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Desobediência civil

Quando é que os broncos dos responsáveis governativos se apercebem que é incomensuravelmente preferível levar alguém a cumprir uma norma, de que penalizar uma transgressão?!!

Diga-se desde já, para evitar mal entendidos, que considero que a política seguida neste país, em relação à problemática rodoviária, constitui uma completa hipocrisia!O novo “código da estrada”, que tanto tempo de antena tem merecido, corresponde, a meu ver, a mais uma etapa no equívoco legalista vigente, obedecendo essencialmente a dois pressupostos: reforçar uma fonte de receitas directas para as debilitadas finanças públicas e, eventualmente, dar uma imagem de empenho e preocupação face às elevadas taxas de sinistralidade nacionais.Sejamos claros! É certo que os índices de sinistralidade atingem valores bastante altos entre nós. É certo que nos devemos preocupar com isso. Que devemos procurar mecanismos que os possam atenuar até valores aceitáveis; leia-se valores menos inaceitáveis!As razões dos mesmos têm, aliás, levantados acesos debates. Com maior ou menor consenso apontam-se, entre outros, a natureza das nossas estradas, o excesso de velocidade, o alcoolismo, as manobras perigosas, a falta de respeito pelo outro e a desobediência sistemática às normas, sejam elas de sinalização, de moderação ou interdição.Contudo, a grande maioria destas resumem-se (global, estruturalmente) a uma só: a inexistência entre nós de uma verdadeira cultura rodoviária, expressão específica de uma realidade mais vasta: a inexistência entre nós de uma verdadeira cultura cívica!Não por qualquer atavismo genético, esclareça-se, mas por razões históricas e socio-culturais de todos conhecidas.E isso não se combate necessariamente (nem determinantemente), com mais proibições e penas mais duras! Combate-se com sensibilização, com prevenção, com formação de base! Com educação, em suma!Combate-se, ainda, com uma fiscalização mais eficaz e sistemática! Combate-se com leis adequadas e, naturalmente, exequíveis!Com leis cuja natureza e aplicabilidade permitam que o cumprimento passe a constituir, de alguma maneira, uma regra e não uma excepção!Para que, de forma gradual, possam vir a ser crescentemente respeitadas, independentemente da presença visível, ou previsível, da autoridade!É que, respeitar uma lei, não é cumpri-la apenas por receio da sanção. É concordar com ela, com a sua necessidade, com o equilíbrio que sempre deve existir entre a privação de liberdade que quase sempre acarreta e o beneficio que dela, previsivelmente, resulta.É cumpri-la de vontade e incentivar os outros a cumpri-la!Contudo, este processo de mudança de mentalidades não produz resultados visíveis a curto prazo, capazes de entrar ainda no “Noticiário das Nove”, após cada “operação Páscoa”, ou similar. E, principalmente, mais que receitas, acarreta despesas!Portanto, o Estado, prefere entender-nos como uma horda de irresponsáveis potenciais e tratar-nos como tal! Portanto, afunda-nos em leis! A propósito e a despropósito!Leis que não cumprimos! Que nos habituamos, naturalmente, a não cumprir! Solidarizando-nos, com os outros, na simbiose do não cumprimento!Porque não as consideramos justas! Porque temos a desconfiança, quantas vezes comprovada, de que não são para todos!Vamos assim, paulatinamente, criando uma “besta negra”, bem pior que, os já graves, índices de sinistralidade!Porque, por este caminho, não os resolvemos eficazmente. Como, aliás, se tem visto.Mas, mais importante ainda, porque criamos na sociedade portuguesa, sistemáticos e arreigados vícios de ilegalidade! Ilegalidade face a um Estado, que tardamos em considerar “pessoa de bem”!Ilegalidade vista como natural e habitual. Legítima até!E não só na temática rodoviária, mas em qualquer área da vida pública! E... não pública! Quando é que os broncos dos responsáveis governativos se apercebem que é incomensuravelmente preferível levar alguém a cumprir uma norma, de que penalizar uma transgressão?!!Que as tais “tolerâncias zero” não deveriam ser conjunturais, mas estruturais?!Que mais vale uma lei um pouco mais permissiva sistematicamente respeitada, que uma bastante mais rigorosa, sistematicamente transgredida?!Que, se entre a norma e a sua aceitação geral não houver correspondência, a mesma esvazia-se pelo seu sucessivo incumprimento?!E que, neste caso, resta apenas “o jogo do gato e do rato”, entre os cidadãos e as autoridades!Mais ou menos arriscado! Para a grande maioria, não desejável! Mas visto como inevitável, face às circunstâncias!

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