O pior é quando o cliente não compra
Joaquim Manuel Figueiredo Nunes, 30 anos, vendedor
Joaquim Nunes é vendedor e diz que o segredo, em qualquer profissão, é gostar do que se faz. A simpatia espontânea e as técnicas comerciais fazem o resto. O pior mesmo é quando os clientes não têm dinheiro para investir, diz o jovem que sobreviveu a um grave acidente de trabalho há seis anos.
Ser vendedor exige, em primeiro lugar, facilidade de relacionamento com o público. Depois há toda uma técnica que se adquire e um saber como apresentar os produtos que se comercializam, por isso existem cursos de Técnicas de Venda. Mas o primeiro contacto, a simpatia espontânea é mais difícil de ser ensinada. Joaquim Nunes, 30 anos, vendedor de artigos de rega e canalizações domésticas, pode gabar-se de possuir essa capacidade inata, o resto vem por acréscimo.“Como em todas as profissões é preciso gostar do que se faz”, diz. E de segunda a sexta-feira, este vendedor sai de Samora Correia, onde reside, a caminho do Alentejo. “Faço o Alto Alentejo e também, um parte do Baixo Alentejo, é toda a semana na estrada”.A actividade que exerce não foi a sua primeira escolha de emprego. Joaquim Nunes, natural de Foros da Branca, no concelho de Coruche, começou a trabalhar bastante cedo. Os livros não o cativavam por aí além – “pensava mais nas miúdas” – e desistiu da escola antes de acabar o 3.º ciclo do ensino básico. Primeiro trabalhou com os pais na agricultura, depois arranjou emprego numa firma de instalações eléctricas, mudou para outra no mesmo ramo e quatro ou cinco anos depois voltou à primeira, sedeada em Almeirim.Aos 24 anos sofreu um acidente que o obrigou a enveredar por outro ramo de vida. “Fui electrocutado, quando estava a subir para um poste, caí de uma altura de 16 metros”. O acidente provocou-lhe traumatismos craniano e de costelas, que lhe perfuraram um pulmão e obrigaram à amputação dos dois antebraços. “Não me lembro do dia do acidente, nem dos 22 dias seguintes. Não estive em estado de coma, mas sedado por causa das dores”.Quando o pior passou, Joaquim Nunes não pôde continuar na mesma empresa. A junta médica que o observou atribuiu-lhe 100 por cento de incapacidade e acabou por ser despedido.Inscreveu-se então no centro de emprego e frequentou um curso de técnicas de venda. Munido de uma nova formação profissional, Joaquim Nunes não esperou muito para reentrar no mercado de trabalho.“Foi rápido. Fui trabalhar para uma empresa de seguros. Saí ao fim de seis meses por que quis, estava em oitavo lugar nos melhores vendedores nacionais”. Segundo conta, a empresa, por lapso, não o inscreveu nas necessárias acções de formação e Joaquim Nunes, que já tinha uma entrevista com a firma em que trabalha, preferiu sair.Seis anos depois do acidente que o mutilou, Joaquim Nunes faz a sua vida normal, auxiliado por duas próteses com mobilidade de alguns dedos e do pulso e continua a ser uma pessoa bem disposta. “É claro que não é a mesma coisa e surgem pequenas dificuldades em coisas a que ninguém está atento porque ainda há muito pouca sensibilidade para criar adaptações para os deficientes”, opina.Coisas tão simples como levantar dinheiro em algumas caixas de multibanco que têm a saída de dinheiro na vertical, abastecer o depósito do carro em posto de self service ou conseguir cortar a carne num restaurante.Por sorte, como diz, já tinha carta de condução antes do acidente, caso contrário tinha sido outra “carga de trabalhos”. As escolas de condução não têm viaturas com caixa automática, nem com ar condicionado, na maior parte dos casos. “A transpiração é prejudicial porque faz deslocar a prótese e os sensores podem não reagir aos estímulos dos tendões”, explica.A condução para ele é um prazer e tem de fazê-lo na sua actividade normal, embora também realce o risco de andar diariamente na estrada. “Todas as profissões têm os seus riscos”, comenta.No dia a dia, por vezes sente que num primeiro contacto os clientes ficam surpresos. As próteses importadas da Alemanha podem causar um certo impacto inicial, mas passa depressa. Tem mais dificuldade em transportar a pasta com os catálogos. “Já arranjei uma para transportar ao ombro, porque era difícil levá-la de outra forma devido ao peso”. O computador também tem algumas adaptações e é muito mais leve do que é habitual. De resto, o pior da profissão é os clientes não comprarem nada: “Isso é o que mais me custa, e o que mais gosto é de vender”.Separado há quatro meses, depois de um casamento de quatro anos, Joaquim Nunes conseguiu ultrapassar as dificuldades impostas por um inesperado acidente de trabalho e diz que podia “ter sido bem pior”: “Ainda pensaram em tirar-me o pulmão, felizmente não foi possível. Estive mais para lá do que para cá, mas passou. Adaptei-me às próteses e talvez um dia tente um implante. Se ficasse paraplégico seria bem pior”.Margarida Trincão
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