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Jóia modernista e estandarte de talentos

Rosa de Santarém:

Perdendo a titularidade do Teatro Rosa Damasceno, o centenário Clube de Santarém (agora rejuvenescido) deixará de possuir qualquer património na nossa cidade e a sua história ficará seriamente comprometida. Aliás, sempre que vendeu (quer as paredes da sua sede ao Banco de Portugal, quer o Colégio de Santa Margarida visando a construção de edifícios habitacionais), o Clube de Santarém depressa viu eclipsar os respectivos proventos financeiros.

1 - RaízesAo autorizar representações dramáticas na Igreja de S. João de Alporão (a partir de 1849), o Visconde da Fonte Boa (na época Governador Civil) deu um forte impulso à criação da primeira sociedade de teatro de Santarém (cujos títulos de acções tiveram grande procura e assinalável sucesso).O referido templo romano-gótico, apesar de profanado, resistiu à histeria vandálica que varreu Santarém na centúria oitocentista, tendo funcionado como recinto de espectáculos teatrais até 1875.Por “alvará” do Governador Civil José Ferreira da Cunha e Sousa, a Igreja de S. João de Alporão foi afectada (a partir de 1876) ao projecto do Museu Distrital de Santarém.Esta súbita alteração da funcionalidade do antigo templo hospitalário reforçou a necessidade de construir um teatro (de raiz) no planalto da cidade. Coube ao Clube de Santarém tão hercúlea empresa. O projecto do novo teatro implicou a destruição da Igreja de S. Martinho (da qual foi aproveitada, exclusivamente, a parede posterior).Recorde-se que a antiga matriz da paróquia de S. Martinho (igualmente profanada) também serviu de recinto de espectáculos no século XIX.A demolição de um templo como o de S. Martinho (de que o cónego Duarte Dias conservou a imagem) constituiu um detonador para a explosão da crítica na nossa cidade. O Clube de Santarém, contudo, soube debelar os ventos dessa polémica e as marés financeiras de tão ambicioso empreendimento.O Teatro de Santarém (mais tarde Teatro Rosa Damasceno) foi, oficialmente, inaugurado em 1885. Cinco anos depois (para garantir novos melhoramentos no seu funcionamento), o Clube vendeu ao Banco de Portugal as paredes da sua própria sede (em construção junto ao teatro).De facto, a jóia do Clube de Santarém já era o “Rosa”. Quando o novo edifício (o mesmo que hoje está de pé) substituiu (em 1938) o primitivo recinto, verificaram-se gestos filantrópicos surpreendentes: alguns responsáveis do Clube alienaram propriedades fundiárias e baixelas de prata de modo a permitir a construção do novo teatro, projectado por Amílcar Pinto.2 – Património classificadoEntre as acções da Câmara de Santarém, realizadas de 1992 a 2002, encontra-se o minucioso processo de inventariação e de classificação do património artístico e monumental do nosso concelho.Este objectivo conduziu a que o IPPAR (Instituto Português do Património Arquitectónico) acolhesse a sugestão de eternizar o valor patrimonial e urbanístico do Rosa Damasceno (através de um diploma legal do Ministério da Cultura).Aquando das I Jornadas Europeias do Património (11 de Setembro de 1994), o presidente daquele Instituto anunciou a classificação da obra de Amílcar Pinto como “o primeiro monumento nacional do século XX no nosso país). Porém, só em 19 de Fevereiro de 2002 esta ambição foi confirmada em Diário da República (ainda que na categoria de IIP – Imóvel de Interesse Público). 3 - Consequências da classificaçãoDoravante, ninguém poderá efectuar obras no Teatro Rosa Damasceno susceptíveis de descaracterizar este bem patrimonial representativo do modernismo e da art deco no nosso país.Qualquer restauro (tanto no exterior, como no interior do imóvel) obrigar-se-á a seguir a mesma linha do existente. Os materiais a utilizar terão (inclusive) de ser compatíveis com os materiais originários. Existe, hoje, um código deontológico específico a observar no decurso de restauros e de recuperações de monumentos modernos da nossa península.4 - Responsabilidade do EstadoAté 19 de Fevereiro de 2002, quer a autarquia, quer o Clube de Santarém só poderiam reivindicar verbas para o Rosa Damasceno enquanto cine-teatro. Actualmente, poderão exigi-las ao abrigo das responsabilidades da Administração Central para com o património classificado (veja-se o exemplo do Teatro de S. João, no Porto, integralmente recuperado com verbas do Ministério da Cultura). 