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Ilustrado Serafim das Neves

A fúria propagandística dos hipermercados arrasou a minha caixa do correio. Arrebentou-a toda. A infeliz morreu de carga a mais. Morreu não, foi assassinada. Foi sacrificada no altar do incentivo ao consumo. No Natal, os perus não são as únicas vítimas. As caixas do correio também se abatem, fiquei agora a saber.Eu já tive um auto-colante na caixa do correio a dizer que não queria publicidade. Um não, mil e um. De cada vez que colava o papelinho amarelo vinha alguém por trás e arrancava-o. Quando não o arrancava riscava-o. Uma luta sem tréguas que eu perdi por cansaço. Mesmo quando o auto-colante lá ficava não havia distribuidor de publicidade porta-a-porta que tivesse piedade. Ao fim do dia a caixa espumava promoções pela abertura. Com a aproximação do Natal a guerra intensificou-se. Em matéria de publicidade as quadras festivas não se prestam a tréguas. Os ânimos ficam exaltados. A morteirada de catálogos intensifica-se. Páginas e páginas coloridas com preços de arrasar. Promoções de abananar qualquer pechincheiro. Bacalhau da Noruega ao preço da chuva. Garrafas de óleo para fritar rabanadas, a pataco. Barbies e play-stations quase dadas. Calhamaços do tamanho de listas telefónicas enfiados a martelo pela boca abaixo da minha modesta caixa do correio.Um vizinho decidiu comprar um receptáculo de 120 litros para resistir à avalanche. Eu fiei-me na minha capacidade de remoção da tralha. Fiei-me e lixei-me. Andava a retirar os folhetos dos supermercados três vezes ao dia e a coisa ia resultando. Era uma sacalhada de papel cada vinte e quatro horas. Mas o fim de semana passado fui ao Minho. Três dias fora e a desgraça aconteceu. Acho que o estrondo da caixa do correio a rebentar se ouviu a muitos quilómetros de distância. Se calhar foi por isso que o senhor comerciante Carlos Mateus, lá no Entroncamento, começou a organizar milícias populares para defender a cidade. Eu já nem digo nada! Os assassinos estão identificados mas vai ser difícil condená-los. Vão desculpar-se até ao fim. Vão todos afirmar que quando a sua propaganda foi metida na caixa ainda havia muito espaço. E logo o meu prédio que é dos mais ranhosos. Daqueles que não têm sistema de vídeo-vigilância. O gajo do terceiro andar quando passa por mim manda-me bocas. É um militar reformado. Um maníaco da segurança. “Está a ver, está a ver, se tivesse aprovado a instalação do sistema agora já sabia quem lhe tinha arrasado o material!”Eu votei contra porque andava com vontade de me mandar à vizinha do primeiro esquerdo nas escadas e não queria que a cena fosse mostrada numa reunião de condóminos. Tinha tudo previsto. Já sabia a que horas é que elas costuma ir às compras. Aparecia-lhe como quem não quer a coisa e ajudava-a a carregar os sacos. Depois fingia tropeçar e agarrava-me às saliências. É fácil perceber que não estava nada interessado num sistema de vídeo-vigilância. Agora arrependo-me. Como é que sei se o golpe fatal contra a malograda caixa do correio foi desferido pelo Modelo, pelo Intermarché ou pelo Lidl? Uma coisa que me intriga no meio desta história toda é saber se sou um cidadão E.T. Se sou uma aberração nacional. Haverá mais pessoas a desdenhar da propaganda que nos atafulha as caixas do correio? A minha dúvida é pertinente. Um dia destes passei à porta de um supermercado e vi uma fila enorme à porta. Alarmei-me. Pensei com os meus botões: “Querem lá ver que já começou o racionamento por causa da guerra do Iraque e ninguém me disse nada??!!”. Fui até lá e perguntei o que se passava. Um senhor com cara de professor do secundário olhou-me com um desdém capaz de derrubar sequóias e baforou-me a resposta no meio da cara com o fumo do cigarro e tudo: “É a promoção das frigideiras!!!”. Figideiras ou quartas-feiras. Nem percebi bem. E tu?! Percebes alguma coisa???Um abração pré-natalício do Manuel Serra d’Aire

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