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Mas que pena

“O Concurso de Penas”. É este o nome de um livro escrito por um brilhante magistrado do Ministério Público. O autor é Paulo Dá Mesquita, meu colega da Faculdade.A obra data de 1997. Mas mantém-se actual e é um marco de referência para os estudiosos do Direito Penal.É claro que se estivesse à venda num hipermercado, o título levantaria enormes dúvidas. Será que se tratava de um programa televisivo com concorrentes, cheios de pena, a lamentarem-se de desgraças? No final, analisava-se quem teria mais pena de um órfão, de uma viúva ou de uma família carenciada.Mas o tema não é esse.Como é sabido, a pena máxima em Portugal é de 25 anos de prisão. Com um só crime, pode levar-se com esta condenação. Basta que se cometa um assassinato.Mas muitas vezes esta pena máxima resulta de um somatório de punições pela prática de várias infracções.É esse fenómeno que se denomina concurso de penas ou cúmulo jurídico.Por exemplo, um indivíduo passa um cheque sem provisão e dedica-se à passagem de moeda falsa. Pelo primeiro crime, pode levar com três anos de cadeia. Pelo segundo, com cinco anos. Teoricamente, poderia passar oito anos atrás das grades. É a soma dos limites máximos.Mas normalmente isso não sucederá.O juiz aprecia cada uma das infracções separadamente e atribui uma pena para cada uma. Depois, procede ao cúmulo.No caso do cheque sem cobertura, pode fixar dois anos de prisão.Quanto à moeda falsa, determina, por exemplo, três anos de prisão.Em termos práticos, isso significa que, no mínimo, o condenado cumpre três anos. Das duas, é a pena mais elevada. Mas pode também passar cinco anos enclausurado. É a soma das duas condenações. Entre estes dois limites, o juiz deve condenar o criminoso a uma pena única. Levará em conta os factos e a personalidade do infractor. É possível que opte por quatro anos, por exemplo.As coisas nem sempre são assim tão simples. Para já, há que contar o número de infracções. Se uma pessoa passa dez cheques carecas, comete dez crimes. Não há dúvida nenhuma. Isso significa que arrisca-se a 25 anos de cadeia. Três anos vezes dez dá trinta. Mas como a pena máxima é aquela ficará o limite superior reduzido àquele número.Mas há questões mais delicadas. Isso tem-se verificado nos casos de pedofilia. Há pessoas acusadas de centenas de crimes. No mesmo dia, um homem passa um período com uma criança. Primeiro, pede ao menino que lhe acaricie os órgãos genitais. Depois, vai ver um filme pornográfico com o menor. A seguir, tem uma relação sexual com ele. Será que nesse dia o pedófilo cometeu três crimes? É controverso.Quando se misturam multas e penas de prisão, há regras especiais.Primeiro, tratam-se das multas. Estas são fixadas em dias. A título exemplificativo: 120 dias, à taxa diária de € 8,00. Vem a dar € 960,00. Havendo várias multas, somam-se o número de dias e fixa-se uma pena única. O limite máximo é essa soma ou 900 dias, consoante o que for mais baixo.Depois, verificam-se as penas de prisão de acordo com o critério já referido.O condenado paga a multa e cumpre a pena única de prisão. Há total separação entre as duas sanções.O diabo é se alguma das penas de prisão for suspensa. O juiz pode dar uma oportunidade ao arguido, quanto a uma das condenações a cadeia. Suspende a execução da pena por um certo lapso de tempo. É discutível se esta pena suspensa deve ou não ser considerada para efeitos de cúmulo jurídico.Quem comete uma série de crimes, mete-se numa carga de trabalhos. Mas também dá muito trabalho ao juiz.* Juiz(hjfraguas@hotmail.com)

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