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A orquestra

Tenho um amigo músico, cuja visão sobre o funcionamento de uma orquestra é curioso. Equipara-a a uma boa conversa entre amigos. Cada um tem a oportunidade de falar, destacar-se e brilhar a seu tempo. Há momentos em que tem de ficar calado e ouvir o que os outros dizem.Efectivamente, numa orquestra, em certas alturas, um instrumento sobressai. Uns são tocados baixinho e outros ficam mesmo silenciados. Depois, chega a altura de o maestro mandar aquele executante remeter-se a um papel secundário por forma a fazer realçar outro colega.Num julgamento, torna-se evidente quem é o maestro: o juiz. Começa por mandar falar o arguido. Depois, dá a palavra aos acusadores, para que coloquem questões. Segue-se o advogado de defesa. Posteriormente, vêm as testemunhas. As regras de funcionamento do julgamento são rígidas e consentem pouca flexibilidade. Na sala de audiências, as pessoas só podem falar quando autorizadas pelo juiz.Mas nem sempre tudo se processa como mandam os códigos e as leis. Entre o público, deve manter-se o silêncio. Mas são frequentes os casos em que isso não acontece. Por vezes, o arguido vê-se atrapalhado com uma pergunta e há sempre um familiar na assistência para ajudá-lo. Ou fala baixinho e procura soprar a resposta ao arguido. Ou então resolve mesmo responder por ele e dirige-se ao juiz, esclarecendo a questão.É claro que isto não é recomendável, mas há sempre quem não resista a desenrascar o arguido.Certa vez, um jovem de dezoito anos estava a ser julgado. O pai assistia. O arguido disse ser solteiro.Um pouco depois, já dizia que vivia com a mulher. O juiz estranhou. Mas o progenitor logo esclareceu. Viviam em união de facto.O magistrado perguntou ao arguido qual era a profissão da tal senhora com quem o arguido vivia maritalmente. O pai do arguido quis também esclarecer tudo. E com certeza pretendia demonstrar que eram cumpridores da lei.Disse então que ela não trabalhava porque tinha treze anos de idade. Realmente, não se pode trabalhar com essa idade. Mas muito pior é viver maritalmente com alguém. O pai estava a entalar o filho.Numa ocasião, em Almeirim, eu estava a julgar seis arguidos, todos eles da mesma família. Eles eram obrigados a responder às perguntas sobre a identificação. Logo aí gerou-se um grande espírito de entreajuda no seio dos acusados. Respondiam uns pelos outros. Foi uma carga de trabalhos explicar que cada um deveria apenas identificar-se a ele próprio.A meio do julgamento, sucedeu-me uma coisa inédita. Um dos arguidos levantou-se do banco dos réus e dirigiu-se à porta de saída. Eu perguntei-lhe onde tencionava ir. Mais uma vez, a resposta não veio da boca dele, mas sim de outro arguido:- Ele vai à casa de banho. É que se não for, faz mesmo aqui. Está aflito.Lá tive de interromper a audiência. Em princípio, os arguidos devem assistir a todo o julgamento.As conversas paralelas são proibidas. Mesmo entre o público, não se deve consentir que os que assistem se ponham a falar entre si.Uma questão delicada, mas que se coloca constantemente, é a que respeita à linguagem corporal. É frequente haver acenos de cabeça, em sinal de concordância ou discordância com o que uma testemunha está a dizer. Também aqui se está a dar um sinal que não deve ser tolerado.* Juiz(hjfraguas@hotmail.com)

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