Um paraíso rodeado pelo Zêzere
Em Dornes sobra em paisagem o que falta em infra-estruturas
Não há visitante que fique indiferente à fabulosa paisagem de Dornes, aldeia sede de freguesia, situada no limite norte do distrito de Santarém. Um lugar idílico sem escolas, correio ou mercearias. E onde os cafés só abrem no Verão.
Erigida numa pequena península, rodeada pela albufeira de Castelo de Bode, Dornes é um regalo para a vista. O casario antigo, as vielas de calçada irregular, o largo da igreja de onde se avistam as águas do Zêzere. Mas Dornes é também uma aldeia quase fantasma, habitada por uma vintena de pessoas já reformadas. Não há escola, mercearia, posto de correio, médico. É o outro lado do paraíso. Não é difícil chegar a Dornes. Em Tomar, basta apanhar a Estrada Nacional 110 (sentido de Coimbra) e cortar em direcção a Ferreira do Zêzere pela nacional 238. A placa que indica a aldeia aparece pouco depois de se passar pela Bela Vista, terra conhecida pelo leitão assado. A estrada tem sempre piso bom, mas puxa à perícia do condutor, principalmente nas famosas curvas e contracurvas de Alviobeira. A aldeia fica cerca de uma dúzia de quilómetros para lá de Ferreira do Zêzere. Na EN 238, pouco antes da ponte do Vale a Ursa que dá acesso ao concelho da Sertã, corta-se à esquerda e andam-se três ou quatro quilómetros por uma via asfaltada que serpenteia pelo meio de pinhais. Um trajecto feito na companhia de 14 cruzeiros, situados ora à esquerda ora à direita, que vão mostrando os passos do Calvário. É difícil, pelo menos em dias chuvosos, encontrar gente nas ruas. Mas em algumas janelas as cortinas agitam-se, talvez para perscrutar a chegada de intrusos. Finalmente algum movimento, na rua que sobe até ao Santuário de Nossa Senhora do Pranto. Sábado é dia de atendimento ao público na junta e quem tem assuntos a resolver aproveita a manhã. A freguesia de Dornes estende-se por 20 quilómetros quadrados povoados por cerca de 800 pessoas. As aldeias estão dispersas numa zona de elevado relevo, o que dificulta a chegada do saneamento básico às povoações. Uma situação que poderá ser resolvida este ano, com a construção, já em curso, de duas estações de tratamento de águas residuais (ETAR’s), uma junto ao Lagar de São Guilherme outra no Rio Fundeiro. As empreitadas para a construção das condutas de esgotos foram já adjudicadas, esperando-se a todo o momento o início das obras que irão esburacar estradas que há pouco tempo levaram novo pavimento, mas que deverão deixar incólumes as ruas de calçada de Dornes. O fenómeno da migração é uma referência ali. Os jovens “fugiram” para Ferreira do Zêzere, o centro populacional mais próximo, para a capital e/ou para o estrangeiro, à procura de trabalho. A “culpa” foi do rio Zêzere que nos anos 50 galgou as margens e desapossou as pessoas das suas terras de cultivo, submergindo também parte das habitações. Hoje apenas uma vintena de pessoas habita parte do casario de Dornes. Há quatro jovens, todos filhos do mesmo casal, donos do único café aberto na aldeia, cinco ou seis pessoas de meia idade. O restante são pessoas já idosas, que vivem das pensões de reforma e da pequena agricultura. A escola primária fechou há três anos, quando era frequentada por dois alunos. O cenário de desertificação é alterado no Verão, quando as casas fechadas ao longo do ano se abrem para os filhos da terra que vêm de férias. Nessa altura, a população chega a quadruplicar. José Alberto Ferreira é um dos resistentes da aldeia. Com 45 anos de idade dedica o seu dia a dia à construção dos barcos típicos do Zêzere, uma actividade que ainda vai dando algum lucro. Ficou na aldeia por “algum comodismo” mas não rejeita a ideia de um dia morar em qualquer outro local. Cozinheiro de mão cheia, José Alberto critica o facto de uma aldeia turística como Dornes não ter um restaurante de qualidade. Quem visita Dornes queixa-se da falta de infra-estruturas de apoio. Em construção na periferia da aldeia está um edifício camarário que irá servir de restaurante mas pouco mais se pode fazer, devido às condicionantes impostas pelo Plano de Ordenamento da Albufeira de Castelo de Bode. À espera de aprovação continua um parque de campismo e uma praia fluvial. O presidente da junta queixa-se desse facto e diz mesmo que as gentes da terra estão a ser roubadas pelo Governo porque não podem fazer nada nos seus terrenos, nem a agricultura de subsistência. Quem quiser comprar um pacote de leite ou um quilo de arroz tem de se deslocar à aldeia mais próxima ou a Ferreira do Zêzere, porque em Dornes não há uma única mercearia. O carteiro faz a distribuição do correio e o padeiro buzina a anunciar o pão fresco logo pela manhã. Posto médico é coisa que também não existe em Dornes. Os residentes deslocam-se à aldeia de Frazoeira, onde o médico vai todas as manhãs consultar os habitantes de três freguesias - Dornes, Paio Mendes e Beco. Mas há quem tenha trocado a vida citadina de Lisboa pela pacatez de Dornes. Como Cristina Vinhais, engenheira florestal na FlorZêzere, associação de desenvolvimento florestal a funcionar nas antigas instalações da escola primária de Dornes. Apesar de todos os dias fazer mais de 30 quilómetros de Limeiras, Barquinha, onde mora, até ao local de trabalho, Cristina diz adorar o sossego da terra. “Às vezes passo a hora de almoço a andar de um lado para o outro com o carro, a apreciar a paisagem”. E quem olha para o pequeno casario rodeado de água compreende bem as palavras de Cristina Vinhais. Mesmo sem as comodidades de uma vida moderna Dornes continua a ser um paraíso. Margarida Cabeleira
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