5 - TitularidadeDepois da classificação do “Rosa” – considerado “uma obra-prima da arquitectura modernista em Portugal” – o problema da titularidade deste cine-teatro tornou-se uma falsa questão, excepto no que toca às razões da sua própria história (que é, no fundo, a história do Clube de Santarém).Com efeito, nenhuma obra poderá ser realizada naquele edifício sem prévia luz verde da Câmara de Santarém e do IPPAR (tendo o parecer deste Instituto natureza vinculativa e precedência sobre a posição da autarquia).No plano histórico, a titularidade do Teatro de Santarém/Teatro Rosa Damasceno está umbilicalmente associada à trajectória épica do “nosso” Clube.6 - Acordo com a CâmaraQuando o Clube resolveu vender o “Rosa”, depois de ter solicitado (em 1999) a sua transformação em hotel, a Câmara de Santarém acordou (em 2001) os seguintes termos para a respectiva aquisição: entrega de 20 000 contos e de 40 000 metros quadrados de “terrenos industriais”.No actual mandato, a parcela de terreno em causa foi vendida a uma diferente entidade. Todavia, segundo informação prestada (e não desmentida) na última Assembleia Municipal, o Executivo Camarário terá garantido ao Clube de Santarém as mesmas condições anteriormente acordadas (pagaria 20 000 contos acrescidos do valor dos terrenos prometidos ao Clube em 2001). Em menos palavras: o contrato de compra e venda envolveria unicamente meios financeiros com claras vantagens de liquidez para o “vendedor”. Esta solução, porém, não foi concretizada.7 - Direito de superfícieDepois daquela recusa, a autarquia confrontou (este ano) o Clube de Santarém com uma proposta de “aquisição do direito de superfície” do Rosa Damasceno por 50 anos, a troco de 70 000 contos (a pagar em cinco prestações anuais).Esta proposta permitiria ao Clube manter a titularidade da sua jóia cultural e arquitectónica tão arduamente conseguida.8 - Um lugar na históriaPerdendo a titularidade do Teatro Rosa Damasceno, o centenário Clube de Santarém (agora rejuvenescido) deixará de possuir qualquer património na nossa cidade e a sua história ficará seriamente comprometida. Aliás, sempre que vendeu (quer as paredes da sua sede ao Banco de Portugal, quer o Colégio de Santa Margarida visando a construção de edifícios habitacionais), o Clube de Santarém depressa viu eclipsar os respectivos proventos financeiros.A instituição que deu à cidade um estandarte de criação e de vivência cultural que passou de geração em geração jamais poderá terminar sem honra nem glória este capítulo do Rosa Damasceno.Não se pede nenhum milagre ao Clube — apenas que ocupe o seu lugar na História de Santarém e da Cultura em Portugal!Post ScriptumExpropriação?Não deixa de ser curioso que o PSD, através de um discurso crítico mas bem elaborado, tenha defendido a expropriação do Teatro Rosa Damasceno (durante a sessão extraordinária da Assembleia Municipal).Várias questões ficaram no ar — pretenderão os deputados do PSD confrontar os vereadores do mesmo partido que, na Câmara, nunca optaram por um desfecho tão radical? O seu objectivo será o de deixarem a autarquia isolada com tamanha “criança” nos braços? Terão conhecimento de verbas ocultas no Ministério da Cultura onde, até há uma semana, não houve dinheiro para assegurar o funcionamento e a abertura (aos fins de semana) de 30 museus em Portugal?ClubeA participação do Clube de Santarém na assembleia extraordinária de 18 de Junho (de 2003) reveste-se, a meu ver, de especial significado. Poderá ser interpretada como sinal de abertura para encontrar uma solução susceptível de gerar parecerias e novos compromissos com a cidade.Afinal, a permuta do Teatro Rosa Damasceno por almeirinenses terrenos urbanos ainda não se encontra juridicamente concluída e selada. Ora, como se diz para os lados de Almeirim: até ao lavar dos cestos ainda é .... Rosa de Santarém!Santarém, 21 de Junho de 2003.jmnoras@mail.telepac.pt.

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