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Henriqueta Veríssimo nunca recusou trabalho

A mulher que operava galinhas

Henriqueta Verissímo do Outeiro Pequeno, Torres Novas

A história é curiosa e até um pouco inacreditável, mas o certo é que Henriqueta Veríssimo salvava galinhas que tinham engolido amêndoas amargas, operando-as ao papo. “Quando as galinhas apareciam amocheladas cortava-lhes o papo, limpava-o e lavava-o com azeite e depois cozia-o com uma agulha e uma linha”, conta Henriqueta Veríssimo, uma simpática habitante da aldeia de Outeiro Pequeno, concelho de Torres novas.

Apesar dos seus 91 anos, Henriqueta Veríssimo conserva a vivacidade do olhar e não percebe a admiração que o simples feito de operar galinhas possa causar: “Ninguém me ensinou fui eu que pensei, mas se não lhes fizesse esse trabalho, elas coitadinhas morriam”. E pelo que diz todas as suas pacientes resistiram à operação: “Graças a Deus não me morreu nenhuma”. Os instrumentos operatórios resumiam-se a uma tesoura, agulha e linha embebida em azeite. “Depois de cozê-las deitava-lhe uma pinga de azeite pelo bico abaixo, passado dois ou três dias estavam boas”. Mas Henriqueta Veríssimo, uma “filha” do Outeiro Pequeno, freguesia de Assentis, como gosta de dizer, é mulher de rija têmpera. Casou nova, criou quatro filhos e nunca rejeitou trabalho: “Fazia tudo o que me pedisse para ganhar mais alguma coisa para me governar”. Apanhava pinhas, ia à caruma, partia amêndoas de empreitada, fazia chouriços, cuidava da casa e dos filhos e ainda arranjava tempo para ser lavadeira e tosquiadora de ovelhas, trabalho normalmente dedicado aos homens.“Passaram-me o ofício. Ia na burrita com umas tesouras maiores do que as de costura e tosquiava as ovelhas aí à volta. Fui a muito lado - Moreiras, Carvalhal do Pombo - ia onde era preciso. Nos rebanhos maiores tosquiava as ovelhas a pouco e pouco... Fui assim a minha vida. Trabalhei muito, era de noite e de dia”.Dos tempos de lavadeira, há 60 ou 70 anos – “era muito nova na altura” – Henriqueta Veríssimo recorda o trafego da tarefa. Como não havia detergentes e o sabão era caro usavam-se produtos e sub-produtos naturais. Primeiro a roupa era mergulhada numa calda pouco cheirosa: “Metiamo-la em urina cediça misturada com porcaria de galinha e cinza. Ficava ali de um dia para o outro, depois espremíamos a roupa e ficava mais um dia bem abafada em sacas de linhaça. A seguir íamos para o ribeiro, para tirar o cheiro em água corrente”.A tarefa não acabava por aqui: “Apanhávamos piteiras, cortávamos as folhas aos bocados e pisávamo-las com um martelo. Ficava uma papa branca que deixava a roupa muito limadinha, mesmo a daqueles que eram mais besuntões, como os meus primos. São tempos que já lá vão”.Recorda os trabalhos por que passou com minúcia e vivacidade. Sentada junto à janela Henriqueta Veríssimo, que não gosta de ver televisão – “são uns palhaços que para ali estão” - guarda ainda outra particularidade: é a única trisavó do Outeiro Pequeno. Os quatro filhos, deram-lhe 13 netos, “uns poucos” de bisnetos e um trineto.Margarida Trincão
Henriqueta Veríssimo nunca recusou trabalho

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