Praxes e subversões
“No uso compreensível de uma postura politicamente correcta, o presidente do Politécnico de Santarém veio até a público salientando aquilo que considera constituir o paradoxo da situação, argumentando “que as praxes sempre tiveram um carácter moral”. Com o devido respeito, de facto, não tiveram! Pelo contrário, tiveram sempre um carácter intrínseco de subversão da moral!”
Periodicamente emergem entre nós alguns assuntos que, inesperadamente, adquirem estatutos de modismo, dando origem a chocantes revelações e inflamados discursos públicos de circunstância, acerca das circunstâncias, sempre perversas, da coisa pública. Cria-se, então, o desejado ambiente emocional, de preferência envolvendo um considerável escândalo social, sempre conveniente em termos de audiências. É precisamente o que tem acontecido com a recente campanha anti-praxes que (nos intervalos da enxurrada informativa sobre a pedofilia, os escândalos governamentais ou as polémicas futebolisticas) vai fazendo escola um pouco por tudo o que é comunicação nacional e regional, e que agora, passado que é algum tempo, talvez permita uma análise mais racional e ponderada!Tal como as coisas são apresentadas, o cidadão comum vai naturalmente interiorizando a ideia de que, por detrás de tais actos rituais, se acoita toda uma nova geração não só “rasca” mas também abominável, composta de monstruosas criaturas abjectas e imorais. Uma espécie de anti-cristos de “jeans” e “t-shirt”, transformados por eventuais pactos satânicos em demoníacos corruptores da moral tradicional, cristã e ocidental! No uso compreensível de uma postura politicamente correcta, o presidente do Politécnico de Santarém, veio até a público salientando aquilo que considera constituir o paradoxo da situação, argumentando “que as praxes sempre tiveram um carácter moral”. Com o devido respeito, de facto, não tiveram!Pelo contrário, tiveram sempre um carácter intrínseco de subversão da moral!Como qualquer rito de iniciação, correspondem à consagração da rotura com um tempo passado e à inauguração de um outro; novo e regenerado!São tempos de caos; simbolizados precisamente pelas alegorias do caos: inversões, subversões, sátiras, desordens morais e sociais!É o que acontecia (e acontece esporadicamente ainda hoje) com as celebrações dos fins dos anos (de que o carnaval, hoje muito transformado e domesticado, era decorrência), com os “roubos rituais” pelo Natal ou pelo São João, com as pantominas burlescas e iniciáticas dos “enterros do entrudo”, do “galo” ou do “bacalhau”, com a “serração da velha”, com as “queimas do judas“ ou das “comadres”, com as “partidas” nos casamentos, com as “despedidas de solteiro”, com os ritos de iniciação à idade adulta (de que as “sortes” eram, entre nós, paradigma especial) ou, ainda, com as peculiares, e hoje mediáticas, “saídas dos caretos” bragantinos, ou das “velhas” e “chocalheiros” do planalto mirandês.São mecanismos naturalmente subversivos da ordem instituída. Em que a desordem, excepcionalmente, se sobrepõe à ordem. Em que a excepção, temporariamente, substitui a regra! Naturalmente susceptíveis de redundar em excessos!Que hoje numa sociedade mais liberal, assumem naturalmente contornos mais ousados. Susceptíveis, naturalmente, de impressionar observadores mais “caretas”. “Cotas”, como agora se diz!Aliás, os seus excessos podem até ser encarados como o preço a pagar para enquadrar institucionalmente a irreverência juvenil e mantê-la, digamos, em limites aceitáveis!Eram, em tempos idos, o mal menor indispensável ao controlo de uma conflitualidade geracional em sociedades particularmente conservadoras, logo de integração juvenil demorada. São hoje meras reminiscências de tal (esquecidas que foram as suas simbologias arcanas), mas sustentadas ainda pela tradição e pela lógica operativa do “há-de chegar a minha vez”, que os ciclos estudantis vão proporcionando.Contudo, bem pior que estes eventuais excessos em práticas ritualizadas, são aqueles que, desenquadrados institucionalmente, se desenvolvem sem qualquer controlo ou noção de limites. Como os bandos de delinquentes das zonas suburbanas! Como o holiganismo das claques de futebol!Critiquemos os excessos, sim..Incentivemos as vítimas a queixarem-se se se sentirem feridas na sua dignidade!Mas, por favor, não se faça disto uma caça às bruxas!Até porque, as ditas, são hoje espécimes em vias de extinção!
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