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Música entre o rio e os girassóis

Festival do Tejo estreou-se na Praia da Casa Branca em Azambuja

O rio e um campo de girassóis serviram de cenário à quarta edição do Festival do Tejo, que este ano se estreou na Praia da Casa Branca, em Azambuja. A falta de infra-estruturas, de água potável e de saneamento básico são entraves que se ultrapassam facilmente quando a música portuguesa fala mais alto. Para o ano o evento regressa ao local de origem, na freguesia de Valada, Cartaxo.

É sexta-feira, primeiro dia do Festival do Tejo na Praia da Casa Branca, em Azambuja. Do outro lado da linha do comboio, à beira da estrada, um grupo de jovens, mochila e saco cama às costas, aguarda a chegada do autocarro oficial do evento. Ninguém arrisca percorrer a pé a longa estrada de alcatrão, entre quintas e campos de girassóis, que leva à praia fluvial.Depois de ultrapassar a apertada segurança dos postos de controlo e uma revista de agentes da GNR, chega-se ao recinto do festival. Lá dentro, em frente ao Palco Tejo, o mesmo que esteve instalado em Vilar de Mouros, os postos de venda de cerveja dão um tom vermelho garrido ao ambiente. Um lata da cerveja oficial do festival em tamanho gigantesco, instalada à beira rio, inspira os que se preparam para mergulhar numa noite de música e álcool.À medida que os últimos raios de sol vão desaparecendo no horizonte o ambiente de festival de Verão começa a sentir-se. Trocam-se dois dedos de conversa e um cigarro em frente ao rio e sorvem-se animadamente copos de cerveja. A bebida é o produto mais vendido na zona das tasquinhas. No “Psicológico” servem-se hamburgueres e do forno improvisado no recinto saem suculentos pães recheados com chouriço. A especialidade mais exótica – a shoarma israelita - é servida a alguns metros de distância, no parque de campismo improvisado no meio de um hectare de campo.A estrutura foi criada de raiz para acolher as dezenas de festivaleiros itinerantes. Na zona das tendas foi colocada uma sombra artificial sobre estacas de madeira. A água do duche e lavatórios é fornecida por um autotanque dos Bombeiros Voluntários de Azambuja, estacionado em permanência no local. À falta de abastecimento de água, as roulottes de comida servem-se dos bidões de água previamente atestados em Azambuja.No recinto do festival, os sanitários portáteis “Eco Toi” estão estrategicamente distribuídos. Apesar de ocuparem o menor espaço possível são em número suficiente. Quem seguiu as recomendações à risca e trouxe repelente de melgas consegue sobreviver sem ostentar as marcas dos insectos que teimam em marcar presença. Os mais incautos tentam o efeito milagroso da água tónica, aconselhada pelos mais experientes como a melhor forma de afastar os insectos.Ao fundo do recinto, numa passarela quase abandonada, esvoaçam criações da Escola Profissional Magestil. Na Artizone artistas promissores dão azo à criatividade e desenham nas árvores motivos em tons fluorescentes. Os mais aventureiros experimentam o “airbungee”. Ao lado exemplificam-se jogos de fogo e malabarismos e os amantes do “grafitti” espalham as suas cores pelos painéis do festival.Mas há quem procure o festival apenas pelo acessório. No recinto dos espectáculos vendem-se “t-shirts” e isqueiros alusivos ao evento. Nas barracas espalham-se brincos, lenços, bonés, bonecos, incenso e até modelos de estilistas em ascensão que vêem no festival o local mais indicado de promoção para futuros clientes.Por volta das 22h00 abre o palco principal. A voz única de Maria João, acompanhada ao piano por Mário Laginha, ecoa por todo o recinto. Por entre o pouco público infiltram-se elementos do Teatro Persona que fazem pequenas incursões nocturnas sobre andas, disfarçados de aranhas e outros insectos. O espectáculo promete. E a música portuguesa segue à beira do Tejo pela noite dentro.Ana SantiagoA arte aprende-se na ruaA baiana Daisy, 37 anos, é uma das artesãs que assenta arraiais nas três noites de Festival do Tejo. Vem de Lisboa à Praia da Casa Branca para fazer os “téréré”. É este o nome que se dá no Brasil às famosas tranças coloridas que se entrelaçam no cabelo. “Faço combinação das cores da bandeira da América, de Bob Marley... A malta escolhe”, convida Daisy.Cada trança pode custar entre 5 a 15 euros. Depende do tamanho e do número de cores usadas, explica enquanto vai estendendo na superfície da pequena caixa de lãs, algumas amostras de tranças que aplica