uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
O construtor de barcos que gosta de cozinhar

O construtor de barcos que gosta de cozinhar

José Alberto Ferreira é um homem dos sete ofícios

José Alberto da Conceição Ferreira combate a solidão da aldeia de Dornes dedicando-se de corpo e alma ao trabalho. Grande parte dos típicos barcos de pesca que cruzam as águas do rio Zêzere é construída por si. E como o dia custa a passar ainda tem tempo para a agricultura, para assar porcos no espeto e para dar uma ajuda num café da zona.

Considera-se acima de tudo um artesão. Porque as suas mãos servem de máquinas na construção dos tradicionais barcos do Zêzere. Uma profissão que abraçou aos 30 anos, depois de se ter cansado de trabalhar numa bomba de gasolina.Despediu-se com a perspectiva de “ir para outro lado” mas, enquanto esperava pelo tal emprego, entreteve-se a ajudar o pai na construção de barcos. “O meu pai começou tarde na profissão, aos 65 anos, e como eu estava sem fazer nada na altura decidi dar-lhe uma ajuda”.Uma decisão que acabou por mudar o rumo da sua vida. E hoje, apesar de nunca ter aprendido carpintaria, faz dezenas de abrangeis, conhecidos também por barcos de três tábuas, porque são construídos apenas com três tábuas de pinheiro, uma de fundo e duas laterais.E não se pense que esta é uma profissão pouco rentável. Só no ano passado José Alberto construiu 22 barcos, arrecadando 550 euros por cada um.Hoje, a maioria dos seus clientes são pescadores de peixe do rio, acheigãs e barbos principalmente. Faz também alguns barcos para pessoas que nunca pescaram nada na vida, mas que gostam apenas de dar uma volta calma pela albufeira do Castelo do Bode. Mas nem sempre foi assim.“Antigamente o barco de três tábuas funcionava como um carro que os habitantes utilizavam para transportarem coisas”. Era então normal ver os abrangeis a atravessarem o rio carregados de estrume, animais, milho, carnes, tudo. “Era a camioneta cá do sítio”, refere o artesão.Um barco de três tábuas com 5,12 metros de comprimento e 1,40 de largura demora cerca de 40 horas a fazer. O que não quer dizer que José Alberto faça um barco em dois dias. O artesão é patrão de si mesmo e não costuma ter um horário de trabalho, previamente, definido.“Ontem, por exemplo, trabalhei neles só à tarde, hoje ainda não estive lá”. Mas faz ponto de honra em cumprir o prazo estipulado com o cliente. “Ainda agora me encomendaram um para o início de Abril e se não houver azar há-de estar pronto nessa altura”.José Alberto puxa por um pequeno cartão plastificado enquanto diz: “Se um dia precisar de quem lhe construa um barco...”. Em letras vermelho vivo aparecem os dizeres – “construtor de barcos artesanais e porco no espeto”. Porco no espeto? Pergunta-se e o artesão sorri – “bem, é que eu também asso porcos, ao fim de semana e quando quiserem”.Diz quem o conhece de há longa data que o construtor de barcos é também um cozinheiro de mão cheia. José Alberto não nega que gosta de cozinhar e adianta mesmo que quase todos os sábados tem trabalho. “Costumam falar-me para eu ir cozinhar em festas e convívios particulares”. A sopa de peixe é a sua especialidade, mas ajeita-se a fazer quase todos os pratos, do peixe à carne. Nos doces é que não mete a mão.E todas as sextas-feiras ainda trabalha num café, das sete da manhã às 11 da noite. Porque gosta deste tipo de serviço e porque é também uma forma de se divertir, de poder dar dois dedos de conversa a quem entra para beber uma bica ou uma cerveja. “Assim consigo juntar o útil ao agradável”.Quando não está a construir barcos, a assar porcos no espeto, a cozinhar por encomenda, ou a tirar bicas no café, José Alberto dedica-se à agricultura, cuidando de uma vinha a que chama “um conjunto de videiras espalhadas pelo terreno”. Faz vinho para casa e também vende algum. Ou melhor, “dá mais que vende”.Solteiro, sem ninguém que o “prenda” em casa, José Alberto é também um homem prestável para a comunidade, marcando presença na vida associativa da freguesia. É presidente da mesa da assembleia geral da Associação Florestal de Ferreira do Zêzere e secretário da associação de melhoramentos da aldeia.“Não gosto de estar parado”, diz, à laia de justificação.Margarida Cabeleira
O construtor de barcos que gosta de cozinhar

Mais Notícias

    A carregar...