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31 anos do jornal o Mirante

Escrever para as fontes ou para os leitores?

*Nelson LopesHá cerca de um mês fui abordado por um eleito municipal que me perguntou se tinha alguma coisa contra ele. Respondi que não e disse que até tinha estima e consideração pessoal pelo senhor. Como fiquei curioso, e porque ao jornalista também cabe questionar, quis saber a razão de tal interpelação. O homem explicou-me que nos últimos anos fez várias intervenções em assembleias e que O MIRANTE nunca tinha transcrito nenhuma. Expliquei ao senhor que o papel do jornalista não era fazer a acta da assembleia, mas seleccionar a informação com interesse público e tratá-la. Insatisfeito com a justificação, o “deputado municipal” acrescentou que outros jornais publicavam as suas intervenções e que os jornalistas desses órgãos é que estavam a prestar um bom serviço porque ele era um político com passado.Pontos de vista? Na minha modesta opinião, e segundo o que me ensinaram, o papel do jornalista é descrever os acontecimentos. Separar o que é informação e tem interesse público do que é politiquice e não é útil aos leitores que servimos. O jornalista deve colocar-se no lugar dos milhares de munícipes dum determinado concelho. Deve indagar, investigar e questionar os eleitos locais, distritais e nacionais sobre as soluções para os problemas que o cidadão comum encontra diariamente naquela área. O que o leitor espera de nós é o esclarecimento das dúvidas que se levantam e para as quais, em alguns casos, nunca teria respostas.Vem esta reflexão a propósito da diferença entre escrever para as fontes ou escrever para os leitores. As fontes gostam de aparecer, gostam de ser compensadas pelas informações que nos proporcionam, mas cabe ao jornalista gerir essa relação. O mensageiro não se deve comprometer com a concessão de uma visibilidade imerecida como contrapartida para uma boa manchete. Gerir esta relação não é fácil quando as pressões se intensificam pela proximidade. O jornalista e a fonte de informação encontram-se no café, no cinema ou no centro de saúde. Os filhos do jornalista e da fonte até andam na mesma escola e jogam futebol na mesma equipa. Ao contrário do que acontece nos grandes centros, aqui os jornalistas e os agentes locais têm rosto. O jornalismo regional só terá futuro se conseguir ser isento, independente, inovador e interveniente. Se colocar o povo da região na notícia e se estiver atento à realidade.Em Portugal cresce uma onda de auto-censura que se traduz num medo de falar seja do que for. Há dias liguei para uma clínica médica da região onde vivo a pedir uma simples informação sobre uma consulta de especialidade e identifiquei-me. Do outro lado atendeu-me uma funcionária que me conhece e disse: “Senhor Nelson não posso dar-lhe qualquer informação, não estou autorizada, terá que falar com o nosso director”. Expliquei que estava a pedir uma informação a título pessoal, mas de nada me valeu. Dias depois liguei e já não me identifiquei. Outra funcionária informou-me o dia, a hora e o preço da consulta sem qualquer entrave.Este episódio reflecte que apesar de já ter 30 anos, a nossa democracia ainda não é adulta e não está consolidada. Todos os dias deparamos com novas formas de censura que o jornalismo regional terá de denunciar e combater. Mas para tal é preciso que sejamos jornalistas em vez de jornaleiros e que apareçam empresários de comunicação social a gerir os projectos que estão nas mãos dos construtores civis e industriais disto e daquilo. Homens “temporariamente ricos” que compram jornais e rádios para estarem perto do poder e beneficiar de contrapartidas pagas com tempo de antena nas rádios ou páginas de jornal. Esta informação não tem qualquer interesse público e esta comunicação é tudo menos social. *Jornalista

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