directamente no cabelo.A arte aprendeu-a sozinha. A ver. “A curiosidade é o princípio da minha sabedoria. Não há melhor escola para aprender que a rua”.O seu trabalho é já uma presença assídua nos festivais que aquecem o Verão. O trabalho da artesã é um manifesto contra a tristeza. Enfeita os espaços de cor e impede que o vazio se apodere das ruas. O cartaz é quem mais ordena“O Irmão do Meio”, de Sérgio Godinho, e o primeiro trabalho a solo de David Fonseca, ex-vocalista dos “Silence 4”, trouxeram muitos fãs à Praia da Casa Branca. “Sérgio e David!”, responde prontamente Maria João, 22 anos, residente em Santarém para justificar a sua presença no festival. Andreia Pereira, 27 anos, veio do Entroncamento atraída pelo concerto de Sérgio Godinho, mas acabou por surpreender-se com os ritmos de Maria João e Mário Laginha.As mesmas razões trouxeram Joana Marques, 21 anos, estudante de Setúbal, às margens do Tejo. A presença de “Blasted Mechanism” também foi decisiva para que tomasse a decisão de comprar o bilhete. O responsável da empresa Código 356, Helder Raimundo, explica que foi preciso repensar um novo local para o festival que nasceu na Praia de Valada, Cartaxo. “Foi começar tudo de novo, mas o espaço ficou agradável”.Para criar um novo espaço foi preciso superar a falta de água potável e a inexistência de linhas telefónicas. “Tentámos fazer o melhor e acho que foram criadas as mínimas condições”. Mas à semelhança do que aconteceu com a maioria dos festivais de Verão o evento do Tejo também se ressentiu com a crise económica que se atravessa. Sérgio Godinho “canta de galo” no Festival do Tejo“Tenho prazer em estar no palco”Já não é a primeira vez que Sérgio Godinho surge como um dos cabeças de cartaz do Festival do Tejo, mas as melodias que povoam o imaginário auditivo de muitos continuam a ser um forte motivo de atracção.O público que aguarda o seu espectáculo juntou-se na frente ao palco às 00h00 de sábado. Sérgio Godinho sobe ao palco. O público aplaude. Os mais fiéis sabem a música de cor e acompanham. “Viva a visita guiada”, entoam. Pouco depois surge a popular figura em loiça colorida de Barcelos que Sérgio Godinho segura debaixo do braço. É o momento da noite em que se “canta de galo”. Segue-se a interpretação das humilhações das praxes académicas e a crítica aos presidentes “de câmaras, partidos políticos e clubes de futebol” que todos os dias entram pela casa dos portugueses através da televisão.A intemporalidade das melodias agrada a gente de todas as idades, mas Sérgio Godinho recusa o estatuto forçado de “jovem”. Em conversa com O MIRANTE confessa que não é adepto do bilhete de identidade. “Eu próprio perdi-o e não estou para ir buscar uma segunda via”, diz com humor.O segredo é o amor à música. “Tenho prazer em estar no palco. Interajo com os meus músicos. No momento de estar no palco parece que está tudo feito”.Sérgio Godinho já esteve em Valada, o local que viu nascer o festival. “Conheço esta zona muito bem e para mim foi um prazer voltar ao Festival do Tejo que há dois anos ensaiava os primeiros passos. Quando um festival como este se solidifica em terra firme, embora ao pé do rio, é um assunto feliz”.Para o cantor este é um festival nascente. Não tem a grandeza em termos de público de outros festivais, mas vai ganhando “uma afirmação não só local, mas também nacional e da música portuguesa”.Uma garrafa de champanhe no camarimDo outro lado dos holofotes, por detrás do palco, vive-se o outro lado do festival. Numa esplanada instalada entre dois bares, que servem os músicos e a equipa de produção, servem-se caipirinhas, vodkas e cervejas. São os únicos dois bares no recinto onde não é preciso pagar para consumir. A organização, já habituada aos gostos dos músicos, põe à disposição um serviço de “catering” com sandes, frutas e salgados. Os camarins improvisados são contentores onde os cantores e músicos trocam de roupa depois do espectáculo. A maior parte dos artistas, de Lisboa e Porto, pernoitam em hotéis nos arredores de Azambuja.Os artistas convidados não são particularmente exigentes, com excepção apenas do brasileiro Lenine, que pediu uma garrafa de champanhe no camarim para depois da actuação.A equipa de produção de Maria João e Mário Laginha incomodou a organização apenas para pedir toalhetes repelentes de insectos para os seis músicos. A Sérgio Godinho chega-lhe saborear calmamente um “whisky”, depois do espectáculo.

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