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O insulto ao público

Lavro a imaginação com palavras, o José Niza fá-lo com notas musicais. Mas nem o seu instrumento criativo – a pauta – nem o meu – a caneta – são chamados a esta lide bem triste e degradada a que chegou a gestão autárquica.

Meu caro José Niza:Retribuo-lhe o cumprimento nesta resposta à sua carta aberta, sublinhando a estima e a admiração que tenho por si e pela sua obra, uma referência para a minha geração no que respeita à música e à intervenção cívica. O meu caro não é apenas uma centelha de génio no panorama musical português mas também pela sua conduta política, razão pela qual é com amizade e grande respeito que lhe escrevo.Deve lembrar-se da peça de teatro que dá o título a esta carta. Foi escrita por Peter Handke em 1964, e julgo que já nos inícios de setenta, um dos grandes êxitos do então Grupo 4, se a memória não me falha.Veio-me esta peça de teatro à memória a propósito do que diz na sua carta. Porque, segundo as suas palavras, e pela forma pouco selectiva como retira as minhas palavras do contexto, fica a ideia de que o discurso de apresentação da minha candidatura é um insulto aos militantes socialistas que mantêm esta edilidade. O senhor, que é homem bem formado, sabe, porque me conhece, que jamais seria capaz de fazer da minha intervenção pública um insulto seja a quem for. Não confunda palavras vigorosas, verdadeiras, admito que rijas, com insultos gratuitos. Releia o que escrevi, não deixe que o seu coração socialista fale mais alto que a sua racionalidade poé-tica e musical e verá que a única boa razão para a carta que escreveu, foi dar-me a oportunidade de falar consigo. Peter Handke não queria insultar o público mas provocá-lo, excitar-lhe a inteligência, excitar a crítica. E a prova de que não insultei, mas admito que tenha provocado o exercício do pensamento, é que o meu amigo, homem sábio e inteligente, sentiu-se interpelado e reagiu. Com o decoro dos homens civilizados. Não precisou de recorrer à intriga, ao boato, ao panfleto anónimo como o fazem alguns daqueles que pretende defender elegendo-me como alvo de todos os preconceitos.Porque insultar a inteligência e a civilidade é outra coisa e é feita por aqueles que quer defender. Insulto grave e obsceno é esta edilidade ofender os seus próprios camaradas da anterior edilidade, acusando-os de deixar a câmara falida por causa de uma dívida de 6,5 milhões de contos e, passados quatro anos, apresentarem um passivo que ultrapassa os 10 milhões de contos. E sem obra que justifique esta loucura, embora com muita propaganda. Insultar, de forma grave e obscena, é ter dívidas inimagináveis às freguesias do concelho, algumas delas vindas do anterior mandato, onde vivem os que mais precisam, os que menos têm e da câmara mais necessitam. Insulto é haver presidentes de junta com audiências pedidas há meses e que não são recebidos transformando o exercício da política autárquica num baronato sem respeito pelas regras democráticas. Insulto e insulto sério, merecendo castigo eleitoral, é o desprezo pela memória inscrita no património histórico do concelho. Insulto que merece censura cívica e moral, é você e eu e muitos mais sermos utentes de um concelho com uma taxa de saneamento básico bem longe da média nacional, bem próximo da média do norte de África. Insulto à honra e à dignidade daqueles que em Santarém labutam, é uma dívida de curto prazo de quase vinte e cinco milhões de euros a fornecedores, na sua maioria pequenas e médias empresas, colocando-as em risco, para indirectamente financiar os disparates que esta gestão autárquica tem realizado. Sou delicado. Chamo-lhe gestão autárquica. Devia chamar-lhe calote autárquico. Insulto, meu caro José Niza, é vivermos alegremente com o rápido envelhecimento do concelho e ser disso cúmplice através da fórmula agora em uso que, de facto, fez-se alguma coisa e há ainda muita coisa para fazer. Pôncio Pilatos não arranjaria melhor desculpa.E vendo a alegria irresponsável, o perfeito autismo com que aqueles que nos governam olham, arrogantes e ufanos, para a sua desgraçada obra, adorando Juno onde só colocaram nuvens, é caso para me apropriar do seu conselho e alvitrar que use os seus conhecimentos psiquiátricos no tratamento desta mediocridade política.Não confunda as minhas análises com a minha escrita. Somos ambos criadores de ficções, é verdade. Lavro a imaginação com palavras, o José Niza fá-lo com notas musicais. Mas nem o seu instrumento criativo – a pauta – nem o meu – a caneta – são chamados a esta lide bem triste e degradada a que chegou a gestão autárquica. Não precisa da minha ficção para amargar a pílula. Não me dê música para a dourar.Creia-me com amizade e consideração

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