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A arte do “Perna Atrás”

José Vicente Rodrigues, 60 anos, ferrador

Quem pensa que ser ferrador é um ofício que não requer conhecimentos anatómicos está profundamente enganado. Ferrar um cavalo exige saber, brio profissional, um bom relacionamento com o animal, verificação da forma como se movimenta e dos pequenos defeitos que pode ter na locomoção. José Vicente Rodrigues sabe tudo isso e considera que o seu ofício é uma arte.

“É mesmo uma arte e quem não gostar do que faz nunca pode ser um bom ferrador”, afirma José Vicente Rodrigues, também conhecido por “Perna Atrás”, alcunha que tal como a profissão herdou do avô. Aprendeu o ofício logo que saiu da escola e nunca quis outro na vida. Foi o pai que o iniciou nesta arte familiar. “O meu avô já era ferrador, ensinou o meu pai e ele ensinou-me a mim”. A alcunha do Perna Atrás também começou no avô, foi passando de geração em geração e deu mesmo origem a um pequeno aglomerado de casas em Casével, freguesia do concelho de Santarém. “Gosto muito daquilo que faço e não é para me gabar mas tenho brio profissional”, continua José Rodrigues que, com os seus 60 anos de idade e cerca de 48 de profissão, é dos poucos que ainda ferrou bois, um trabalho que deixou de ser útil porque já não há juntas de bois por esses lados. “Era mais fácil pôr canelos (as ferraduras dos bovinos)”, conta. Em todas as oficinas havia um tronco, uma espécie de jaula só com vedações laterais onde os bois eram metidos e presos e podiam ser suspensos com cintas por baixo da barriga se fossem de poucos amigos.“Os cavalos são diferentes, mas dão mais trabalho”, diz. Primeiro é preciso falar com o animal – “nenhum ferrador deve começar a ferrar um cavalo sem falar primeiro com ele, é um bicho muito sensível e se se tenta castigar pior” –, depois ver como o cavalo anda e a forma como a ferradura está desgastada também é um indicativo.“As ferraduras de compra, muito perfeitinhas e iguais não prestam para nada, têm de ser todas malhadas”, diz quem sabe. E na velha forja com bigornas e martelos, José Rodrigues dá às ferraduras as inclinações necessárias. Deve ser ligeiramente abaulada tanto de trás para a frente como lateralmente para o cavalo poder ter um andar correcto e não começar a coxear devido ao “calçado”.Mas antes de tudo isso é necessário fazer o aprumo da taipa, vulgarmente chamado casco. “A taipa ou a coroa é como as nossas unhas”, explica exemplificando com dois cascos de cavalos colocados em cima da bigorna, porque ele sabe do que fala e conhece os ossos e ossinhos, os tecidos vivos e as cartilagens que formam as extremidades das patas dos equídeos.Os utensílios de ferrador pouco mudaram desde que José Rodrigues começou. Há turqueses e grossas, facas curvas e martelos, cravos e ferraduras, a pesada bigorna, o cepo e o avental de ferrador em cabedal como manda a tradição. Porém, os cavalos já não vão à loja do ferrador, é ele que vai até às cavalariças e coudelarias tratar dos cascos dos cavalos. Daí que, a oficina passou a estar instalada numa carrinha de caixa fechada, onde o “Perna Atrás” transporta tudo o que lhe é necessário, até uma pequena forja eléctrica.Ferrar um cavalo custa cerca de 55 euros, mais IVA – “quando comecei custava 20 escudos”. Valor que inclui a deslocação e tudo o mais e, por isso, não compensa andar uma série de quilómetros só para ferrar um cavalo. “Tem que haver mais animais, mas um bom ferrador não consegue ferrar mais de quatro ou cinco cavalos por dia. Quem diz que ferra oito e nove animais não pode saber o que faz”, afirma. Segundo conta, o trabalho demora cerca de hora e meia se o animal for manso, mas pode demorar duas horas e mais se não estiver pelos ajustes. E, de dois em dois meses, no máximo dois meses e meio, os animais têm de ser ferrados de novo. “A taipa ou a coroa são como as nossas unhas, crescem e têm de ser cortadas. Às vezes as ferraduras são as mesmas, mas tem que se fazer o aprumo do casco”.Os cavalos são ferrados por volta dos três anos e meio, quando começam a ser desbastados. Durante o resto da vida mudam de “sapatos” cinco a seis vezes por ano. José Rodrigues tem acompanhado muitos deles porque apesar de presentemente haver alguns ferradores, poucos ou nenhuns têm a experiência do “Perna Atrás”.“Há oito ou nove anos não havia ferradores, agora começaram a tirar cursos de três ou quatro meses e já são ferradores. Como isto é uma arte não se aprende com essa facilidade”.Na Golegã, durante a Expoégua, a Feira do Cavalo e os concursos hípicos, José Rodrigues lá está com a sua oficina para dar assistência. Trata dos cavalos da Fonte Boa e da Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, da Escola Profissional das Mouriscas, das coudelarias de Manuel Veiga, Manuel Coimbra, entre muitas outras.“Já selecciono os clientes, não tenho tempo para tudo. Ainda recentemente fui a Vendas Novas ferrar os cavalos de José Eduardo Moniz, porque foi um rapaz amigo que me pediu. Os clientes que tenho chegam-me”, conclui.Margarida Trincão

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