendo o meu verrinoso compadre. Mas acho que ele em vez de direccionar a sua fúria contra a sua carcaça devia canalizá-la contra as inteligências que foram capazes de construir três hospitais em tão reduzido espaço geográfico sem os dotar de meios capazes. Não valeria mais um em condições do que três a voar?Depois de ouvir esta história, não sei se ria ou se chore. Mas tenho a certeza que se houvesse um prémio Nobel para a estupidez, para o provincianismo e para o esbanjamento de dinheiros públicos, então era obrigatório contemplar as mentes brilhantes que tão bem planearam as coisas. E também os autarcas, deputados e políticos que tanto pressionaram para terem também um hospitalzinho na sua quinta... Viva o nacional-despesismo! Viva o clientelismo! Viva a classe política que não foi capaz de travar tal aberração!E por falar em classe política, soube há pouco que vai haver um departamento de mulheres socialistas no distrito. Já disse à minha patroa para se filiar porque a coisa promete. Sobretudo tachos. Ela nunca leu Marx, Engels, Mário Soares, ou qualquer outro, mas isso não interessa. A nossa estratégia já está montada e visa, pelo menos, um lugar elegível na lista para a câmara nas próximas eleições. Se isso não acontecer já lhe disse para se acorrentar à linha do comboio em sinal de protesto, até que o partido reveja a sua posição. Ou até que passe uma composição... Pois é Manel, se agora há esta coisa das quotas a gente tem de aproveitar. Até porque as mulheres também têm direito a participar na vida política, são pessoas com ideias muito engraçadas, são mais pragmáticas e mais sensíveis a certos problemas. Em suma, é de políticas como a minha sócia que nós precisamos..E não me venhas dizer agora que eu era um machista empedernido, que punha a mulher de castigo a coser meias e que nunca a levei a passear, nem sequer ao supermercado. Um homem também muda, sobretudo quando valores mais altos se levantam. Respeitosos cumprimentos do assessor de campanha da Maria Joaquina,Serafim das Neves
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