Escrever para os netos
José Vieira de Sousa, escritor popular da Golegã
Sempre gostou de escrever, embora só depois de adulto tivesse completado o quarto ano de escolaridade. José Vieira de Sousa, nascido na Golegã há 76 anos, decidiu escrever a história da sua terra que é também a sua própria história. O livro chama-se “Golegã terra onde nasci”.
Filho de trabalhadores rurais, José Vieira de Sousa, o “Marmelada”, nasceu na Golegã e ainda muito pequeno mudou-se para a “Gameira”, uma quinta junto à “Cardiga”, que pertencia a Alexandrino Tavares: “Fomos para lá porque o meu pai ficou encarregue de plantar e cuidar de um pomar com 12 ou 13 jeiras [cerca de 3 hectares]. Alexandrino Tavares, da família dos Veigas, sempre gostou muito do meu pai”.Mas alguns anos depois, o pai, a quem chamavam “Marmelada” – “já ao meu avô era o Marmelada, mas não sei porquê” – teve uma melhor proposta de trabalho, “um ordenado um pouquinho melhor” e a família foi trabalhar para outra quinta. Quando fez sete anos, José Vieira de Sousa entrou na escola do Entroncamento: “Fui eu que estreei a escola que fica à entrada da avenida dos quartéis, mas só pude fazer até à segunda classe”. A quinta onde o pai trabalhava faliu, foi comprada por outra pessoa e a família voltou para a vila. “Ainda andei um ou dois meses na terceira mas tive de sair”.Com pouco mais de 9 anos, o autor de “Golegã terra onde nasci” começou a trabalhar, no campo, “como era costume”. Por lá andou até ir para a tropa, sem mais ter tido hipótese de estudar. “O alferes Almeida e Sousa que foi um grande amigo meu disse-me para tirar o curso de cabo, mas eu não podia porque não tinha a quarta classe”. Fez o ensino obrigatório ao serviço do exército, foi promovido e, logo depois, o mesmo alferes incentivou-o a concorrer ao curso de furriel: “Fiz três requerimentos para passar para a Escola Prática de Cavalaria, em Torres Novas. Expliquei ao comandante que morava na Golegã e ele achou que eu queria ir para Torres Novas para andar a trabalhar na Golegã a ganhar o dinheiro da tropa. Rasgou os requerimentos, eu saí da tropa, estava em Elvas, e fui para a Golegã”.Na terra natal, José Vieira de Sousa voltou para o campo mas não desistiu de lutar e melhorar a sua vida. Concorreu para a polícia e entrou: “No fim da instrução estive em Setúbal, depois fui para Lisboa. Fiz parte da fanfarra, tocava trombone... Como gostava de escrever, os sub-chefes diziam para eu ficar na esquadra a escrever toda aquela papelada que era necessária”.A quarta classe feita durante o cumprimento do serviço militar só tinha validade para o exército. Incentivado pelos superiores acabou por fazer a quarta classe e chegou a sub-chefe. Após o assalto ao paquete Santa Maria, em Janeiro de 1961, Vieira de Sousa foi nomeado para comandar a equipa que exerceu a fiscalização na viagem seguinte do navio.“Fui louvado e passei anos nas brigadas de fiscalização e não tentei nova promoção porque naquele trabalho ganhava mais”. Após a reforma, José Vieira de Sousa voltou para a Golegã e aí, com mais tempo, dedicou-se a outro tipo de escrita. “Apesar de não ter estudado sempre gostei muito de escrever e de ler e achei que seria interessante deixar aos meus netos estas histórias. Foi para eles que escrevi”.São histórias de gentes e costumes da vila, com referências a figuras proeminentes de outrora e da actualidade. Numa linguagem simples, José Vieira de Sousa engrossa o número de contadores de histórias, desta vez passadas a livro.“Mas tive de pedir dinheiro emprestado para fazer o livro, porque a câmara não me deu qualquer subsídio, apenas permite que ele seja vendido no posto de turismo”, lamenta o autor da brochura. O livro custa 8 euros e sem pretensões literárias fixa muitas das histórias orais desta vila, que anualmente por ocasião do S. Martinho é tema de primeira página dos grandes órgãos de comunicação social.Margarida Trincão
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