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“O psicoterapeuta é um cúmplice do doente”

“O psicoterapeuta é um cúmplice do doente”

Maria José Filipe ajuda jovens e adultos em Tomar

Nasceu em Abrantes, filha de mãe alentejana e pai beirão. Tirou o curso de psicologia em Lisboa, fez o estágio no hospital Júlio de Matos mas há quatro anos fartou-se da capital e resolveu regressar à província. Chama-se Maria José Filipe e hoje exerce psicoterapia em Tomar, vocacionada para adolescentes e adultos.

Foi por causa de uma depressão que Maria José Filipe decidiu tirar o curso de psicologia. Houve uma época, nos seus tempos de juventude, que andava bastante em baixo e recorreu a vários profissionais mas ninguém conseguia dar com o seu problema. Nessa altura pensou que se os outros não conseguiam, iria tratar-se ela própria.“No primeiro dia de universidade um professor disse à turma «todos os que aqui estão têm algum problema» e eu pensei, será que o homem é bruxo?”, diz-nos Maria José Filipe no escritório da sua residência, onde nos deu a “consulta” por o seu consultório se encontrar em remodelação.Acabou o curso em 1983 e fez o estágio no Hospital Júlio de Matos, em psicoterapia comportamental. Maria José Filipe gosta de ser diferente, de ir pelo caminho menos óbvio. Quando a maioria dos seus colegas de faculdade optaram pela psicologia empresarial, Maria José preferiu a psicologia clínica.E nessa vertente, quando todos escolhiam a psicologia infantil, Maria José escolheu a de adolescentes e adultos. “É onde aparecem os casos mais ricos em termos de tratamento”.Maria José Filipe faz a distinção entre a psicologia analítica e a psicoterapia. Enquanto a primeira vai tentando que o paciente consiga ele próprio chegar a uma conclusão sobre o seu problema, na psicoterapia esse “percurso” nunca é feito sozinho. “Há sempre uma cumplicidade entre o psicoterapeuta e a pessoa que está sentado do outro lado”.Por isso, diz Maria José Filipe, tem de haver logo à partida uma empatia entre os dois ou as coisas não resultam. Fazer psicoterapia não é só sentar-se numa cadeira e ouvir o paciente. “Temos de estar permanentemente informados e actualizados”, refere Maria José Filipe, enquanto tira da estante repleta um livro de capa verde, sobre a toxicodependência.Grande parte dos que procuram a psicoterapia quer livrar-se de problemas de toxicodependência e de alcoolismo – “aqueles que têm ainda a noção de que estão mal e querem mudar, porque só assim se consegue fazer algo”. Cada vez há mais drogas novas a surgirem, às vezes com nomes esquisitíssimos e que alteram os comportamentos de forma diferente das ditas vulgares”, refere, afirmando que acabou agora de se actualizar sobre a nova gama de ecstasy e de outras drogas químicas, que fazem lesões horríveis. “Tenho por exemplo jovens com 18 ou 20 anos que são alcoólicos. Isso é muito grave”, refere Maria José Filipe, adiantando que é na noite que o vício começa. A psicoterapeuta garante que geralmente o jovem que bebe muito é uma pessoa introvertida, que tem medo e que precisa de tomar uns copos para se sentir feliz e à vontade no local onde está.Se os doentes – “eu prefiro chamar-lhe clientes, não gosto da palavra doentes” – masculinos a procuram por causa das drogas, o peso é o grande problema do sexo feminino.Ou porque as jovens cometeram excessos e fizeram bulimia (comer o que apetece e vomitar de seguida, repetidas vezes) ou então fazem anorexia (deixar simplesmente de comer), dois extremos do mesmo problema.“Já apanhei uma jovem que tinha bulimia e depois de quase tratada ficou com inveja de uma amiga que tinha anorexia e acabou também por fazer uma”, diz a psicoterapeuta. Um comportamento incompreensível para quem está do lado de fora da questão.Se um jovem busca apoio na psicoterapia é nos pais que tem de encontrar a maior ajuda. “E não adianta nada gritar ou fazer cenas. Interessa é falar com eles e perguntar-lhes se se querem curar ou fazer algum tratamento”. Para a psicoterapeuta há pais que até ajudam demais, pela negativa. “Os adolescentes precisam de responsabilidade e são demasiado protegidos. É-lhes dado o dinheiro, o carro, tudo e não têm de conseguir nada por eles. Isto é tão mau como não lhes dar nada”.Maria José Filipe diz que há pais que são bastante acessíveis, embora as mães sejam geralmente as que mais cooperam. Além do jovem, a psicoterapeuta tem também de lidar com os progenitores. “Tudo o que o jovem me diz é um segredo que fica entre mim e ele mas depois há outras coisas que têm de ser faladas com os pais, porque estes também não devem ficar na ignorância do que está a acontecer aos próprios filhos”, diz, adiantando que ela e o jovem combinam previamente o que os pais devem saber.Há outros jovens que sofrem de uma doença cada vez mais comum – a solidão. “Ainda recentemente tive o caso de uma jovem que confessava que adorava ver o pai bêbado porque ele quando estava com os copos ligava-lhe e gostava dela”.Maria José Filipe traz muitos casos para casa, para os estudar melhor, ver se o tratamento está a ser bem feito. Muitas vezes perde as horas das refeições e quando tem casos mais problemáticos deixa o telemóvel ligado durante a noite, na mesinha de cabeceira. “Já recebi chamadas às quatro da madrugada”, diz. Do outro lado não está um louco, mas apenas alguém que precisa de falar.Margarida Cabeleira
“O psicoterapeuta é um cúmplice do doente”

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