Na companhia dos livros
Pilar de Castro trocou Lisboa por Tomar e adoptou uma nova profissão
É livreira há apenas seis anos, depois de ter decidido deixar Lisboa, mas já conhece bem os meandros da profissão. Quis ser diferente, apostando no atendimento personalizado e na concepção de um espaço acolhedor, onde o cliente se pode sentar num agradável sofá a ler um livro. E ganhou a aposta. Hoje a sua livraria é das mais procuradas de Tomar, particularmente para quem procura temas específicos ou livros antigos. Mesmo assim, Pilar de Castro considera que na província ainda se compram poucos livros.
Pilar de Castro é alfacinha de gema mas há sete anos que adoptou a cidade de Tomar. Foi nessa altura que a sua vida deu uma voltou de 180 graus. Casou, mudou de cidade e arranjou uma nova actividade. Passou grande parte da sua vida a assessorar a administração da Tabaqueira e nessa altura estava longe de pensar que, aos 47 anos, transformar-se-ia em livreira numa cidade de província. Hoje olha para trás sem arrependimentos.O seu sonho de juventude era seguir advocacia mas a revolução de 74 trocou-lhe as voltas. Ainda chegou a inscrever-se na faculdade mas as convulsões que se viveram na altura levaram-na a desistir e a decidir-se por um curso prático. Acabou no Instituto Superior de Línguas e Administração (ISLA), de onde saiu com um curso superior de secretariado. Até aos 40 anos sempre foi secretária. Até casar com um tomarense.Por opção e não por imposição, como gosta de frisar, Pilar de Castro decidiu largar todas as referências de uma vida e rumar a uma cidade que conhecia apenas de passagem. Ainda por cima foi viver para o campo, numa quinta situada a oito quilómetros de Tomar.“Precisava de substituir o meu emprego de Lisboa e nos primeiros tempos andei a ver o que poderia fazer, procurei empregos mas acabei por investir algum dinheiro que tinha numa coisa minha”, diz. Não sabe se foi por influências do campo mas a verdade é que um dia surgiu a ideia de abrir uma livraria. “Foi quase por acaso, ainda por cima porque nunca trabalhei com livros, embora tanto eu como o meu marido gostemos muito de ler”, diz, adiantando que talvez tenha sido por uma associação de ideias – “o ambiente do campo é propício à leitura”.Depois da ideia veio a prospecção do mercado. E a constatação de que em Tomar não havia de facto um espaço como o que idealizava – “havia alguns sítios onde se vendiam livros mas não uma livraria na verdadeira acepção da palavra”.E foi também por acaso que acabou por conseguir o trespasse de um espaço que servia até então de loja de fotografia. “Até nisso tive sorte porque vim parar, como eu costumo dizer, na sala de visitas de Tomar, um local emblemático e histórico que é a Praça da República”.Entre a ideia e a sua concretização o tempo passou rapidamente. Em menos de um ano abriu a livraria, com algum dinheiro que tinha trazido da Tabaqueira e recorrendo também a um programa comunitário de criação de postos de trabalho. Em seis anos de casa aberta Pilar de Castro conseguiu o que queria – fazer a diferença. Apostou na valorização do espaço e ainda mais no atendimento personalizado. Já depois de ter aberto as duas primeiras salas ,onde se perfilam livros de todos os tamanhos e feitios, avançou para uma terceira sala, mais recôndita que sempre tinha funcionado como armazém. O negócio estava a expandir-se, começou também a entrar na área dos livros antigos, que tinham e continuam a ter muita procura. Talvez porque na zona não haja nada do género. Uma actividade onde nem sempre é fácil compensar a oferta com a procura. “As pessoas continuam a ter alguns pruridos em vender os seus livros antigos, que muitas vezes vêm de heranças”, refere a livreira.Às vezes conseguem-se livros raríssimos, mas geralmente nunca a colecção inteira porque quase sempre são resultado de partilhas em que cada membro da família fica com vários volumes. E se uns acabam por vender, outros preferem guardá-los.“Quem procura um livro antigo procura sempre um livro específico”, diz, adiantando que a maior procura tem sido de livros sobre Tomar e a sua história, descobrimentos, livros de arte. Há também quem queira livros sobre o Ribatejo, o campo, a agricultura. E os amantes da caça, dos toiros e dos cavalos.São geralmente as pessoas de mais idade que compram livros antigos mas Pilar de Castro diz já ter reparado que há um cada vez maior número de jovens que também já entra na salinha do fundo.Uma salinha em tudo diferente das restantes. Ali há livros pelo chão, quase todos de capas já gastas. A um canto um confortável sofá. O candeeiro e o som baixo da música de fundo convidam a um momento prazenteiro de leitura.Apesar de não ter termos de comparação – “nunca tive esta profissão em Lisboa, nem sequer tive uma loja” – Pilar de Castro nota que na província se compram menos livros. “Quando abri a livraria comecei por não fechar à hora de almoço, pensando que as pessoas gostassem de vir aqui na sua hora de almoço, estar um bocadinho, escolher um livro, mas apercebi-me que não havia gente para essa hora”, refere, adiantando que os seus conhecidos lhe diziam não valer a pena porque em Tomar ninguém vai para as lojas à hora de almoço, e acabei por encerrar também das 13h30 às 15h30”.Apesar de viver em Tomar continua a ir regularmente a Lisboa, porque tem lá casa e para ver os amigos. Mas ao fim de sete anos na província já lhe faz confusão e dor de cabeça entrar naquele ritmo frenético. “Aqui há tempo para tudo e muito mais qualidade de vida”, diz. Principalmente se for na companhia dos livros, acrescentamos nós.Margarida Cabeleira
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